Em meio às celebrações do Dia das Mães, uma realidade sensível e, muitas vezes, silenciosa ainda permanece à margem do debate público: a das mães atípicas — mulheres que vivenciam o cuidado diário com filhos neurodivergentes, como crianças com autismo, TDAH e outras condições do desenvolvimento. Embora centrais na estrutura familiar, essas mães enfrentam rotinas de sobrecarga emocional, pouca escuta institucional e escassa visibilidade.

Para o professor Nilson Sampaio, especialista em inclusão e formação de educadores, é urgente que essas vivências estejam no centro das pautas sobre educação, saúde e assistência.

A maternidade atípica envolve dedicação, amor e resiliência, mas também exige uma rede de apoio que muitas vezes não existe. A inclusão plena começa quando reconhecemos quem está ao lado da criança todos os dias — e nos comprometemos a acolher também essa mãe”, afirma.

O tema ganha ainda mais relevância ao se considerar que, em muitos casos, essas mães abandonam suas carreiras, enfrentam rupturas afetivas e precisam lidar com julgamentos sociais, além da ausência de acolhimento do Estado.

O que está em jogo não é apenas a inclusão da criança na escola ou no mercado, mas o bem-estar de toda uma estrutura familiar que sustenta esse cuidado. Quando falamos em acolhimento real, falamos de empatia aplicada, suporte público e políticas de presença”, afirma Sampaio.

O primeiro desafio: compreender o autismo

As mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) enfrentam desafios diários que vão além do cuidado físico. Além das dificuldades práticas, as incertezas sobre o comportamento dos filhos e a falta de conhecimento inicial geram uma sobrecarga emocional significativa.
As dúvidas são parte dessa sobrecarga e a informação é a chave para trazer mais tranquilidade para essas mães. Muitas mães começam a enfrentar a sobrecarga emocional já no processo de tentar entender o que se passa com seus filhos.
O desconhecimento sobre o autismo gera ansiedade e frustração, e as dúvidas frequentes sobre o comportamento da criança são parte desse fardo. Essas mães frequentemente não sabem como interpretar os sinais de seus filhos e isso aumenta a pressão,” explica a  neuropsicóloga Bárbara Calmeto, diretora do Autonomia Instituto.
Questões como a dificuldade em manter contato visual ou a sensibilidade a estímulos externos são comuns, mas muitas mães não compreendem que esses comportamentos podem fazer parte do espectro autista. “Crianças no espectro podem ter dificuldades em manter o contato visual. Não é uma falta de interesse, mas um desconforto gerado por uma resposta cerebral distinta,” diz Calmeto.
Da mesma forma, ambientes festivos com luzes e sons podem ser excessivamente estimulantes para crianças autistas, e a reação de evitar esses locais também se torna uma fonte de preocupação. “A sensibilidade sensorial é algo muito presente, e a criança pode se sentir sobrecarregada em ambientes com muitos estímulos, o que acaba gerando também uma sobrecarga para as mães que não sabem como lidar com isso,” reforça.
A falta de entendimento sobre essas características cria um ciclo de dúvidas, que impacta o emocional das mães. Nesse sentido, a informação sobre o autismo — tanto em casa quanto em ambientes como a escola — torna-se fundamental para aliviar essa carga.
Informar-se sobre o comportamento do filho é o primeiro passo para o alívio emocional. Quando as mães entendem os processos, conseguem desenvolver estratégias e ferramentas para lidar com as situações de forma mais tranquila,” destaca Calmeto.

O caminho para esse acolhimento

Sampaio reforça que o caminho para esse acolhimento passa por ações práticas e estruturais: formação continuada para professores, ambientes escolares com escuta ativa, políticas de flexibilização no trabalho e redes comunitárias de apoio psicológico e emocional.

A escola, por exemplo, precisa se comprometer com uma escuta sensível não apenas à criança, mas à mãe. Um ambiente que acolhe a família como um todo potencializa o desenvolvimento, a permanência e a autoestima”, pontua o professor.

Além do papel das escolas, o especialista aponta a importância de ampliar o olhar da sociedade para as múltiplas jornadas que essas mães enfrentam, muitas vezes sozinhas. Com rotinas atravessadas por consultas, terapias, deslocamentos e sobrecarga doméstica, a falta de rede de apoio amplia o sentimento de solidão, culpa e exaustão — e impacta diretamente a saúde mental dessas mulheres.

Em um cenário ainda marcado pela invisibilidade, é fundamental olhar com responsabilidade e sensibilidade para as mães atípicas — mulheres que sustentam, com afeto e exaustão, o cuidado cotidiano de filhos neurodivergentes. Reconhecer essas trajetórias é parte do compromisso com uma inclusão real, que não se limita ao indivíduo, mas se estende a quem cuida, apoia e caminha junto. Cuidar de quem cuida é reconhecer que nenhuma transformação acontece sozinha.

Sobrecarga emocional

O acúmulo de dúvidas, somado à falta de suporte adequado, gera uma carga emocional imensa para as mães. “Elas precisam lidar com os cuidados do dia a dia, buscar tratamentos, batalhar pela inclusão dos filhos, e ainda administrar suas próprias emoções. Isso pode levar à síndrome de burnout parental, um estado de esgotamento físico e mental que é extremamente comum entre as mães atípicas,” afirma Calmeto.
O autocuidado, por mais difícil que pareça, é essencial nesse contexto. “Muitas vezes, essas mães colocam as necessidades dos filhos acima das suas, mas elas também precisam de suporte para conseguir continuar oferecendo o melhor para a criança,” ressalta.
Além do acompanhamento psicológico, é fundamental que essas mães tenham acesso a redes de apoio. “Trocar experiências com outras mães que vivenciam os mesmos desafios traz acolhimento e alívio. Os grupos de apoio são um espaço seguro onde elas podem compartilhar suas angústias e encontrar força para seguir em frente,” explica Calmeto.
A neuropsicóloga ainda destaca a importância de um ambiente educacional e social bem informado, que possa contribuir para o desenvolvimento da criança e também para o bem-estar das mães. “Uma escola inclusiva e uma rede de suporte bem estruturada trazem não só benefícios diretos para a criança, mas também ajudam a aliviar a pressão sobre as mães,” conclui.

Com Assessorias

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