Em resolução publicada neste dia 22 de abril no Diário Oficial da União (DOU), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a venda de um fitofármaco a partir do extrato purificado da maconha. O laboratório farmacêutico brasileiro Prati-Donaduzzi se tornou o primeiro a receber autorização no país para um produto não medicamentoso à base de Cannabis.
Produtora de medicamentos genéricos, a empresa pretende colocar no mercado até o Dia das Mães o Myalo®, que será indicado para o controle de crises de epilepsia refratária, grau mais crítico da doença que é mais comum em crianças. A autorização, conforme solicitação da empresa, é para produção no Brasil do produto à base de canabidiol.
Como forma de valorizar e reconhecer todas as mães que lutam pelo direito de acesso ao tratamento de seus filhos, nosso objetivo é que o Canabidiol Prati-Donaduzzi esteja disponível nas melhores farmácias do Brasil até o Dia das Mães (10 de maio)”, revela o diretor-presidente da farmacêutica, Eder Fernando Maffissoni.
Com sede em Toledo, no Paraná, a Prati-Donaduzzi trabalha no desenvolvimento de um medicamento à base de Canabidiol desde 2015. A permissão para lançamento e comercialização do produto não é propriamente um registro, mas uma autorização sanitária com cinco anos de validade e não pode ser estendida. Somente após entregar os testes clínicos é que a empresa terá, muito provavelmente, o registro definitivo do Canabidiol, em 2025.
Conforme as normas da Anvisa, com a autorização concedida, a empresa pode iniciar a fabricação e a comercialização do produto. A Anvisa fornece uma “autorização sanitária” para esses casos, e não um registro, este usado para medicamentos. A permissão é fornecida apenas para substâncias de aplicação pelas vias nasal e oral. Não cabem aí, por exemplo, aquelas de consumo sublingual ou por inalação.
Para ter acesso ao produto, só com receita especial
De acordo com o Centro de Desenvolvimento Profissional e Industrial (CDPI Pharma), o tempo total para análise do pedido de autorização foi de 42 dias, incluindo o prazo de apresentação dos dados exigidos à empresa. A indústria farmacêutica informou que deverá iniciar, imediatamente, a fabricação do Canabidiol.
O Canabidiol da Prati-Donaduzzi estará disponível em solução oral 200 mg/ml e será produzido a partir do princípio ativo puro, livre da substância psicoativa THC (Tetrahidrocanabinol). O produto é diferenciado neste segmento de mercado, pois é uma versão do medicamento que está em estágio final do estudo clínico fase III, através de uma parceria público-privada entre a Prati-Donaduzzi e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo.
De acordo com as regras do órgão, para consumir o paciente precisa ter uma receita médica de controle especial do tipo B. Os produtos só podem ser vendidos em farmácias e drogarias, com exceção das de manipulação. o fitofármaco terá concentração de THC de até 0,2%. Acima disso, somente é permitida prescrição para pacientes terminais. O médico deve orientar o paciente acerca do fato de que o fármaco não é remédio e fornecer informações sobre riscos à saúde, condição regulatória quanto à eficácia do produto e possíveis efeitos adversos.
O produto, desenvolvido por uma equipe interna de pesquisadores, tem como principal vantagem seu alto grau de pureza, o que exclui inclusive a presença d (THC). Importante ressaltar que o THC, normalmente presente em elevadas quantidades nos extratos de cannabis, é uma substância psicoativa e pode causar dependência química”, explica a empresa, em seu site oficial.
Ainda de acordo com a empresa, os estudos clínicos para registro do medicamento Myalo têm demonstrado grande potencial terapêutico para o produto. Os ensaios clínicos realizados em voluntários saudáveis foram finalizados com sucesso, assim como os testes em 142 pacientes pediátricos com epilepsia refratária.
Prescrição
Conforme a autorização, o canabidiol poderá ser prescrito quando estiverem esgotadas outras opções terapêuticas disponíveis no mercado brasileiro. Usados há muito tempo para reduzir dor, espasticidade, convulsões e inflamações de diferentes condições, produtos à base de canabinoides vem sendo estudados e apontados como importantes coadjuvantes no tratamento de doenças raras, por exemplo, levando melhor qualidade de vida a esses pacientes.
Há forte indício que a Cannabis medicinal tem atividades terapêuticas para muitas patologias, algumas delas graves. A Anvisa dá a autorização para garantir aos pacientes que possam fazer uso do produto, sem ter de recorrer à importação de forma individualizada”, diz João Paulo Perfeito, gerente de Medicamentos Específicos, Notificados, Fitoterápicos, Dinamizados e Gases da Anvisa.
O paciente ou, na sua impossibilidade, o seu representante legal deve assinar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) sobre a utilização do produto de Cannabis. A indicação e a forma de uso dos produtos à base de Cannabis são de responsabilidade do médico assistente, sendo que os pacientes devem ser informados sobre o uso dos produtos em questão.
As informações fornecidas devem contemplar: os riscos à saúde envolvidos; a condição regulatória do produto quanto à comprovação de segurança e eficácia, informando que o produto de Cannabis não é medicamento; os possíveis efeitos adversos, tomando como exemplo, mas não se restringindo a isso, a sedação e o comprometimento cognitivo, que podem impactar no trabalho, no ato de dirigir e operar máquinas ou em outras atividades que impliquem riscos para si ou terceiros; e os cuidados na utilização.
