De drones a peixe barrigudinho: vale tudo para combater mosquito

Ministra da Saúde anuncia expansão do método Wolbachia no país. Conheça esta e outras tecnologias para combater o Aedes aegypti

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Vale tudo na corrida para eliminar um inimigo quase invisível que tem tirado o sono de muita gente – e colocado em estado de alerta autoridades em saúde pública. Há décadas, novas tecnologias vêm sendo criadas ou implementadas no Brasil para combater o mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela, principalmente durante o período de verão, quando as chuvas favorecem a sua proliferação.

Uma das mais conhecidas é o método Wolbachia, que consiste na liberação de mosquitos Aedes aegypti juntamente com a bactéria Wolbachia, que impede que o vírus causador dessas arboviroses se desenvolva. Nesta segunda-feira (5), no Rio de Janeiro, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que o governo federal está trabalhando em um plano para ampliar os locais de soltura de mosquitos Aedes aegypti infectados com a bactéria Wolbachia.

Não foram ainda apresentados detalhes sobre o plano que está sendo discutido no Ministério da Saúde. Mas outras técnicas como o uso de peixes barrigudinhos e até de drones vêm sendo testadas ou usadas para ajudar nessa empreitada que há décadas desafia a ciência. Entenda cada uma delas:

Método Wolbachia: Niterói é a primeira cidade do país protegida 100%

A bactéria Wolbachia está presente em 60% dos insetos, mas não pode ser encontrada naturalmente nos Aedes aegypti. A partir dessa descoberta, pesquisadores desenvolveram o Método Wolbachia, que consiste na liberação de mosquitos Aedes aegypti, juntamente com a bactéria Wolbachia.

Uma vez inserida artificialmente em ovos de Aedes aegypti, a capacidade de o Aedes transmitir o vírus da zika, chikungunya e febre amarela fica reduzida. Com a liberação de mosquitos com a Wolbachia, a tendência é que esses mosquitos se tornem predominantes e diminua o número de casos associado a essas doenças.

Em 2023, Niterói se tornou a primeira cidade brasileira com 100% do território coberto pelo método Wolbachia. No Brasil, ele é conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com financiamento do Ministério da Saúde, em parceria com os governos locais.

Segundo os dados da Secretaria Municipal de Saúde, em 2015, ano da implantação do projeto, foram confirmados 158 casos de dengue em Niterói. Em 2016, foram 71 e no ano seguinte, 87. Já em 2018, foram 224 pacientes confirmados com a doença – a maior parte na Região Norte da cidade, onde o programa ainda não havia sido implantado.

O número caiu no ano seguinte, quando foram registrados 61 casos. A partir de 2020, os números caíram a cada ano: 85 (2021) e 12 (2022). Em 2023, foram confirmados 55 casos de dengue na cidade.

Em 2024, até o momento, Niterói registra 3 casos confirmados de dengue. De acordo com a Prefeitura, o município se encontra em estágio de atenção em relação à dengue, enquanto o município do Rio aparece em vermelho, com atividade aumentada e incidência de 3,9 mil casos por 100 mil habitantes. A taxa de Niterói é de 0,8 por 100 mil habitantes.

Em 2021, dados revelaram a eficácia da proteção garantida pela Wolbachia em Niterói. Os números apontam a redução de cerca de 70% dos casos de dengue, 60% de chikungunya e 40% de zika nas áreas onde houve a intervenção entomológica. Naquele período, 75 % do território estava coberto.

Os resultados positivos nos estudos em laboratórios e projetos-piloto fizeram com que a equipe do programa World Mosquito Program (WMP) levasse o projeto aos municípios de Petrolina (PE) e Campo Grande (MS), além da realização de um estudo clínico randomizado no município de Belo Horizonte (MG).

Uso de drones para erradicar o mosquito causador da dengue

Uma tecnologia voltada inicialmente à aplicação de biodefensivos para o controle biológico de pragas agrícolas poderá ser usada no ambiente urbano para ajudar a frear a proliferação de mosquitos transmissores de vírus causadores de doenças, como o Aedes aegypti.

