Pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), durante a pandemia, apontou que uma em cada quatro crianças e adolescentes passaram a sofrer de depressão e ansiedade. Conforme a Fiocruz, estima-se que 2% das crianças e 5% dos adolescentes no mundo todo sofram com depressão. Um estudo realizado pela Unicamp que mostrou que 17% dos brasileiros, em algum momento, pensaram seriamente em dar um fim à própria vida e, que 32 pessoas tiram suas vidas todos os dias.
“Existem debates entre profissionais de saúde mental sobre quais seriam os sintomas que poderiam levar as crianças a uma tendência ao suicídio. E a atenção à depressão infantil, inclusive na escola, se tornou essencial”, destaca a coordenadora pedagógica da Mind Lab, Miriam Sales.
Pesquisadora sobre a importância das neurociências para o fazer docente, ela acredita que a primeira medida preventiva é a educação. “Conhecendo os sintomas da depressão, um educador atento pode perceber os primeiros sinais de que algo está acontecendo com a criança ou o jovem”, afirma a pedagoga.
Sintomas diferentes de adultos podem dificultar diagnóstico
Parte dos especialistas defende que os sintomas infantis são os mesmos da depressão verificada em pessoas adultas, como humor deprimido na maior parte do dia, desinteresse nas atividades diárias, alteração de sono e apetite, dificuldade de se concentrar e até alternação na atividade motora.
No entanto, alguns estudiosos acreditam que no caso de crianças e jovens, há sintomas diferenciados, o que torna o diagnóstico mais desafiador. Esses sintomas seriam facilmente confundidos com malcriação, pirraça, birra, mau-humor, tristeza e agressividade. Esse ramo acredita que a lista de sintomas a seguir seria mais adequada para ser observada por profissionais em sala de aula.
A ideia de suicídio ou pensamento de tragédias e mortes estão na lista, mas podem ser mais difícil de ser acessada. Assim como sentimentos de desesperança e baixa autoestima e sentimento de inferioridade. Diferente da falta de apetite, prazer em executas atividades, apatia, agressividade, pessimismo, alterações no sono, cansaço, apatia e queixa de dores.
Caminhos da prevenção e identificação dos sintomas na rotina escolar
Formada em pedagogia, com ênfase em treinamento e desenvolvimento, e pós-graduada em docência e performance na educação a distância e estudante, Miriam Sales atua na formação de equipes de atendimento da Mind Lab, conduzindo o trabalho com mais de 40 mil professores da rede pública em todo o Brasil.
Para facilitar o processo de identificação da depressão entre os alunos e alimentar o diálogo em um ambiente em que crianças e adolescentes passam boa parte do seu tempo (a escola), a especialista destaca três frentes:
Diferenciar depressão de tristeza
Muitos dos sintomas listados acima podem ser facilmente confundidos com a tristeza natural do dia a dia de uma criança. Como estabelecer essa diferença, então? Segundo os especialistas, a principal diferença está na intensidade dos sintomas, na persistência por longos períodos e nas mudanças que operam em hábitos normais da vida da criança. Assim, quando os pais ou responsáveis percebem a ocorrência desses sintomas de forma recorrente, devem procurar uma avaliação médica para diagnóstico.
Destacar o papel do professor
O professor não é um profissional de saúde e não tem o conhecimento necessário para diagnosticar casos de depressão entre crianças e jovens. Entretanto, na sala de aula, ocupa uma posição privilegiada para notar mudanças no desempenho, no comportamento e no humor de seus alunos e alunas. Conhecendo os sintomas listados acima, um educador atento pode perceber os primeiros sinais de que algo está acontecendo com a criança ou o jovem.
“O seu papel, nesse caso, é disparar o alarme, chamando os familiares para conversar sobre as alterações percebidas e tentando entender se os pais ou responsáveis também observaram mudanças recentes. Muitas vezes eles já estão atentos e até conseguem apontar causas para essas mudanças”, destaca Miriam.
Incluir a educação socioemocional
O desenvolvimento dessas habilidades atua como prevenção à depressão entre crianças e jovens. Ao desenvolver competências como persistência, foco, entusiasmo, confiança, autoconfiança e ampliar a tolerância ao estresse, a educação socioemocional ajuda a fortalecer a saúde mental dos jovens e crianças. Por isso, com essas competências bem desenvolvidas, elas ampliam a sensação de bem-estar, satisfação e felicidade consigo mesmas.
