De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), antes da disseminação da Covid-19, quase 100 milhões de crianças haviam sido resgatadas do trabalho infantil até 2016. Isso fez com que o número de crianças nessa situação caísse de 246 milhões em 2000 para 152 milhões em 2016, segundo a última estimativa global divulgada.

O impacto devastador da Covid-19, que acarreta redução de renda e altos níveis de insegurança econômica, pode provocar aumento significativo no número de crianças e adolescentes em trabalho infantil nos países latino-americanos e caribenhos. O alerta foi feito na quinta-feira (11) por análise da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que consideram imperativo adotar medidas para evitar esse cenário.

A análise apresentada pela OIT e Cepal inicialmente abrangeu três países (Costa Rica, México e Peru) e permite estimar que o trabalho infantil possa aumentar entre 1 e 3 pontos percentuais na região. Isso implicaria que de 109 mil a 326 mil meninos, meninas e adolescentes poderiam entrar no mercado de trabalho, somando-se aos 10,5 milhões atualmente em situação de trabalho infantil.

O documento lembra que o percentual de meninos, meninas e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil na América Latina e no Caribe caiu de 10,8%, em 2008, para 7,3%, em 2016, o que equivale a uma diminuição de 3,7 milhões de pessoas nessa situação, até o indicador atual de 10,5 milhões.

A nota técnica diz que o aumento do desemprego e da pobreza afetará severamente o bem-estar das famílias, particularmente aquelas em condições de extrema pobreza que costumam viver em moradias inadequadas.

Um dos principais fatores de insegurança e instabilidade econômica nos lares da região é a prevalência do trabalho informal, em que a proteção social é mínima e os contratos são inexistentes. Assim, muitas famílias precisam recorrer ao trabalho infantil para lidar com a insegurança econômica, afirma o documento.

Campanha mundial e no Brasil

A fim de evitar um aumento dessa estatística em 2020 e perseguir a meta de erradicar essa violação até 2025, a campanha mundial de 2020 da OIT para o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil (12 de junho) faz um chamamento aos países para que incrementem políticas públicas de proteção visando assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, inclusive o direito ao não trabalho.

A desaceleração da produção, o desemprego, a baixa cobertura da proteção social, a falta de acesso à seguridade social e os níveis mais altos de pobreza são condições que favorecem o aumento do trabalho infantil”, destaca a nota técnica conjunta das organizações, publicada para a ocasião do Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, 12 de junho.

“Os indicadores de trabalho infantil e trabalho adolescente perigoso podem aumentar significativamente caso medidas e estratégias não forem implementadas para reduzir o impacto”, acrescenta o documento.

Mesmo proibido no Brasil, o trabalho infantil atinge pelo menos 2,4 milhões de meninos e meninas entre 5 e 17 anos, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2016, do IBGE.

Com o slogan “Covid-19: agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil”, a campanha nacional está alinhada à iniciativa global proposta pela OIT. O objetivo é conscientizar a sociedade e o Estado sobre a necessidade de maior proteção a esta parcela da população, com o aprimoramento de medidas de prevenção e de combate ao trabalho infantil, em especial diante da vulnerabilidade socioeconômica resultante da crise provocada pelo novo coronavírus.

Diretor do escritório da OIT no Brasil, Martin Georg Hahn destaca que a pandemia e a consequente crise econômica e social global têm um grande impacto na vida e nos meios de subsistência das pessoas. “Para muitas crianças, adolescentes e suas famílias, a crise significa uma educação interrompida, doenças, a potencial perda de renda familiar e o trabalho infantil”, explica.

Para Hahn, é imprescindível proteger todas as crianças e adolescentes e garantir que eles sejam uma prioridade na resposta à crise gerada pela COVID-19, com base nas convenções e recomendações da OIT e Convenção das Nações Unidas. “Não podemos deixar ninguém para trás”, acrescenta.

Webinário vai debaater exploração infantil

A campanha nacional contra o trabalho infantil, aberta no último dia 3, é realizada por OIT, Ministério Público do Trabalho (MPT), Justiça do Trabalho e Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). As ações continuam durante todo o mês de junho, com uma agenda nacional única que pode ser acompanhada pelas redes sociais das instituições parceiras,a alertando para o risco de crescimento da exploração do trabalho infantil diante dos impactos da pandemia.

