Segundo dados da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS) – Globocan 2022, o câncer de ovário é o terceiro tipo ginecológico mais comum no mundo – atrás apenas dos cânceres de colo do útero e endométrio -, com cerca de 324 mil novos casos por ano, representando 22% dos cânceres ginecológicos.
Apesar de não ser o mais frequente, ele é proporcionalmente mais letal: das 680 mil mortes por câncer ginecológico estimadas por ano, 30,4% são causadas pelo câncer de ovário. Conforme levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), nesta base, ele é o segundo câncer que mais mata entre os tumores ginecológicos, com 207 mil mortes anuais.
O levantamento é um alerta alusivo ao Dia Mundial do Câncer de Ovário, em 8 de maio, que reforça a urgência de ações de conscientização e cuidado. Segundo estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) são esperados cerca de 7.310 novos casos da doença em 2025, sendo o oitavo câncer mais incidente entre as mulheres, representando aproximadamente 3% de todos os cânceres femininos.
Embora menos frequente que o câncer de mama, o câncer de ovário é responsável por uma taxa significativa de mortalidade entre mulheres, justamente pela dificuldade no diagnóstico precoce. Esta é uma das neoplasias ginecológicas mais desafiadoras em termos de diagnóstico precoce e tratamento.
O desafio silencioso que exige atenção redobrada, especialmente após a menopausa
Apesar de menos prevalente que outros tipos de câncer ginecológico, como o de colo do útero, o câncer de ovário continua sendo um dos mais letais. Conhecido por sua evolução silenciosa, o tumor frequentemente é diagnosticado em estágios avançados, o que reduz drasticamente as chances de cura.
Segundo o ginecologista Eduardo Batista Cândido, presidente da Comissão Nacional de Ginecologia Oncológica da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), cerca de 65% das pacientes recebem o diagnóstico quando a doença já está em estágio avançado.
Por isso, nos anos 2000, o câncer de ovário era conhecido como o ‘matador silencioso’, já que apresenta sintomas pouco específicos”, alerta o especialista, que abordará o tema no 62º Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia – CBGO, que acontece de 14 a 17 de maio, no Rio de Janeiro.
Confira os dados do Globocan do IARC/OMS
Tipo de câncer ginecológico | Incidência anual | Mortalidade anual |
Colo do útero | 662.301 | 348.874 |
Endométrio (corpo do útero) | 420.368 | 97723 |
Ovário | 324.603 | 206.956 |
Vagina | 18.819 | 8.240 |
Vulva | 47.336 | 18.579 |
TOTAL | 1.473.427 | 680.372 |
Taxa de sobrevida em 5 anos é alta com diagnóstico precoce
De acordo com o programa SEERS, do Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos, apenas 20% dos casos de câncer de ovário são diagnosticados em estágio inicial, com a doença restrita ao ovário. Nesses casos, a taxa de sobrevida em cinco anos é alta, atingindo 91,7%.
No entanto, a maioria das pacientes — cerca de 55% — já apresenta metástase no momento do diagnóstico, o que impacta negativamente os desfechos. Em comparação, o câncer de colo do útero é identificado em estágio inicial em 42% dos casos (com sobrevida de 91,4% com diagnóstico precoce), e o câncer de endométrio, em 67% dos casos (com sobrevida de 95,1% nesses casos mais iniciais).
Os dados observados nos Estados Unidos se refletem também no Brasil. Quando analisados apenas os três principais cânceres ginecológicos, o câncer de ovário também representa 22,7% dos casos, assim como ocorre na média mundial.
Já a mortalidade também é mais elevada no país, sendo que em 2021 o câncer de ovário foi responsável por 4.037 mortes no país, superando o número de óbitos por câncer de endométrio (1.800) e ficando atrás apenas do câncer de colo do útero (6.606).
Para o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e cirurgião oncológico, Reitan Ribeiro, o levantamento destaca um ponto crucial no enfrentamento do câncer de ovário: a importância do diagnóstico precoce.
O câncer de colo do útero, por exemplo, conta com a vacina contra o HPV — que oferece mais de 90% de proteção — e com um método de rastreamento eficaz e amplamente conhecido pelas mulheres; o exame Papanicolau. Já o câncer de ovário, além de apresentar sintomas silenciosos e um comportamento biológico complexo, ainda não dispõe de um exame de rastreamento eficaz”, explica o especialista.