Desenvolvida pela empresa Birdview, situada em São Manuel, no interior paulista, em colaboração com a Embrapa Instrumentação, a solução despertou o interesse de empresas produtoras de mosquitos estéreis no Brasil para ajudar na erradicação de doenças causadas pelo mosquito. O projeto teve apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE).

“Ao participar da última edição do Programa de Treinamento em Empreendedorismo de Alta Tecnologia [PIPE Empreendedor] identificamos algumas empresas produtoras de estéreis interessadas em firmar parceria conosco para fazer a soltura do inseto em áreas urbanas”, conta Ricardo Machado, cofundador da startup.

A tecnologia desenvolvida pela empresa no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP consiste em um sistema modular de liberação e embalagem, integrado a drones, que efetua a soltura controlada de insetos adultos em regiões demarcadas, minimizando danos e estresses induzidos.

No campo, a tecnologia permite liberar, sobre as lavouras, insetos para combater pragas agrícolas que são seus inimigos naturais. Já em áreas urbanas, a solução poderá ser empregada para soltar machos e estéreis para se acasalar com mosquitos fêmeas – que picam e transmitem vírus causadores de doenças e copulam uma vez na vida. Dessa forma, é possível diminuir a população do inseto, estimam especialistas.

Em oito anos de atuação, a empresa já realizou mais de 15 mil voos para a liberação de biodefensivos, em mais de 1 milhão de hectares. Entre seus clientes estão as usinas São Martinho, São Manuel e a Suzano.

O projeto de liberação de mosquitos ainda é experimental e a empresa tenta fechar parceria com criadores de insetos estéreis, que arcariam com os custos do serviço. Os valores e o tempo necessário para a intervenção surtir efeito estão sendo avaliados. “A solução também pode ser utilizada para lançar sementes visando a restauração de florestas”, afirma Machado.

Criação de peixes barrigudinhos ajuda no controle biológico

O pesquisador Luiz Carlos Guilherme, da Embrapa Cocais, desenvolveu solução simples e com resultados positivos na diminuição ou eliminação do mosquito Aedes aegypti (Foto: Divulgação Embrapa)

Uma  solução simples e com resultados positivos na diminuição ou eliminação do mosquito Aedes aegypti, responsável pela proliferação dessas principais doenças da estação mais quente do ano. Foi o que o pesquisador Luiz Carlos Guilherme, da Embrapa Cocais, desenvolveu em 2001, durante curso doutorado em Genética e Bioquímica pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU, quando coordenou pesquisa para evitar que aquários e tanques se tornassem possíveis criadouros de mosquitos transmissores de doenças.

Foi comprovada a eficácia dos lebistes – peixes larvófagos predadores de larvas dos mosquitos conhecidos popularmente como barrigudinho ou guppy – no controle biológico do Aedes aegypti. As larvas se mostraram alimento de alta qualidade para os peixes. A descoberta permitiu a diminuição do uso de larvicida com a introdução do peixe em locais onde o larvicida não era eficaz ou havia alta incidência do mosquito.

“A medida também tem impactos socioeconômicos e ambientais, uma vez que o controle químico é mais oneroso e tem efeito cumulativo e mutagênico nos organismos vivos, pessoas e biodiversidade”, completa o pesquisador, citando o Trabalho de Conclusão de Curso desenvolvido anos mais tarde por uma aluna da Universidade Estadual do PIauí – UESPI, orientada pela professora Alessandra Ribeiro Torres.

Projeto Dengoso implementado há mais de 20 anos

Com o sucesso do uso do barrigudinho, em 2002 foi iniciado, em Uberlândia, o Projeto Dengoso, ação de saúde pública e cidadania em parceria com o Centro de Controle de Zoonoses – CCZ para realizar o controle biológico das doenças transmitidas pelo Aedes aegyti e outros mosquitos patógenos.

O Projeto Dengoso consiste no controle biológico de larvas de mosquitos em diferentes reservatórios de água. O controle biológico com o uso de predadores naturais é uma alternativa que pode ser utilizada sem grandes custos e pouca mão de obra. O uso de peixes é eficiente no controle dos mosquitos, principalmente nas fases de vida aquática do inseto, substituindo, em alguns casos, o uso do inseticida.