Para marcar o Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil, 12 de junho, às 17 horas, haverá um webinário (seminário virtual) que será transmitido pelo canal do Tribunal Superior do Trabalho no Youtube. O evento conta com o apoio e participação do Canal Futura e vai debater questões como o racismo estrutural no Brasil, os aspectos históricos, mitos, o trabalho infantil no contexto da Covid-19, os impactos da pandemia nos casos de exploração infantil e os desafios pós-pandemia.

Também nesta sexta-feira, 12 de junho, às 11h, o Unicef no Brasil promove uma live sobre o trabalho infantil no Brasil e o que pode ser feito para erradicá-lo. Participam Felipe Caetano, estudante de Direito e ativista pela erradicação do trabalho infantil; Florence Bauer, representante do Uniceg no Brasil e Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza e membro do Conselho Consultivo do Unicef.  A live acontece no Youtube do UNICEF: youtube.com/ user UNICEFBrasil

O webinário “Covid-19: Agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil” conta com a mestra em filosofia política e escritora Djamila Ribeiro é uma das convidadas do evento. Considerada uma das vozes mais atuantes quando o assunto é combate ao preconceito racial e ativismo negro no Brasil, Djamila vai integrar o primeiro painel do evento sobre “Racismo no Brasil, aspectos históricos e mitos do trabalho infantil”. O tema também será abordado pela secretária-executiva do FNPETI, Isa Oliveira.

O segundo painel do evento abordará o “Trabalho Infantil no contexto da pandemia da Covid-19” e conta com a participação de Laís Abramo, coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo a Aprendizagem da Justiça do Trabalho, ministra Kátia Arruda, e da ex-diretora do escritório da OIT no Brasil e ex-diretora da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal.

O enfrentamento dos desafios pós-pandemia serão abordados no terceiro painel pela procuradora do Trabalho, Ana Maria Villa Real, pelo auditor-fiscal do trabalho Antônio Mendonça e pela líder de projetos do Laboratório de Educação da Fundação Roberto Marinho, Maria Corrêa e Castro. A mediação será realizada pela jornalista Flávia Oliveira. O público poderá enviar perguntas aos participantes, a serem respondidas ao final de cada painel.

Também foram exibidos 12 vídeos nas redes sociais com histórias reais de vítimas, integrando a série “12 motivos para a eliminação do trabalho infantil”, além da veiculação de podcasts semanais para reforçar a necessidade aprimoramento das ações de proteção a crianças e adolescentes neste momento crítico.

 

Fechamento de escolas aumenta o trabalho infantil

A nota técnica alerta ainda que o fechamento temporário das escolas é outro fator com potencial para aumentar o trabalho infantil. “Agora, mais do que nunca, meninos, meninas e adolescentes devem estar no centro das prioridades de ação que, em seu conjunto e por meio do diálogo social tripartite, oferecem respostas para consolidar os avanços na redução do trabalho infantil, particularmente em suas piores formas”, destaca a análise.

A nota ressalta que, em um momento de redução do espaço fiscal nos países, a abordagem da prevenção continua sendo a mais eficiente em termos de custo. Quando uma criança está em situação de trabalho infantil, é muito mais complexo e custoso retirá-la da atividade ou intervir para restaurar seus direitos.

A nota técnica propõe ações para prevenção eficaz, identificação e localização de crianças e adolescentes que trabalham e restituição dos direitos de crianças e adolescentes que trabalham e de suas famílias.

A análise também propõe o estabelecimento de políticas de transferência de renda, de acordo com a proposta da CEPAL de implementar uma renda básica de emergência por seis meses para todas as pessoas em situação de pobreza em 2020, incluindo crianças e adolescentes.

Os dados dos países indicam que, em grande parte da América Latina e do Caribe, os casos de COVID-19 continuam a aumentar e, portanto, seguem vigentes as medidas de contenção da pandemia recomendadas pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), tais como lavagem das mãos, etiqueta respiratória, distanciamento social, evitar o contato interpessoal e permanecer em casa.

A análise tem como base os resultados do Modelo de Identificação de Riscos para o Trabalho Infantil (MIRTI) desenvolvido pela Cepal e pela OIT, em conjunto com outras organizações, colaborando com a Iniciativa Regional América Latina e o Caribe Livre do Trabalho Infantil, a fim de produzir conhecimento para informar e fornecer evidências que contribuam para a tomada de decisões políticas destinadas à prevenção e à erradicação sustentadas do trabalho infantil na região.