Se os sintomas persistirem, é indicado que a família procure ajuda especializada com profissionais de saúde e mantenha o professor avisado sobre os desdobramentos e possíveis diagnósticos. “A parceria entre família e escola é fundamental para ajudar a criança ou adolescente a superar uma situação de depressão”, ressalta a profissional.
Palavra de Especialista
Dicas para prevenir que crianças tenham pensamentos suicidas quando adolescentes ou adultos
Por Helen Mavichian*
A depressão infantil é um quadro clínico cada vez mais comum em todo o mundo, que pode desencadear pensamentos suicidas na adolescência ou na vida adulta. Assim como os adultos, as crianças enfrentam adversidades e podem apresentar sinais de dificuldade emocionais. Diferentemente do que muitos podem pensar, o transtorno mental infantil é mais comum do que se imagina.
Isso porque, de acordo com a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), metade dos transtornos mentais são desenvolvidos antes dos 15 anos. Sintomas como tristeza, ansiedade, mudanças no humor e no comportamento, na alimentação, isolamento social, perda de interesse em atividades que geram prazer e baixa autoestima podem ser indicativos e sinais de que algo não vai muito bem.
Em busca de tentar prevenir que crianças com depressão ou sinais de transtornos venham se tornar adolescentes ou até adultos com ideações suicidas e casos graves da doença, é necessário uma abordagem cuidadosa, abrangente e cautelosa.
Primeiramente, a detecção precoce desses sinais de alerta é fundamental. Para observar os sintomas, os pais, cuidadores e professores devem aprender e educar a respeito dos sinais de depressão em crianças, criando um ambiente seguro, acolhedor e confiável para que os pequenos possam se expressar e falar sobre seus sentimentos, angústias e medos.
É relevante educar e conscientizar esses aspectos na disseminação de informações valiosas a respeito das questões relacionadas à saúde mental – e não apenas durante a campanha Setembro Amarelo. Assim as crianças terão acesso diariamente a conhecimento sobre essa temática e estarão cada vez mais cientes e receptivas a receber apoio, sempre que for necessário.
Outra coisa essencial é lembrar que a saúde mental precisa ser promovida através de todas as figuras de autoridade existentes na vida de uma criança e não somente os pais. Professores e educadores também são responsáveis por propagar essas informações por meio de atividades, leituras e brincadeiras.
É essencial que todas as pessoas adultas que convivem com as crianças na fase escolar as incentivem a falar sobre suas preocupações e expressar seus sentimentos, mantendo um diálogo recorrente sobre a saúde mental infantil na escola e um olhar atento para possíveis questões que possam estar assolando a vida dos pequenos.
O caminho é praticar e promover atividades que possam trabalhar com esse tema, através de passeios, desenhos, filmes, gincanas e trabalhos a respeito das emoções. Ao discutir sobre sentimentos, medos e comportamentos, vale sempre validar aquilo que eles sentem e tentar trazer direcionamentos. Essa é uma tarefa extremamente necessária e que sempre deve ser colocada em prática, seja em casa ou na escola.
Além de identificar sintomas de depressão, cabe entender o que levou a criança a desenvolvê-la e prover ferramentas para que saibam lidar melhor com os problemas e, quando necessário, recorrer ao suporte especializado de psicólogos e profissionais da área da saúde.
Oferecer alternativas para sair dessa situação é essencial para que uma criança cresça e se torne um futuro adolescente e adulto saudável emocionalmente. Por essa razão, é que as crianças devem estar constantemente acompanhadas por um responsável que possa observar seus comportamentos, conversas e emoções.
É preciso lembrar que as crianças de hoje são os adultos de amanhã. Uma criança com apoio, acompanhamento, informação e auxílio, com certeza tem maiores possibilidades de se tornar uma adulta mais segura, madura emocionalmente e com menores possibilidades de traumas e transtornos emocionais maiores.
- * Psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É graduada em Psicologia, com especialização em Psicopedagogia. Pesquisadora do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui experiência na área de Psicologia, com ênfase em neuropsicologia e avaliação de leitura e escrita. Mais informações em https://helenpsicologa.com.br/