Festejada em todo o mundo atualmente como o mais promissor tratamento para o câncer, a terapia genética CAR-T pode ter seu custo reduzido de cerca de R$ 2 milhões hoje para algo em torno de R$ 200 mil no Brasil e, com isso, chegar a 10 vezes mais pacientes. Esta é a expectativa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que assinou nesta terça-feira (26) acordos para iniciar sua Estratégia para Terapias Avançadas.
A finalidade é baratear e, assim, ampliar a oferta de terapias gênicas, com o objetivo de beneficiar pacientes com doenças oncológicas, infecciosas e genéticas atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O primeiro projeto a ser desenvolvido envolve a reprogramação de células de defesa do organismo para combater alguns cânceres hematológicos, como linfomas e leucemias agudas.
Será uma parceria da Fiocruz com o Instituto Nacional de Câncer (Inca) que já desenvolve pesquisas nessa área. Os testes clínicos para validação da terapia da Fiocruz e do Inca com pacientes deverão ser realizados a partir do fim deste ano, nos Estados Unidos e no Brasil. Com a terapia validada, a ideia é que sejam instalados laboratórios em módulos de contêineres em hospitais de vários lugares do Brasil, possibilitando a descentralização da realização desses tratamentos.
O programa prevê que a Fiocruz, por meio de seu Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), seja capaz de desenvolver e oferecer terapias gênicas a um custo de cerca de 10% do que é gasto hoje com o mesmo tratamento. O desenvolvimento inicial desses tratamentos contará com o apoio da organização sem fins lucrativos norte-americana Caring Cross, que fará transferência de tecnologia ao instituto brasileiro.
A colaboração também irá desenvolver um produto terapêutico para o HIV, atualmente em fase de ensaios clínicos nos Estados Unidos, concebido para o tratamento e potencial cura da infecção pelo vírus da Aids. Também há a expectativa do desenvolvimento de novos projetos com diferentes parceiros para outras patologias.
Confira como foi o lançamento do programa
Terapia genética para doenças raras chega a custar R$ 15 milhões
As terapias gênicas envolvem a manipulação de genes para combater doenças como câncer, doenças autoimunes, aids e síndromes genéticas raras. Há vários tratamentos de terapia genética atualmente em uso, das quais 15 têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para utilização no Brasil. Há outras centenas sendo estudadas em todo o mundo.
O grande problema dessas terapias é o custo. Estima-se que, nos próximos cinco anos, serão gastos entre R$ 4 bilhões e R$ 14,5 bilhões por ano nesses tratamentos, caso seja pago o valor cobrado pelas farmacêuticas. Para se ter ideia, a terapia para a distrofia muscular de Duchenne, por exemplo, um distúrbio progressivo e irreversível dos músculos, pode chegar a custar R$ 15 milhões, valor semelhante ao da terapia contra a hemofilia A.
Ambas são consideradas doenças raras, cuja incidência é muito reduzida, o que contribui para aumentar o valor dos tratamentos. A oferta desses tratamentos em unidades privadas de saúde está fora do alcance para pessoas que não têm esse dinheiro. Já a oferta gratuita pelo SUS é muito cara para os cofres públicos.
Entenda a terapia gênica de células CAR-T no combate ao câncer
Bonamino explica que as terapias com células CAR-T representam um tratamento revolucionário, utilizando as próprias células imunológicas do corpo para atingir e destruir as células infectadas. A terapia CAR-T consiste em inserir em linfócitos T (células de defesa) dos pacientes lentivírus (vetor viral) que carregam um gene específico para combater o tumor.
Com o novo gene, o linfócito torna-se mais eficaz em encontrar o câncer no corpo e reconhecê-lo como algo a ser eliminado, enviando substâncias que vão causar a morte da célula cancerosa.
“É um processo de reeducação da célula. A gente coleta as células do paciente e, em laboratório, a gente vai fazer uma modificação genética nelas, colocando um gene que leva à expressão de uma proteína que vai fazer essa célula passar a reconhecer essas células tumorais. Depois de todo o controle de qualidade, essa célula é devolvida, como se fosse uma transfusão, para o paciente”, esclarece.
Transferência de tecnologia para produção local de vetores lentivirais
A organização norte-americana sem fins lucrativos Caring Cross vai fazer a transferência de tecnologia para a produção local de vetores lentivirais a serem desenvolvidos para a terapia com células CAR-T, além de ser o certificador para postos avançados de implementação desta terapia em unidades de saúde pelo Brasil.
