Nova polêmica em torno de um assunto que vem há anos em pauta e divide opiniões na sociedade brasileira: a legalização do porte e uso de drogas. Às vésperas de uma sessão especial que o Senado Federal realização nesta quinta-feira (17) para discutir o tema, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) divulgaram, nesta quarta-feira (16), nota pública na qual reafirmam posicionamento contrário à descriminalização da maconha no País.
No documento, as entidades alegam que, diante da retomada do debate público sobre a questão, medidas que liberem ou flexibilizem o uso de drogas podem resultar no aumento do consumo, comprometimento da saúde (de indivíduos e da coletividade), e fortalecimento do narcotráfico. Para o CFM e a ABP, o consumo da maconha, mesmo sob alegação de fins medicinais, representa riscos.
ACESSE A ÍNTEGRA DA NOTA DO CFM E DA ABP
“Trata-se de droga que causa dependência gravíssima, com importantíssimos danos físicos e mentais, inclusive precipitando quadros psicóticos (alguns não reversíveis) ou agravando sintomas e a evolução de padecentes de comorbidades mentais de qualquer natureza, dificultando seu tratamento, levando a prejuízos para toda a vida”, afirmam, na nota.
Consumo de drogas aumenta número de acidentes, homicídios e suicídios
O documento do CFM e ABP reitera ainda que “o consumo de drogas também contribui para a maior incidência de acidentes de trânsito, homicídios e suicídios, com redução no mundo e aumento no brasil”. Portanto, o CFM e a ABP entendem que a descriminalização, ao aumentar o consumo, também amplia o poder do tráfico, contribuindo para maiores índices de violência.
As instituições sublinham ainda que não há experiência histórica ou evidência científica que mostre melhoria com a descriminalização de drogas ilícitas.
“Pelo contrário, é nos países com maior rigor no enfrentamento às drogas que há diminuição do número de casos de dependência química e de violência relacionada ao consumo e tráfico dessas substâncias. No Brasil, um exemplo dessa abordagem é o combate ao tabagismo, que caiu de um índice de consumo de 50%, na população em geral, para cerca de 10%”, destaca a nota.
Para CFM e ABP, o Estado brasileiro deveria investir em estratégias efetivas para o combate ao tráfico de drogas, fortalecer ações preventivas e educativas, especialmente junto à população social e economicamente mais vulnerável, e ampliar e qualificar a rede de assistência médica e psicossocial aos usuários.
Em consonância, as duas entidades pedem a atenção das autoridades. Apelam para que esse tema seja analisado com o devido critério, com base em argumentos técnicos e éticos e em defesa dos interesses da maioria da população, “que sofre as consequências geradas por esse problema grave e complexo, com impacto negativo na saúde e na segurança”.
Movimento antiproibicionista avança e defende legalização
Embora a Lei Nº 11.343, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional em 23 de agosto de 2006, a discussão desse tema avançou bastante graças aos movimentos antiproibicionistas da sociedade civil, incluindo aí as associações de pacientes que defendem o cultivo em solo nacional da maconha para fins medicinais.
A Apepi – Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal, por exemplo, defende que seja descriminalizado o uso da maconha e que seja legalizado o cultivo da planta no Brasil “para que possamos nos defender das investidas da indústria farmacêutica e democratizar o acesso aos benefícios da planta para todos que necessitam”. “Não podemos mais seguir permitindo que essa decisão seja apenas prerrogativa do policial, que fiscaliza na ponta, e define quem deve ir preso ou não”, diz a entidade, que representa cerca de 3 mil pacientes e familiares que dependem da cannabis medicinal.
O advogado da Reforma, Emílio Figueiredo, em entrevista ao canal UOL, afirmou que “hoje, temos cerca de 3.500 pessoas (com habeas corpus) que cultivam maconha em casa para fins medicinais. Atualmente, se uma pessoa sofrer um flagrante com plantas de maconha em casa, a punição vai depender da cor da pele, se mora no Leblon ou Madureira. Não são os 6 pés que importam e sim quem é a pessoa, onde ela está e quais condições ela possui para ser ou não considerado traficante”.
Entenda a questão em julgamento no STF
O julgamento do tema, que é polêmico, estava paralisado desde 2018 e foi retomado apenas em 24 de maio desse ano. Já era algo esperado pela sociedade civil que houvesse o reconhecimento da inconstitucionalidade da criminalização das condutas relativas ao uso próprio. Mas Gilmar Mendes pediu o adiamento da sessão mais uma vez. A presidente da Corte, ministra Rosa Weber, concedeu o adiamento e declarou encerrada a sessão.
O julgamento, adiado por duas vezes em 2023, foi retomado em agosto. O mês começou com debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o julgamento do RE 635659 e a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei Nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas ou seja, sobre a possível descriminalização do porte de drogas para consumo próprio no Brasil.
Havia uma grande expectativa sobre qual seria o voto do ministro Alexandre de Moraes, que aconteceu no dia 2 de agosto. Ele chamou atenção para os critérios usados como base para classificar as pessoas como usuárias ou como traficantes e defendeu a aplicação igualitária da lei para todos.
Ao final, o ministro votou a favor da descriminalização do porte da maconha, acompanhando seus colegas Edson Fachin e Luis Roberto Barroso, e sugeriu fixar entre 25 gramas e 60 gramas a quantidade permitida ao usuário, além de até 6 plantas fêmeas.
Como diferenciar traficante de usuário de maconha?
No dia 24 de agosto, o STF formou maioria para estabelecer que é preciso definir um critério objetivo para diferenciar o traficante de maconha do usuário. Há propostas de 100g, de 60g, de variação entre 25g e 60g e de limite até 25g. Há ainda sugestões no sentido de que o Congresso estabeleça os mínimos.
Os ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Rosa Weber votaram por estabelecer um critério para a quantidade de maconha que caracteriza uso pessoal. No entanto, o STF ainda não tem maioria para descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. Nesse ponto, o placar está 5 a 1.
Houve uma divergência: Cristiano Zanin votou contra a descriminalização do porte, mesmo para uso pessoal. Ele ressaltou a importância de estabelecer uma quantidade mínima (25g) para definir quem é considerado usuário e a permissão de 6 plantas fêmeas. Apesar do consenso sobre essa necessidade, os ministros ainda não decidiram qual seria o limite exato.
O ministro André Mendonça solicitou mais tempo para análise, o que adiou a conclusão do processo. Ainda estão pendentes os votos dos ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Dias Toffoli. A retomada do julgamento está prevista para ocorrer em até 90 dias (até o final de novembro).
Veja como votaram até então os demais ministros para o caso:
- – Gilmar Mendes votou contra a criminalização do porte de drogas para uso e não fez diferenciação em relação a nenhum tipo de drogas em específico;
- – Edson Fachin defendeu a descriminalização apenas do porte da maconha, excluindo a possibilidade de outras drogas;
- – Luís Roberto Barroso acompanhou Fachin contra a criminalização do porte de maconha para uso próprio e excluiu outras drogas dessa possibilidade.
Fonte: CFM, Apepi e Uol 9atualizado em