A pandemia da Covid-19 traz, como efeito secundário, o risco de aumento do trabalho infantil no Brasil. Com as escolas fechadas para prevenir a transmissão do vírus, e a pobreza se acentuando, o trabalho pode parecer, equivocadamente, uma forma de meninas e meninos ajudarem suas famílias. Mas ele impacta o desenvolvimento físico e emocional das crianças, e pode impedir a continuidade da educação, reproduzindo ciclos de pobreza nas famílias – além de ser porta de entrada para uma série de outras violações de direitos, como a violência sexual. O trabalho infantil é uma forma de violência. Ele atinge crianças e adolescentes em todo o País, e particularmente, meninas e meninos negros.

Uma das formas de impedir o trabalho infantil é oferecer opções de aprendizagem e trabalho protegido, dentro da lei, aos adolescentes. Por isso, neste Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, o UNICEF faz um apelo às empresas públicas e privadas de reforçar seu compromisso com a implementação da Lei da Aprendizagem. “Neste momento de crise, é ainda mais necessário promover esforços para garantir que meninas e meninos vulneráveis retornem à escola após a pandemia. No caso dos adolescentes, para que isso seja possível, é essencial que eles consigam unir aprendizagem e trabalho protegido, via lei do Aprendiz”, defende Rosana Vega, Chefe de Proteção à Criança do UNICEF no Brasil.

Segundo dados do IBGE de 2016, os últimos disponíveis, 2,4 milhões de crianças e adolescentes de cinco a 17 anos estavam em situação de trabalho infantil no Brasil. Destes, 1,7 milhão exerciam também afazeres domésticos de forma concomitante ao trabalho ou estudo. O problema afeta, em especial, meninas e meninos negros. Do total em trabalho infantil no Brasil em 2016, 64,1% eram negros. Na região Norte, este percentual era ainda maior, sendo 86,2%, seguido da região Nordeste, com 79,5%, e do Centro-Oeste, com 71,5%. No Sudeste e no Sul eram 58,4% e 27,9%, respectivamente.

A Constituição Federal proíbe o trabalho de menores de 16 anos no Brasil, exceto na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. A Lei da Aprendizagem (10.097/2000) determina que toda empresa de médio ou grande porte tenha de 5% a 15% de aprendizes, entre 14 e 24 anos considerando as funções que exijam formação profissional. Dessa forma, a Lei permite que meninas e meninos que cursam a escola regular no Ensino Médio tenham oportunidades de formação técnico-profissional.

No entanto, em 2018, só havia 435.956 jovens registrados em posições de aprendizes no País. Ao mesmo tempo, mais de 1,7 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estava fora da escola, incluindo 1,15 milhões adolescentes entre 15 e 17 anos.

O acesso à educação combinado com uma formação técnico-profissional e uma opção de renda se mostra ainda mais importantes em um período de pós-pandemia, para que adolescentes possam permanecer na escola. É essencial, também, buscar ativamente crianças e adolescentes que não voltaram à escola quando as aulas forem retomadas. Nesse contexto, o UNICEF vem trabalhando com mais de 3 mil municípios brasileiros no desenvolvimento e implementação de metodologias para identificar e matricular meninas e meninos que estavam fora da escola. Saiba mais em buscaativaescolar.org.br .

Por fim, faz-se necessário ter um monitoramento claro da situação de trabalho infantil no País, com dados consistentes que possam embasar políticas públicas. “É essencial entender os impactos da pandemia na vida de crianças e adolescentes mais vulneráveis e levantar dados atualizados sobre trabalho infantil no Brasil para que possamos compreender a real dimensão do problema e pensar em soluções de forma integrada”, defende Rosana.

Unicef e OIT alertam sobre trabalho infantil no mundo

Assim como no Brasil, o risco de aumento do trabalho infantil tem gerado alertas em outros países. De acordo com o relatório COVID1and Child LabourTimOf CrisisTimto Actlançado nesta sexta por UNICEF e Organização Mundial do Trabalho (OIT), o trabalho infantil diminuiu em 94 milhões no mundo desde 2000.

Essa melhoria, agora, pode estar ameaçada. Além disso, crianças que já trabalham podem ter que trabalhar mais ou em piores condições. Segundo os últimos dados da OIT, 152 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos estavam em situação de trabalho infantil em 2016.

