“Com uma dor como esta, nunca poderei ser a mãe de ninguém. Mesmo se eu pudesse ficar grávida, não há nada que eu possa oferecer”, escreveu a atriz norte-americana Lena Dunham, de 31 anos, em um artigo assinado na revista Vogue. Criadora da série Girls (HBO), ela se submeteu recentemente a uma histerectomia, a remoção cirúrgica do útero e, consequentemente, da dor causada há anos pela endometriose. O procedimento a impedirá de engravidar futuramente, entre outras consequências. “Sei de algo além disso, e sei tão intensamente como sei que quero um bebê: algo vai mal no meu útero”, escreveu.
Março é o mês de conscientização sobre a endometriose, uma doença que afeta mais de 15% das mulheres em idade reprodutiva no Brasil. Segundo a Organização Mundial de Saúde cerca de 7 milhões de brasileiras possuem a doença, o que a torna uma questão de saúde pública. Ainda há muitas dúvidas e mitos acerca da condição. Fernando Guastella, médico ginecologista e obstetra, com especialização em exames por imagem para endometriose e professor do Cetrus, diz diagnosticar pelo menos 10 pacientes por semana com endometriose.
O dia a dia conturbado tem relação direta com o crescimento do número de mulheres com este diagnóstico, como explica Guastella:
Estilo de vida com muito estresse, uma alimentação desequilibrada e a opção por uma gestação tardia são fatores que influenciam no surgimento da endometriose. É um problema biológico individual e tem relação genética, mas os fatores ambientais também contribuem. Hoje entre 5 e 15% das mulheres em idade reprodutiva tem endometriose”
Entenda a doença
Endometriose é o desprendimento do tecido que reveste o útero, que pode grudar em outros órgãos causando desconforto e dores fortes, especialmente durante o período menstrual. Cerca de 70% das mulheres possuem lesões na região retrocervical, ou seja, na parte atrás do colo do útero; 40% no intestino; 30% na vagina e cerca de 10% na bexiga. É comum que as pacientes possuam mais de um local do corpo acometido, motivo pelo qual a soma destas porcentagens ultrapassa os 100%, explica Guastella.
De acordo com o especialista o ideal é prevenir para que a doença não atinja estágios mais avançados. Sendo assim, os exames periódicos são fundamentais. Tão importante quanto o acompanhamento é contar com um profissional capacitado para identificação da doença. Por exemplo, em estágio inicial é difícil detectar a endometriose, mas há sintomas que justificam um estudo mais aprofundado seja feito.
Sinais de alerta
Mais comum do que se imagina, a endometriose acomete muitas mulheres e pode ser detectada em algumas situações, ainda em estágio inicial.
“O sintoma mais frequentemente encontrado em pacientes com endometriose é a dor pélvica, tipo cólica. Geralmente essa dor é no período menstrual e vai aumentando gradativamente com a evolução da doença”, reforça Guastella. “O controle do sintoma é realizado mais fácil quando o diagnóstico é precoce”, completa.
Veja alguns sinais de alerta listados pelo especialista:
- Nunca teve cólica e passou a ter
- Sempre teve cólica, mas as dores pioraram muito
- Sente dor durante a relação sexual
- Diarreia e dor para evacuar no período menstrual
- Dor ao urinar no período menstrual
- Independentemente dos sintomas de dor, se apresentar dificuldades para engravidar
Como diagnosticar
Tanto a ultrassonografia transvaginal quanto a ressonância magnética não conseguem detectar a doença na fase superficial, pois a lesão não invade de maneira significativa o peritônio, ou seja, o tecido de revestimento da cavidade abdominal que recobre tanto a parede abdominal, quanto as vísceras (órgãos da cavidade abdominal como intestino e bexiga). Isso dificulta bastante a identificação. No entanto, para os outros casos Guastella afirma que a ultrassonografia é a ferramenta mais eficaz neste processo. “Em 95% dos casos o ultrassom realizado por profissional capacitado para detectar endometriose, consegue diagnosticar a doença e quando sinaliza o diagnóstico tem 100% de acerto. Por isso, a ida com frequência ao médico é tão importante”, reforça o ginecologista.
Quando o diagnóstico é precoce há o tratamento medicamentoso para agir diretamente na dor e o cirúrgico que é para retirar o foco da doença – que tem chances de aparecer novamente. A doença alcança estágios mais profundos entre os 30 e 35 anos. Mas há adolescentes com endometriose profunda. “Se você identificar algum destes sinais, é importante dividir com seu ginecologista para que haja um estudo mais detalhado dos motivos dos sintomas. Como muitos sintomas podem facilmente ser confundidos com os incômodos do período menstrual, uma conversa franca com seu médico é fundamental para o tratamento”, adverte o especialista.
Cirurgia para retirar útero e ovário
A histerectomia “consiste na extirpação cirúrgica de útero e/ou ovários (que então seria chamada de histerectomia total com anexectomia), mediante uma incisão transversal chamada laparotomia, ou por incisão no umbigo, se for por laparoscopia”. Embora seja uma intervenção mais habitual para o tratamento de um tumor ou de miomas, ou mesmo para prevenir o câncer de ovário em mulheres com mais de 45 anos, também é indicada nos casos em que a “sintomatologia de metrorragia [fluxo de sangue fora do período menstrual] ou dor não cede com tratamento médico”.
Mitos X Verdades sobre a endometriose
1. A mulher com endometriose não pode engravidar
Mito. A mulher com endometriose pode engravidar sim. O Dr. Fernando Guastella diz que algumas mulheres com endometriose apresentam maior probabilidade de ter dificuldades para engravidar. Existem muitas mulheres com endometriose que não apresentam infertilidade. Quanto mais grave for a doença, maior será a probabilidade da dificuldade em engravidar.
Caso a paciente não consiga engravidar espontaneamente, poderá ser realizada fertilização em vitro ou cirurgia.
2. Endometriose é câncer
Mito. A endometriose não é uma doença que pode levar à morte.
3. A endometriose pode ser confundida com cólica
Verdade. Um dos sinais da endometriose é uma dor que pode ser confundida com cólica menstrual. Se você nunca teve cólica e passou a ter ou, se já tem, mas elas se intensificaram, é indicado procurar um ginecologista. Não é apenas a cólica que indica a doença, mas essas dores podem ser sinal.
4. Endometriose tem tratamento
Verdade. Há o tratamento medicamentoso para solucionar a dor e o cirúrgico que irá retirar a endometriose, que poderá estar em órgãos como o colo uterino, intestino, bexiga e vagina, por exemplo.
5. Um ginecologista especializado é o mais recomendado
Verdade. É importante buscar por ginecologistas especializados para que o diagnóstico seja realizado com mais rapidez e precisão. Para os profissionais que tiverem interesse em aprimorar os conhecimentos, o Centro de Ensino Cetrus oferece cursos de ultrassonografia para endometriose com aulas práticas e teóricas.