“Vamos aproveitar o conhecimento que a gente adquiriu durante a pandemia [de covid-19] para fazer a produção do lentivírus, que é o vetor viral. E também haverá módulos onde será realizado o processo de CAR-T. E esses módulos serão certificados pela Anvisa e por Bio-Manguinhos”, explicou o diretor de Bio-Manguinhos, Mauricio Zuma.
A Caring Cross é uma organização sem fins lucrativos dedicada a acelerar o desenvolvimento de medicamentos avançados e garantir o acesso a curas para todos os pacientes, em todos os lugares. Para concretizar sua missão, a Caring Cross está desenvolvendo tecnologias e candidatos terapêuticos para melhorar a acessibilidade, o custo e a aplicabilidade de medicamentos avançados, como a terapia CAR-T e a terapia genética com células-tronco.
“Ao compartilhar nosso conhecimento e expertise, esta colaboração estabelecerá capacidade de produção local de nossa plataforma inovadora de células CAR-T. Quando integrada com o ponto de fabricação local, essa abordagem nos permitirá reduzir drasticamente os custos de produção e permitir o acesso a essas terapias por uma fração do custo comparado a EUA e Europa”, disse o diretor executivo da Caring Cross, Boro Dropulić
A Caring Cross fundou a Vector BioMed, uma organização de manufatura e desenvolvimento de contrato de vetores (CDMO, na sigla em inglês) com fins lucrativos, especializada em soluções rápidas de fabricação de vetores lentivirais, para fornecer à indústria uma fonte de vetores lentivirais GMP de alta qualidade e acessíveis.
“Nossa colaboração com a Fiocruz é um passo significativo em direção a tornar as terapias com células CAR-T mais acessíveis no Brasil e na América Latina. Esperamos que esta colaboração não apenas torne esses tratamentos mais acessíveis como sirva como um modelo global para melhorar o acesso a terapias médicas avançadas”, afirmou.
Fiocruz quer se tornar um ‘hub’ de fabricação de terapias avançadas
O presidente da Fiocruz, Mario Moreira, falou da importância da parceria com a Caring Cross, que tem muita experiência nas tecnologias utilizadas para a produção da terapia com as células CAR-T. “Esta transferência de tecnologia capacita a Fiocruz a produzir essas células CAR-T e outras terapias vitais de maneira econômica e confere à nossa instituição as capacidades necessárias para se tornar um hub central para a fabricação de medicamentos avançados, incluindo terapias com células CAR-T, em toda a América Latina”.
A Estratégia de Terapias Avançadas consolida o papel da Bio-Manguinhos, unidade da Fiocruz responsável por pesquisa, inovação, desenvolvimento tecnológico e produção de vacinas, kits diagnósticos e biofarmacêuticos destinados a atender as demandas da saúde pública nacional como uma prioridade.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é hoje a maior instituição de pesquisa biomédica da América Latina, que também produz vacinas e medicamentos para abastecer o SUS. Vinculada ao Ministério da Saúde, foi criada em 25 de maio de 1900 para fabricar inicialmente soros e vacinas contra a peste bubônica.
Desde então, a instituição experimentou uma intensa trajetória, que se confunde com o desenvolvimento da saúde pública no Brasil. Hoje 16 unidades técnico-científicas, voltadas para ensino, pesquisa, inovação, assistência, desenvolvimento tecnológico e extensão no âmbito da saúde.
Atualmente, a Fiocruz está instalada em 10 estados, além do Distrito Federal, e conta com um escritório em Maputo, capital de Moçambique, na África. Além dos institutos sediados no Rio de Janeiro, mantém unidades nas regiões Nordeste, Norte, Sudeste e Sul do Brasil, e escritórios no Ceará, Mato Grosso do Sul, Piauí e Rondônia.
“Estamos trabalhando na fronteira do conhecimento, e esta é uma oportunidade para Bio-Manguinhos/Fiocruz consolidar e expandir suas competências em inovação e produção de produtos biológicos para servir não apenas o sistema público de saúde brasileiro, mas também outros países da América Latina”, disse o diretor Mauricio Zuma.
Com informações da Agência Brasil e Agência Fiocruz