Internado com quadro grave de insuficiência cardíaca, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o apresentador Fausto Silva, de 73 anos, pode ter que esperar entre dois e três meses por um coração, segundo a estimativa do HCor, referência no tratamento de doenças do coração. Mas uma solução pode ajudar Faustão a esperar o tempo previsto pelo procedimento: é o dispositivo conhecido como ‘coração artificial’, o mesmo já implantado em MC Marcinho, que segue internado em estado grave no Hospital Copa D´Or, no Rio de Janeiro.
De acordo com a médica Juliana Giorgi, especialista em Cardiologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e insuficiência cardíaca pelo Integris Hospital, “o coração artificial é uma alternativa para melhorar a qualidade de vida do paciente até que ele consiga de fato ser transplantado”. Ela coordenou o primeiro implante de coração artificial no Brasil, em 2018, com o modelo heartmate III, que é o mais usado atualmente, em todo o mundo e que ajudou a reduzir a incidência de eventos adversos como Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Juliana Giorgi, cardiologista, tira dúvidas sobre o coração artificial (Fotos: Divulgação)

Também conhecido como dispositivo de assistência ventricular (VAD), o coração artificial é um aparelho mecânico implantado temporariamente para auxiliar a função do coração enquanto o paciente aguarda um transplante cardíaco. “Tem a mesma função do ‘coração normal’: de bombear o sangue, para todo o corpo humano e com a máquina acoplada ao coração doente, o paciente possa esperar o transplante cardíaco com mais qualidade de vida”, explica a cardiologista.

Em julho, o funkeiro MC Marcinho, de 45 anos, recebeu um coração artificial para que pudesse aguardar por um transplante de coração. Mas, infelizmente, na última terça-feira (22), ele foi retirado da fila de transplante, controlada pela Secretaria de Estado de Saúde do Rio, devido ao agravamento do seu quadro clínico. O ídolo do funk está intubado, respirando por aparelho, com uso de hemodiálise e fazendo uso de antibióticos para combater uma sepse (infecção generalizada).
No Brasil, todos os transplantes de órgãos respeitam o Sistema Nacional de Transplantes, sejam eles custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por planos de saúde ou pagos pelo paciente. “A fila do transplante funciona por ordem cronológica de inscrição e é levado em consideração aspectos como a gravidade e compatibilidade sanguínea e genética entre doador e receptor. Essas filas são monitoradas pelo sistema e outros órgãos de controle federais”, explica a médica.

Entrevista – Juliana Giorgi – cardiologista:

Abaixo, Juliana Giorgi tira algumas dúvidas a respeito do dispositivo:
– Como funciona o coração artificial?

O coração artificial é um dispositivo mecânico que é acoplado na ponta do coração do paciente e faz a função de bomba circulatória, restabelecendo o fluxo de sangue para todos os demais órgãos.

– Em quais casos ele é indicado?

É indicado para pacientes com insuficiência cardíaca avançada, quando o coração está muito fraco e não consegue bombear sangue para os demais órgãos de maneira eficaz. São as mesmas indicações para o transplante de coração.

As causas para que o coração fique tão fraco a ponto de precisar ser substituído por um outro coração ou ser acoplado ao dispositivo mecânico são diversas, sendo a mais comum causada pela sequela de infarto agudo do miocárdio. Outras são o uso abusivo de anabolizantes, patologias congênitas, doenças de depósito no músculo e autoimunes como na cardiomiopatia periparto.

Juliana Giorgi, cardiologista, é especializada em insuficiência cardíaca (Fotos: Divulgação)
– Os planos de saúde cobrem o valor do dispositivo caso o paciente precise?

Os planos de saúde cobrem o custo do dispositivo mecânico quando comprovado a sua indicação precisa. No Brasil alguns pacientes já foram beneficiados com essa tecnologia através da saúde privada como também através do Sistema Único de Saúde pelos programas de Prodi/SUS.

– Quais os benefícios do coração artificial e no que o dispositivo melhora a qualidade de vida do paciente? 

O dispositivo mecânico (coração artificial) pode ser indicado de maneira temporária enquanto o paciente aguarda a disponibilidade do coração com compatibilidade através da fila de transplantes (modo ponte para transplante) ou de maneira definitiva (modo destino) quando pode viver por anos com a máquina sem ser transplantado. A decisão para o modo do implante como ponte ou destino é uma decisão compartilhada entre as indicações técnicas do médico e a opinião pessoal do paciente.

