Estima-se que 300 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de alguma doença rara, como mostrou a pesquisa, ou seja, cerca de 5 a 6% da população mundial. Essas pessoas têm cerca de 7 mil diferentes doenças. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são consideradas doenças raras aquelas que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil pessoas, ou 1,3 a cada dois mil. Elas são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas, que variam de acordo com cada enfermidade, como também de pessoa para pessoa afetada pela mesma condição.
No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 13 milhões de brasileiros são portadores de alguma doença rara. Apesar disso, um levantamento realizado pelo Ibope a pedido da Pfizer mostrou que a cada 10 brasileiros, três desconhecem o que são as doenças raras, apesar das entidades de saúde catalogarem entre seis e oito mil doenças raras no mundo.
A grande maioria destas doenças é genética e sem cura, muitas com alto potencial de morte para o paciente, por isso a necessidade do diagnóstico no início dos sintomas. Por isso, quando descobertas precocemente, possibilitam o tratamento de maneira rápida, proporcionando dessa maneira, melhor qualidade de vida ao paciente.
Um dos principais aliados no diagnóstico destas doenças é o Teste do Pezinho, que consegue identificar até 53 dessas enfermidades mais conhecidas, contribuindo para o tratamento adequado e precoce. Mas, em alguns casos, pacientes com doenças raras passam 10 anos ou mais procurando respostas, sendo forçados a percorrer uma maratona de consultas e exames.
A data de 28 de fevereiro foi instituída como Dia Mundial de Doenças Raras pela Organização europeia de Doenças Raras (EURORDIS) com o objetivo de levar conhecimento e apoio aos pacientes que necessitem de cuidados especiais. A campanha de conscientização deste ano está presente também nos prédios do Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados está iluminada com as cores rosa e verde; e o Senado, com roxo e azul, entre os dias 18 a 28 de fevereiro.
A definição também pode variar de acordo com a fonte, e cada lugar assume uma frequência de incidência da doença para considerá-la rara. Essa frequência varia de 1 a 100 para cada 100.000 habitantes. Por exemplo, nos Estados Unidos da América, é considerada rara a doença que afete menos que 60 para 100.000 habitantes. Pela União Europeia, essa definição é de 50/100.000 habitantes. Mas há ainda as chamadas doenças ultra raras, em que há no máximo 30 pacientes reconhecidos no mundo todo.
“Para termos uma ideia, esses números sugerem que em um ônibus lotado aleatório do nosso dia a dia, provavelmente há quatro pessoas que possuem alguma doença rara. E provavelmente todos nós estamos de certa forma ligados com pelo menos uma família com um ente portador de doença rara”, analisa Eduardo Stephan, médico neurologista, especialista em Doenças Neuromusculares dos Hospital das Clínicas (FMUSP), do Hospital Santa Marcelina e diretor científico da Associação Brasileira de Miastenia (ABRAMI).
Principais causas de doenças raras
Existem doenças neurológicas e neuromusculares raras, doenças metabólicas, distúrbios cromossômicos, distúrbios ósseos e esqueléticos e doenças raras que afetam o coração, sangue, pulmões, rins e outros órgãos e sistemas. As principais causas são genéticas, degenerativas, autoimune e infecciosas.
O impacto das doenças raras é sentido não apenas pelos próprios pacientes, mas também pelos seus familiares e entes queridos. Para cerca de 95% desses casos não há tratamento modificador da doença disponível. Apesar de várias diferentes enfermidades serem consideradas raras, há problemas comuns que geralmente acomete de forma similar pacientes e seus cuidadores:
- Dificuldade em obter um diagnóstico preciso (isso pode levar anos, o que pode ser crítico para mitigar ou interromper a progressão de uma doença);
- opções de tratamento limitadas; dificuldade de realização de pesquisas sobre a doença;
- dificuldade em encontrar médicos ou centros de tratamento com experiência em uma determinada doença;
- a não-cobertura pelo sistema de saúde ou convênio dos tratamentos (geralmente são mais caros do que aqueles para doenças comuns);
- dificuldade de acesso a serviços ou assistência médica, social ou financeira por falta de familiaridade pela doença daqueles que tomam decisões;
- sentimento de isolamento por não conhecer pessoas em situação semelhante, e de abandono pelo sistemas de saúde.
Nem toda doença rara é genética
De acordo com Joselito Sobreira, coordenador do departamento de genética do Sabará Hospital Infantil, “nem toda doença rara é genética, mas 80% das doenças genéticas costumam ser raras”. Essas doenças podem ser crônicas, debilitantes e até letais. Muitas doenças raras são causadas por mutações em genes ou cromossomos (sejam elas transmitidas de um dos pais ou ocorrendo aleatoriamente em uma única pessoa).
Entre as principais doenças raras e genéticas podem ser destacadas a Gauchet, Pompe, Mucopolesacaridose, fibrose cística, hemofilia, acidemias orgânicas, Ame – atrofia muscular espinhal, distrofia chuchene, skid. “Algumas das doenças raras e genéticas mais conhecidas pelas pessoas podem ser detectadas pelo teste do pezinho”, explica Dr. Joselito.