“À medida que a pobreza aumenta, as escolas fecham e a disponibilidade de serviços sociais diminui, mais crianças são obrigadas a trabalhar. Quando imaginamos o mundo após Covid-19, devemos garantir que as crianças e suas famílias tenham as ferramentas necessárias para enfrentar tempestades semelhantes no futuro. Educação de qualidade, serviços de proteção social e melhores oportunidades econômicas podem mudar as coisas”, afirma Henrietta Fore, diretora executiva do UNICEF.

O relatório propõe um conjunto de medidas destinadas a mitigar o risco de aumento do trabalho infantil, incluindo a expansão da proteção social, facilitando o crédito para famílias em situação de pobreza, promovendo trabalho decente para adultos, garantindo o retorno de crianças à escola sem custos e ampliando a fiscalização da aplicação de leis voltadas ao enfrentamento do trabalho infantil em cada país.

Música alerta para crianças e adolescentes negros

Entre as atividades da campanha no Brasil, os rappers Emicida e Drik Barbosa lançaram dia 9 nos aplicativos de streaming música inédita sobre o tema, intitulada “Sementes”.  Já disponível nos aplicativos de streaming (https://links.altafonte.com/sementes), a faixa tem um videoclipe, que pode ser acessado no canal de YouTube do rapper paulista (https://youtu.be/C7l0AB–I3c).

A gente vive um momento em que é necessário falar sobre a problemática da COVID-19 nas periferias. Isso é urgente. A persistente falta de atenção dada ao trabalho infantil, algo que vem bem antes dessa pandemia surgir, se agrava ainda mais neste período, que deveria ser de paralisação e isolamento, mas resulta no inverso: mais crianças sendo empurradas para uma situação de trabalho desumano”, diz Emicida.

Na música, o artista compara as crianças com sementes em desenvolvimento e lembra que ambas não devem sofrer pressão no seu processo de florescimento. Ele canta: “É muito triste, muito cedo, é muito covarde cortar infâncias pela metade. Pra ser um adulto sem tumulto, não existe atalho. Em resumo, crianças não têm trabalho”.

Em outro trecho, Drik Barbosa diz que o trabalho infantil tem cor e endereço. De fato, o número de crianças e adolescentes negros vítimas de exploração pelo trabalho infantil é maior do que o de não de negros (1,4 milhão e 1,1 milhão, respectivamente). A artista também canta sobre uma menina que, aos 8 anos, limpa casa de família em troca de comida. Nesse caso, ela aponta para a triste realidade de que, quando se trata de trabalho infantil doméstico, as meninas são a maioria (94,2%).

O lançamento da música, anteriormente previsto para dia 2, foi adiado devido à adesão ao movimento mundial antirracista #blackouttuesday, motivado pelos protestos nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd por policiais brancos. “Tendo como fio condutor uma mensagem contra o trabalho infantil, ‘Sementes’ é mais um dos temas que giram em torno desta grande manifestação antirracista – lembrando que o trabalho infantil é majoritariamente exercido por crianças e adolescentes negros, por isso, a urgência de aderir a esta pausa”,  informa o comunicado (veja aqui)

Acidentes de trabalho já mataram 279 crianças nos últimos 13 anos

Em 2019, das mais de 159 mil denúncias de violações a direitos humanos recebidas pelo Disque 100, cerca de 86,8 mil tinham como vítimas crianças e adolescentes. Desse total, 4.245 eram de trabalho infantil, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e do Direitos Humanos (MMFDH).

Os números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde mostram o quanto o trabalho precoce é nocivo: entre 2007 e 2019, 46.507 crianças e adolescentes sofreram algum tipo de agravo relacionado ao trabalho, entre elas, 279 vítimas fatais notificadas.

Entre as atividades mais prejudiciais, está o trabalho infantil agropecuário: foram 15.147 notificações de acidentes com animais peçonhentos e 3.176 casos de intoxicação exógena por agrotóxicos, produtos químicos, plantas e outros. Apesar da redução obtida desde 2006, quando o número era de mais de 1 milhão, com a Covid-19, o trabalho infantil agropecuário também pode voltar a crescer.

Um estudo inédito publicado no dia 25 de maio pelo FNPETI revela ainda que mais de 580 mil crianças e adolescentes de até 13 anos trabalham em atividades ligadas à agricultura e à pecuária, que estão na lista das piores formas de trabalho infantil. A pesquisa teve como base o Censo Agropecuário de 2017, divulgado pelo IBGE em 2019.

Com Assessorias

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