Também conhecido como dispositivo de assistência ventricular (VAD), o coração artificial é um aparelho mecânico implantado temporariamente para auxiliar a função do coração enquanto o paciente aguarda um transplante cardíaco. “Tem a mesma função do ‘coração normal’: de bombear o sangue, para todo o corpo humano e com a máquina acoplada ao coração doente, o paciente possa esperar o transplante cardíaco com mais qualidade de vida”, explica a cardiologista.
Leia mais
Caso Faustão: entenda como funciona a fila do SUS para transplantes
Espera por transplante de coração pode levar até um ano e meio
Crianças também precisam de transplante do coração
Entrevista – Juliana Giorgi – cardiologista:
– Como funciona o coração artificial?
O coração artificial é um dispositivo mecânico que é acoplado na ponta do coração do paciente e faz a função de bomba circulatória, restabelecendo o fluxo de sangue para todos os demais órgãos.
– Em quais casos ele é indicado?
É indicado para pacientes com insuficiência cardíaca avançada, quando o coração está muito fraco e não consegue bombear sangue para os demais órgãos de maneira eficaz. São as mesmas indicações para o transplante de coração.
As causas para que o coração fique tão fraco a ponto de precisar ser substituído por um outro coração ou ser acoplado ao dispositivo mecânico são diversas, sendo a mais comum causada pela sequela de infarto agudo do miocárdio. Outras são o uso abusivo de anabolizantes, patologias congênitas, doenças de depósito no músculo e autoimunes como na cardiomiopatia periparto.
– Os planos de saúde cobrem o valor do dispositivo caso o paciente precise?
Os planos de saúde cobrem o custo do dispositivo mecânico quando comprovado a sua indicação precisa. No Brasil alguns pacientes já foram beneficiados com essa tecnologia através da saúde privada como também através do Sistema Único de Saúde pelos programas de Prodi/SUS.
– Quais os benefícios do coração artificial e no que o dispositivo melhora a qualidade de vida do paciente?
O dispositivo mecânico (coração artificial) pode ser indicado de maneira temporária enquanto o paciente aguarda a disponibilidade do coração com compatibilidade através da fila de transplantes (modo ponte para transplante) ou de maneira definitiva (modo destino) quando pode viver por anos com a máquina sem ser transplantado. A decisão para o modo do implante como ponte ou destino é uma decisão compartilhada entre as indicações técnicas do médico e a opinião pessoal do paciente.
Quando o coração artificial é implantado e passando o período de pós-operatório imediato de uma cirurgia de alta complexidade o paciente apresenta melhora significativa e normalização da função do coração. Isso é traduzido pela perfusão adequada de sangue em todos os órgãos. O paciente ganha saúde e qualidade de vida. Outro benefício é poder estar fora do hospital enquanto aguardo o novo coração de doador.
– Mesmo com o coração artificial é necessário que o paciente fique no hospital?
Após o implante o paciente pode ter alta do hospital e viver uma vida agradável, inclusive voltar a trabalhar e praticar esportes. Caso o paciente esteja no modo de ponte para transplante (aguardando o transplante) ele é mantido em prioridade na fila, não perde sua posição na fila única do SUS, mesmo que tenha recebido o coração artificial pelas operadoras de saúde.
Nesta situação ele pode esperar o transplante em melhor condição de saúde. Isso é visto com bons olhos pelos médicos cirurgiões, pois o paciente vai para o transplante com todos os órgãos em melhor funcionamento facilitando o entra e pós-operatório.
– Quais as chances de sobrevida de um paciente em estado grave com o coração artificial?
O coração artificial mais moderno e mais utilizado no mundo todo, o HeartMate III, possui sete anos no mercado e a sobrevida é elevada, pois esse dispositivo reduziu de maneira significativa os eventos adversos. É importante o entendimento que a doença insuficiência cardíaca avançada possui uma alta mortalidade, cerca de 50% dos pacientes morrem no primeiro ano do diagnóstico.
Nos Estados Unidos, foi publicado em 2022 um artigo importante, chamado Momentum 3 que demonstrou em 69 centro de saúde americanos o implante em 289 pacientes com sobrevida de 58,4% em 5 anos sem qualquer evento adverso e uma boa qualidade de vida. Isso é um grande avanço para a cardiologia mundial.
Como evolui a tecnologia dos corações artificiais
Corações artificiais existem há mais de 80 anos. O primeiro foi implantado em 1937 em um cão pelo médico Vladimir P. Demikhov. Mas apenas em em 1980 foi liberado implementar coração artificial em humanos, devido à importância vital do coração para todo o organismo e as inúmeras complicações que poderiam surgir a longo prazo. Até hoje eles são dispositivos que servem principalmente como uma solução temporária para quem está na fila de um transplante de coração.
Em 2021, uma startup francesa chamada Carmat anunciou a criação do “coração artificial mais avançado do mundo” e anunciou os planos para começar a vender o dispositivo na Europa, onde apenas a empresa SynCardia tinha aprovação de órgãos regulatórios para um dispositivo como este. Ele pesa 900 gramas (três vezes mais do que um coração humano) e é alimentado por baterias de íon de lítio para fornecer quatro horas de mobilidade. Segundo a Smithsonian Magazine, a ideia é que o coração da Carmat funcione por até cinco anos, permitindo que a pessoa viva uma vida normal.
Desenvolvido pela Carmat ao longo de 28 anos, o dispositivo é totalmente implantável e pode ser usado em casos de insuficiência cardíaca terminal. Ele tem sensores incorporados e sistema hidráulico para imitar o fluxo sanguíneo, assim como tecidos animais quimicamente tratados para reduzir a probabilidade de formação de coágulos. Ao contrário de outros corações artificiais, ele consegue ajustar o fluxo sanguíneo em tempo real dependendo da demanda (acelerando em um exercício, por exemplo).
Na Europa Ocidental, há ao menos 2 mil pacientes com insuficiência cardíaca biventricular nas filas de um transplante. No final de 2020, a empresa conseguiu a aprovação do comitê regulatório europeu, que veio com um selo CE Mark. É o equivalente, no Brasil, a conseguir uma aprovação da Anvisa — requisito necessário antes de a tecnologia médica experimental poder ser mais amplamente usada ou vendida para consumidores. Após a aprovação, as ações da empresa saltaram 34%, fazendo com que ela fosse avaliada em US$ 496 milhões. Ela ainda precisa passar pelo processo de aprovação de outros países, como a FDA nos Estados Unidos ou a Anvisa no Brasil.
Leia mais no Especial Transplantes