A investigação do paciente inicia com os exames clínicos e de imagem, realizando assim uma triagem completa e entregando um diagnóstico mais preciso para complementar o tratamento. O Sabará Hospital Infantil, especializado no atendimento pediátrico de alta complexidade, oferece exames de crianças com todos os tipos de doenças raras (como as autoimunes e ou genéticas); entre eles os principais exames genéticos: carótipo, miroarray (ou CGH) e exoma.
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As Síndromes Miastênicas são consideradas raras
As Síndromes Miastênicas, que são distúrbios da estrutura que conecta os nervos aos músculos (chamada junção neuromuscular), são todas consideradas raras. A Miastenia Gravis, doença autoimune adquirida, é a forma mais comum desse tipo de doença, embora ainda seja rara. Já as Síndromes Miastênicas Congênitas são distúrbios genéticos, e cerca de 10 vezes mais raros que a Miastenia Gravis autoimune. Também mais raro que a primeira, há a Síndrome Miastênica de Lambert-Eaton, doença também autoimune adquirida.
As Síndromes Miastênicas em geral se caracterizam por fraqueza flutuante e fatigável. Ou seja, a intensidade da fraqueza muda de acordo com vários fatores, sendo o principal o uso dos músculos acometidos. “A força piora com exercício e melhora com repouso. Infecções, estresse, temperaturas altas, variações hormonais e alguns medicamentos também podem influenciar na intensidade dos sintomas”, afirma o neurologista. De acordo com o médico, os músculos da movimentação dos olhos e os músculos para abrir os olhos são geralmente (mas não sempre) mais acometidos do que os outros.
Quanto mais precoce o diagnóstico, maior o controle da doença
O diagnóstico é feito por uma avaliação clínica detalhada, sendo que o primeiro passo é estabelecer se há um quadro clínico compatível. “Depois, é fundamental fazer o estudo de eletroneuromiografia, pois permite estudar justamente a junção neuromuscular. E então pode-se dizer se há ou não acometimento desta estrutura”, avalia. “É necessário também a pesquisa de autoanticorpos contra a junção neuromuscular, notadamente o anticorpo anti-receptor de acetilcolina. Quando este vem negativo, pode-se ser necessário testar também o anticorpo anti-MuSK”, detalha o especialista.
Nenhuma desta doenças tem cura, porém, o diagnóstico precoce permite o rápido e adequado tratamento, tornando possível a estabilização e controle da doença. “Entre 90 e 95% dos pacientes com Miastenia Gravis autoimune desfrutam de uma vida normal ou quase normal, mas para isso a maioria precisa estar sob tratamento adequado. Por isso a importância de conhecermos estas doenças e facilitar o diagnóstico certeiro.”
Retinoblastoma, um câncer infantil raro
Recentemente, o Brasil ficou sabendo de um caso raro de câncer infantil. O apresentador Tiago Leifert e a jornalista Diana Garbin revelaram que sua pequena filha de pouco mais de 1 ano tem retinoblastoma, um câncer raro que atinge crianças até 5 anos. Ele é responsável por 2% a 4% de todos os casos de câncer em crianças no mundo, anualmente. Trata-se de uma doença genética que pode ser hereditária. O tumor se aloja na retina, podendo trazer consequências graves como perda da visão, e pode até levar à morte, se não houver o diagnóstico precoce.
Para identificar qualquer intercorrência na visão há exames muito importantes que devem ser feitos, a começar pelo teste do olho vermelho, o chamado teste do olhinho, realizado no bebê logo após o nascimento. Mas como a doença pode se manifestar até os cinco anos de idade, é muito importante que as crianças façam exames oftalmológicos ao menos uma vez por ano para conferir se está tudo bem com a sua visão.
Como o diagnóstico precoce é o melhor caminho, quanto mais cedo o tumor for descoberto, mais leve será o tratamento e maiores serão as chances de cura. Dependendo do grau de avanço da doença, é possível tratá-la com laser ou métodos já conhecidos para o câncer como quimioterapia e radioterapia.
Mais conhecimento sobre as doenças raras
Os pesquisadores da Mayo Clinic estão trabalhando para acelerar o diagnóstico de doenças raras e renovar as esperanças de pacientes cujos sintomas permanecem sem explicação, às vezes por anos ou até décadas. A equipe de especialistas em genômica desenvolveu um sistema automatizado chamado Renew para acompanhar novos conhecimentos científicos de variantes genéticas patogênicas em todo o mundo e aplicá-los aos pacientes com doenças raras e não diagnosticadas.
Renew é a sigla em inglês para “reanalysis of negative whole-exome/genome data” (que é traduzida como “reanálise de dados negativos de genoma/exoma completo”). “Estamos vendo um enorme crescimento do conhecimento sobre o que causa uma doença genética, então queríamos criar um sistema para acompanhar constantemente essas descobertas”, diz Eric Klee, Ph.D., cientista de bioinformática da Mayo Clinic no Centro de Medicina Individualizada.