O resultado é a promoção da saúde e o combate a vetores do vírus da Dengue, Zika, Chikugunya e Febre amarela e impacta positivamente comunidades inteiras, principalmente bairros com grandes áreas alagáveis. Após o povoamento com o peixe, os agentes de endemias observam, especialmente num raio de aproximadamente 100 metros, menor incidência de mosquitos e notadamente a diminuição nos casos das doenças.

Com a mudança do pesquisador para a Parnaíba – PI, a tecnologia também foi disponibilizada para o CCZ da cidade em 2010. Outros municípios, como Campo Maior – PI e Tobias Barreto – SE adotaram depois o Projeto Dengoso para reduzir o número de focos de dengue.

Eficácia comprovada por pesquisas

No Piauí, é desenvolvido na Universidade Estadual do Piauí (UESPI) – Campus Alexandre Alves de Oliveira, onde os peixes são reproduzidos e mantidos em tanques. Após isso, estes peixes são distribuídos em locais onde o veneno não é eficaz, a exemplo das lagoas de tratamento e estabilização de efluentes de algumas indústrias, em recipientes de grande porte – como bebedouros de animais – piscinas desativadas, cascatas e outros ambientes semelhantes.

A iniciativa tem a colaboração do Centro de Controle de Zoonoses e Endemia – CCZ de Parnaíba e Embrapa Cocais, garantindo uma abordagem conjunta e coordenada, e incluem ações educativas interativas, como realização de peças de teatros em escolas públicas e privadas do Ensino Fundamental e Médio para conscientizar discentes e docentes da importância do combate aos vírus transmissores de doenças e ainda estratégias de ensino para levar informações de forma lúdica a estudantes de escolas públicas, para que possam ser agentes de intervenção nas comunidades onde vivem.

“É uma abordagem inovadora e sustentável no controle de larvas de mosquitos. O uso de barrigudinhos como método biológico tem se mostrado eficaz no controle de larvas de mosquitos em locais propensos a alagamentos, onde a ação do larvicida pode apresentar limitações e na significativa redução na incidência de mosquitos, abrangendo não apenas o Aedes aegypti, transmissor de doenças como Dengue, Zika e Chikungunya, mas também outros mosquitos, comumente chamados de “muriçocas”.

O projeto utiliza barrigudinhos coletados localmente, evitando a introdução de peixes de outras bacias e mantendo a biodiversidade local. O pesquisador Luiz Guilherme, da Embrapa Cocais, orienta a reprodução e manutenção dos barrigudinhos nos tanques da UESPI e CCZ, assegurando um suprimento constante de peixes para a continuidade do projeto.

“Nas escolas onde as ações educativas foram implementadas, há relatos positivos de adoção de práticas de prevenção pela comunidade escolar”, relata Alessandra Torres, professora da UESPI que coordena a ação no Piauí em conjunto com a equipe acadêmica da área de Ciências Biológicas.

Em Minas Gerais, o Projeto Dengoso é uma prática constante no programa de controle do Aedes. O projeto consiste na introdução do peixe barrigudinho em reservatórios de água, como piscinas abandonadas ou não cloradas, tanques, caixas d’água, tanques de decantação e áreas com água de baixa oxigenação.

“A resistência desses peixes é notável. Em Uberlândia, aproximadamente 592 locais são constantemente monitorados, onde os lebistes são implantados. Além disso, quando necessário, retiramos esses peixes desses locais bem-adaptados e altamente reprodutivos para colocá-los em uma plataforma na Unidade de Vigilância em Zoonoses do município. Isso permite a redistribuição para outros criadouros que possam surgir posteriormente.

Segundo Ana Paula Quirino, chefe da CCZ, o Projeto Dengoso – uma tecnologia premiada pela Fundação Banco do Brasil – se tornou instrumento valioso no controle vetorial, pois onde os peixes são implantados, a presença de focos do mosquito é significativamente reduzida. “Esse êxito proporciona mais tempo para a inspeção de outros imóveis que necessitam de controle, fortalecendo assim as medidas de prevenção contra o Aedes aegypti”, detalha.

Com Assessorias e Agência Fapesp

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