Quando o coração artificial é implantado e passando o período de pós-operatório imediato de uma cirurgia de alta complexidade o paciente apresenta melhora significativa e normalização da função do coração. Isso é traduzido pela perfusão adequada de sangue em todos os órgãos. O paciente ganha saúde e qualidade de vida. Outro benefício é poder estar fora do hospital enquanto aguardo o novo coração de doador.

– Mesmo com o coração artificial é necessário que o paciente fique no hospital? 

Após o implante o paciente pode ter alta do hospital e viver uma vida agradável, inclusive voltar a trabalhar e praticar esportes. Caso o paciente esteja no modo de ponte para transplante (aguardando o transplante) ele é mantido em prioridade na fila, não perde sua posição na fila única do SUS, mesmo que tenha recebido o coração artificial pelas operadoras de saúde.

Nesta situação ele pode esperar o transplante em melhor condição de saúde. Isso é visto com bons olhos pelos médicos cirurgiões, pois o paciente vai para o transplante com todos os órgãos em melhor funcionamento facilitando o entra e pós-operatório. 

–  Quais as chances de sobrevida de um paciente em estado grave com o coração artificial?

O coração artificial mais moderno e mais utilizado no mundo todo, o HeartMate III, possui sete anos no mercado e a sobrevida é elevada, pois esse dispositivo reduziu de maneira significativa os eventos adversos. É importante o entendimento que a doença insuficiência cardíaca avançada possui uma alta mortalidade, cerca de 50% dos pacientes morrem no primeiro ano do diagnóstico.

Nos Estados Unidos, foi publicado em 2022 um artigo importante, chamado Momentum 3 que demonstrou em 69 centro de saúde americanos o implante em 289 pacientes com sobrevida de 58,4% em 5 anos sem qualquer evento adverso e uma boa qualidade de vida. Isso é um grande avanço para a cardiologia mundial.

Como evolui a tecnologia dos corações artificiais

Corações artificiais existem há mais de 80 anos. O primeiro foi implantado em 1937 em um cão pelo médico Vladimir P. Demikhov. Mas apenas em em 1980 foi liberado implementar coração artificial em humanos, devido à importância vital do coração para todo o organismo e as inúmeras complicações que poderiam surgir a longo prazo. Até hoje eles são dispositivos que servem principalmente como uma solução temporária para quem está na fila de um transplante de coração.

Em 2021, uma startup francesa chamada Carmat anunciou a criação do “coração artificial mais avançado do mundo” e anunciou os planos para começar a vender o dispositivo na Europa, onde apenas a empresa SynCardia tinha aprovação de órgãos regulatórios para um dispositivo como este. Ele pesa 900 gramas (três vezes mais do que um coração humano) e é alimentado por baterias de íon de lítio para fornecer quatro horas de mobilidade. Segundo a Smithsonian Magazine, a ideia é que o coração da Carmat funcione por até cinco anos, permitindo que a pessoa viva uma vida normal.

Desenvolvido pela Carmat ao longo de 28 anos, o dispositivo é totalmente implantável e pode ser usado em casos de insuficiência cardíaca terminal. Ele tem sensores incorporados e sistema hidráulico para imitar o fluxo sanguíneo, assim como tecidos animais quimicamente tratados para reduzir a probabilidade de formação de coágulos. Ao contrário de outros corações artificiais, ele consegue ajustar o fluxo sanguíneo em tempo real dependendo da demanda (acelerando em um exercício, por exemplo).

Na Europa Ocidental, há ao menos 2 mil pacientes com insuficiência cardíaca biventricular nas filas de um transplante. No final de 2020, a empresa conseguiu a aprovação do comitê regulatório europeu, que veio com um selo CE Mark. É o equivalente, no Brasil, a conseguir uma aprovação da Anvisa — requisito necessário antes de a tecnologia médica experimental poder ser mais amplamente usada ou vendida para consumidores. Após a aprovação, as ações da empresa saltaram 34%, fazendo com que ela fosse avaliada em US$ 496 milhões. Ela ainda precisa passar pelo processo de aprovação de outros países, como a FDA nos Estados Unidos ou a Anvisa no Brasil.

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