O lançamento do RENEW acontece em um momento crucial no qual os avanços das tecnologias de sequenciamento genético e das ferramentas de bioinformática levam a um maior entendimento da conexão entre genes e doenças. Somente no ano passado, pesquisadores da Mayo Clinic e de todo o mundo documentaram quase o dobro de variantes de doenças genéticas recém-descobertas, em comparação com cinco anos atrás. Em apenas três meses, aproximadamente 8.400 novas variantes genéticas foram descritas em apenas um único banco de dados público e informações de mais de 260.000 variantes já conhecidas foram atualizadas.
A Mayo Clinic investigou aproximadamente 700 casos de doenças raras em 2021, oferecendo um diagnóstico conclusivo a cerca de um terço desses pacientes, incluindo 14 pacientes com associações entre gene e doença recém-descobertas. “Com a continuidade do aumento do entendimento científico, a minha esperança é que ao reavaliar os dados periodicamente, possamos ajudar mais pessoas a encontrar respostas”, diz o Dr. Klee. “Estamos comprometidos a continuar explorando e implementando novas abordagens para beneficiar nossos pacientes.”
Como funciona o Renew
Dr. Klee diz que com o RENEW, as descobertas mais recentes sobre doenças genéticas realizadas em todo o mundo são baixadas automaticamente a cada três meses de um centro de descobertas publicadas, incluindo o Human Gene Mutation Database, o ClinVar e o Online Mendelian Inheritance in Man. As novas descobertas são então comparadas com o banco de dados de resultados de sequenciamento dos pacientes da Mayo para identificar possíveis desenvolvimentos importantes.
“Podemos identificar todas as diferenças em minutos e aplicá-las aos dados dos pacientes para verificar se algum deles possui alguma dessas novas descobertas”, diz o Dr. Klee. Um dos principais recursos do RENEW é um conjunto de filtros especiais que restringe as informações genéticas disponíveis desde a última análise e se concentra no que poderia causar a doença.
Alejandro Ferrer, Ph.D., codesenvolvedor do RENEW, usa as informações importantes que permitem que o sistema personalize os filtros de acordo com as características específicas de cada paciente.O Dr. Ferrer é um pesquisador de ômica translacional da Divisão de Hematologia e do Centro de Medicina Individualizada da Mayo Clinic.
“O filtro permite que apareçam apenas as informações relevantes, então novos genes e variantes que foram adicionados ao banco de dados são sinalizados, bem como alterações importantes nas informações sobre genes e variantes causadores de doenças já conhecidos”, explica do Dr. Ferrer. “Não começamos um caso do zero. Estamos progredindo do que foi analisado sobre o caso desde a última vez e nos concentramos apenas no que é novidade.”
O Dr. Ferrer diz que a vantagem mais óbvia dessa abordagem é a grande economia de tempo e esforço. “Geralmente, a reavaliação de um caso por médicos e pesquisadores leva horas ou dias para separar os artigos publicados que descrevem novas conexões entre genes de doenças e analisar os dados complexos dos pacientes para procurar pistas”, diz o Dr. Ferrer.
Os pesquisadores salientam que o RENEW não substitui o processo manual, mas sim o potencializa. Até o momento, eles dizem que os resultados são animadores. “A solução de um caso nem sempre inclui uma opção terapêutica viável, mas oferecer aos pacientes uma resposta sobre qual é a causa a doença deles é o primeiro passo mais importante em direção à descoberta de um tratamento”, diz o Dr. Klee.
Novidades para tratamento de doença rara
As doenças raras são alvo de estudo por muitos laboratórios e empresas farmacêuticas. Devido a pluralidade de enfermidades, estes estudos requerem tempo e dinheiro, o que acaba dificultando em muitos casos. “Porém, é um mercado que tem crescido e, felizmente, a cada dia surgem iniciativas de tratamento para os casos raros”, conta Thiago Moreschi, sócio-diretor da Vuelo Pharma.
A pesquisa e desenvolvimento de produtos específicos para os casos raros, ou com pouca iminência na população, tem o objetivo de trazer conforto e mais qualidade de vida a estes pacientes. É o caso da Membracel, um curativo à base de celulose desenvolvido no Brasil, direcionado para lesões na pele difíceis de tratar.
“A tecnologia da Membracel é uma solução para quem tem Epidermólise Bolhosa, classificada como doença rara. A pele destes indivíduos apresenta bolhas e feridas abertas que acontecem devido ao mínimo atrito e o curativo consegue diminuir a dor, regenerar a pele em tempo recorde e, ainda, não precisa de trocas frequentes”, afirma Moreschi.
Panorama de doenças raras
- Há cerca de 7 mil doenças raras descritas no mundo, sendo 80% de origem genética e 20% de causas infecciosas, virais ou degenerativas;
- Estimam-se 5 casos para cada 10 mil pessoas;
- 13 milhões de brasileiros vivem com essas enfermidades;
- para 95% não há tratamento, restando somente os cuidados paliativos e serviços de reabilitação;
- Para chegar ao diagnóstico, um paciente tende a consultar até 10 médicos diferentes;
- 2% das doenças raras têm tratamento com medicamentos órfãos (remédios que, por razões econômicas, precisam de incentivo para serem desenvolvidos), capazes de interferir na progressão da doença.
Fonte: Ministério da Saúde e Assessorias