Ex-ministro Osmar Terra defendeu canabidiol sintético
De acordo com a Anvisa, o laboratório foi o único a submeter o protocolo de autorização à agência e que o “mesmo caminho está aberto a qualquer empresa”. Segundo João Paulo Perfeito, da Anvisa, as empresas que não são do ramo farmacêutico podem ter mais dificuldades para conseguir a autorização sanitária. “A regulação é bastante exigente, trabalhosa e onerosa por ser baseada nas regras estabelecidas para medicamentos”, comenta.
O laboratório foi o mesmo citado pelo ex-ministro da Cidadania Osmar Terra para defender a produção de Canabidiol sintético, sem o uso da planta, o que não é o caso desta autorização da Anvisa. Em julho de 2019, Terra recebeu em seu gabinete o presidente da Prati-Donaduzzi, como mostrou o site da revista Época. O ex-ministro era radicalmente contra a venda de medicamentos à base de Cannabis e acusava a Anvisa de tentar legalizar a maconha no país.
Terra também compartilhou no Twitter uma publicação do ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, que citava o laboratório. Recentemente, o médico, que é amigo pessoal do presidente Jair Bolsonaro, chegou a ser cotado para assumir a pasta da Saúde na crise recente em torno da pandemia do novo coronavírus que culminou na saída de Luiz Henrique Mandetta.
Concentração de THC acima de 0,2% é comparada à morfina
O regulamento prevê que o comércio será feito exclusivamente mediante receita médica de controle especial. As regras variam de acordo com a concentração de tetra-hidrocanabinol (THC). Nas formulações com concentração de THC de até 0,2%, o produto deverá ser prescrito por meio de receituário tipo B, com numeração fornecida pela Vigilância Sanitária local e renovação de receita em até 60 dias.
Já os produtos com concentrações de THC superiores a 0,2% só poderão ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas de tratamento. Nesse caso, o receituário para prescrição será do tipo A, com validade de 30 dias, fornecido pela Vigilância Sanitária local, padrão semelhante ao da morfina, por exemplo.
A regra para o registro de medicamentos novos ou inovadores prevê a realização de pesquisas clínicas que sejam capazes de comprovar a eficácia desses produtos, além de outros requisitos para o seu enquadramento como medicamentos. O atual estágio técnico-científico em que se encontram os produtos à base de Cannabis no mundo não é suficiente para a sua aprovação como medicamentos. A nova categoria vai permitir que os pacientes no Brasil tenham acesso a esses produtos.
As importações de produtos derivados de Cannabis, como o canabidiol, continuam autorizadas de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 335/2020. Para a solicitação dessa autorização é necessário acessar a página de serviços do Governo Federal e preencher o formulário eletrônico para solicitar autorização para importação excepcional de canabidiol.
Histórico
Quanto a medicamentos à base de cannabis, a Anvisa já havia autorizado o registro em 2016. O primeiro remédio registrado no Brasil foi o Mevatyl, indicado para o tratamento de adultos que tenham espasmos relacionados à esclerose múltipla. Em dezembro do ano passado, a Anvisa aprovou a criação de uma nova categoria de produtos derivados de Cannabis.
A regulamentação da Anvisa permitiu que a Prati-Donaduzzi antecipasse a autorização sanitária do produto. Há mais de seis anos investimos pesado em pesquisa científica para garantir evidências de uso, segurança e eficácia, seguindo rigorosamente o que rege nossa legislação”, explica Maffissoni.
A resolução que aprovou a fabricação e comercialização de produtos à base de canabidiol para fins medicinais entrou em vigor no dia 10 de março. A partir desta data, as empresas interessadas em fabricar e comercializar esses produtos puderam solicitar o pedido de autorização à Agência para disponibilizar essas substâncias no mercado com essa finalidade.
Expansão dos negócios
A produção do Canabidiol sintético, um produto pioneiro no mundo, marca a estreia do laboratório no mercado de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFA’s). Para expandir o portfólio, a equipe de pesquisadores da Indústria já trabalha no desenvolvimento de mais dois IFA’s. No site www.specialita.ind.br é possível acessar mais detalhes sobre a unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de IFAs.
A Prati-Donaduzzi produz, aproximadamente 11,5 bilhões de doses terapêuticas de medicamentos genéricospor ano e gera mais 4,2 mil empregos. Segundo Maffissoni, além do caráter inovador, a iniciativa tem como principais objetivos contornar o elevado custo de importação do extrato purificado da planta e garantir a disponibilidade do insumo. “Trabalhamos para chegar a esse resultado e, além do pioneirismo, reforçamos nossa crença no potencial da ciência nacional”, destaca.
O Canabidiol de origem sintética será produzido a partir de substâncias químicas estruturalmente mais simples e comercialmente disponíveis, atendendo aos requisitos regulatórios para um insumo farmacêutico ativo tanto no Brasil, como no exterior. Será, portanto, um produto “grau farma”, conforme o jargão da indústria.
Leia a autorização da Anvisa aqui.
Com Assessorias e Agências