Além disso, enquanto a maioria dos cânceres têm entre 5% e 10% de origem hereditária, no câncer de ovário essa proporção é significativamente maior: cerca de 25% dos casos estão associados a mutações genéticas (herdadas ao nascimento), principalmente nos genes BRCA1 e BRCA2, entre outros. “Uma possibilidade real de avançarmos no diagnóstico precoce do câncer de ovário seria oferecer acesso aos testes genéticos pelo SUS”, afirma Reitan.
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Conheça os principais sintomas da doença
Os sinais mais comuns do câncer de ovário costumam ser confundidos com alterações gastrointestinais corriqueiras. Sensação de empachamento, aumento do volume abdominal, flatulência, alterações no apetite e mudança no hábito intestinal (constipação alternada com diarreia) podem surgir até seis meses antes do diagnóstico. “Esses sintomas precisam ser levados a sério, sobretudo em mulheres pós-menopausa”, orienta o Dr. Eduardo Cândido.
- Inchaço ou aumento do abdômen
- Sensação de saciedade rápida ao comer
- Perda de peso
- Desconforto na região pélvica
- Fadiga
- Dor nas costas
- Alterações no hábito intestinal, como constipação
- Necessidade frequente de urinar
Fatores de risco e prevenção
A idade é um fator determinante. O câncer de ovário acomete majoritariamente mulheres após a menopausa, com pico de incidência por volta dos 60 anos. O histórico familiar também deve ser observado com atenção. Mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, por exemplo, aumentam significativamente o risco da doença e do câncer de mama.
Pacientes com essas mutações genéticas se beneficiam de uma abordagem preventiva, como a salpingooforectomia bilateral, que consiste na retirada dos ovários e trompas. Isso pode reduzir drasticamente a mortalidade por câncer de ovário”, explica o médico.
Diagnóstico ainda é um desafio
Diferente do câncer de colo do útero, o de ovário não possui um método eficaz de rastreamento. Exames como o ultrassom transvaginal e o marcador tumoral CA-125 demonstraram baixa sensibilidade e especificidade em grandes estudos clínicos.
“Esses métodos só detectam alterações quando o tumor já está avançado, o que compromete a efetividade do diagnóstico precoce”, pontua Cândido. Ensaios clínicos com mais de 100 mil mulheres evidenciaram que o rastreamento rotineiro não reduz a mortalidade.
Possíveis tratamentos
Para o tratamento do câncer de ovário geralmente se combina a cirurgia e a quimioterapia, com variações, conforme o estágio da doença e o desejo da paciente de preservar a fertilidade. “Em casos iniciais, pode ser realizada a remoção de apenas um ovário e sua tuba uterina. Quando ambos os ovários estão comprometidos, mas sem sinais de disseminação, a cirurgia pode preservar o útero, permitindo futuras gestações com óvulos próprios ou de doadora.
O tratamento convencional se baseia em cirurgia radical para retirada de toda a doença visível e em quimioterapia com drogas como platinas e taxanos. No entanto, mesmo com a abordagem correta, até 75% das pacientes apresentam o reaparecimento da doença – fato que obriga a repetir ciclos de cirurgia e quimioterapia, até o momento em que os tratamentos se tornam ineficazes.
Nos últimos anos, porém, surgiram terapias inovadoras. Os inibidores de PARP, por exemplo, mostraram resultados promissores em pacientes com mutações genéticas específicas, ajudando a interromper o ciclo de recidivas e prolongando a sobrevida com qualidade de vida. Além disso, a imunoterapia tem se consolidado como um recurso importante no combate ao câncer de ovário.
Em situações mais avançadas, é comum a remoção dos ovários, tubas, útero, linfonodos e o omento (camada de tecido gorduroso, que cobre os órgãos abdominais). Mesmo para câncer em estágio avançado, a cirurgia busca remover completamente o tumor, sendo a quimioterapia indicada antes ou depois do procedimento.”, finaliza Reitan.
Prevenção
A adoção de hábitos saudáveis pode contribuir para a redução de riscos. “Manutenção do peso, alimentação rica em fibras, prática regular de atividade física e visitas regulares ao ginecologista são pilares fundamentais do autocuidado”, explica o Dr. Eduardo Cândido. Ele ainda reforça que mulheres com histórico familiar relevante devem procurar aconselhamento genético.
O câncer de ovário, embora silencioso, exige um olhar atento, especialmente em mulheres com fatores de risco. O diagnóstico precoce ainda é um desafio, mas avanços terapêuticos vêm abrindo novos caminhos para um enfrentamento mais eficaz e humanizado da doença.
Com Assessorias