Graça Afonso comemorava a chegada de sua neta ao mundo no ano de 1997 quando uma notícia identificada pelo teste do pezinho surpreendeu toda sua família. Juliana havia sido diagnosticada com fenilcetonúria (PKU, sigla em inglês), condição genética rara que afeta a capacidade do organismo de metabolizar adequadamente o aminoácido fenilalanina.
Devido à deficiência ou ausência da enzima fenilalanina hidroxilase, a pessoa com fenilcetonúria deve evitar alimentos que contenham proteína como carne, laticínios, ovos, feijão, castanhas, entre outros. As orientações para o tratamento da enfermidade incluem uma dieta restrita e o uso de uma fórmula metabólica rica em aminoácidos, vitaminas e minerais.
Quando não é identificada e tratada nos primeiros meses de vida, a fenilcetonúria pode levar a um quadro clínico grave, caracterizado por atraso global no desenvolvimento neuropsicomotor, convulsões, eczemas e outras manifestações que comprometem a qualidade de vida da criança.
Na adolescência e na idade pré-escolar, os fenilcetonúricos revelam comportamentos autistas e típicos do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A maioria dos pacientes adultos apresenta um coeficiente de inteligência (QI) baixo, falta de atenção, distúrbios do sono, agressividade ou ansiedade.
O cuidado com a dieta da neta
A notícia foi um choque para Graça e os pais de Juliana, especialmente para a mãe, que, mesmo sendo profissional da área da saúde, não tinha conhecimento sobre o manejo do diagnóstico da filha. Graça relata que a família fez questão de aprender tudo sobre a doença para cuidar adequadamente da bebê, especialmente para instruir as pessoas que compunham a rede de apoio e cuidado da criança.
Todos ao redor da neta de Graça logo aprenderam que a inserção da fórmula na dieta de quem tem PKU é a base do manejo da doença. E que deveria ser utilizada diariamente para garantir que as necessidades de proteínas e micronutrientes de Juliana fossem atendidas em todas as etapas de seu desenvolvimento, pois a restrição dietética imposta pelo tratamento de fenilcetonúria não a permitiria manter os níveis ideais para manter as funções corretas de seu corpo.
Quando minha neta começou a fase das papinhas, combinei com minha filha de prepararmos as comidas para a semana durante o final de semana, pois tudo precisava ser pesado e dosado para que ela pudesse comer”, conta Graça. “O que Juliana comia no almoço, ela não repetia no jantar, mas oferecíamos sempre algo dentro do que era permitido na dieta dela”, complementa.
Ela lembra que a neta cresceu ciente das restrições impostas pela fenilcetonúria. Mesmo curiosa sobre os alimentos que via à mesa nos almoços de família, Juliana sempre seguiu a dieta rigorosamente, com o apoio de seus cuidadores.
Sempre conversamos muito com ela. À medida que crescia, Juliana se interessava em saber mais sobre sua alimentação. Explicávamos sobre sua dieta e a necessidade da fórmula, que chamávamos de ‘o sal da vida’ para que ela entendesse sua importância para a saúde”, explica.
Flexibilidade na restrição alimentar
Graça e Juliana iam com frequência a Portugal, para que sua neta pudesse se consultar com uma médica que acompanhava seu caso desde muito cedo. Foi em 2013 que a médica mencionou pela primeira vez um medicamento que tornaria a dieta de Juliana bem mais flexível. A partir daí a família buscou pela justiça a oferta dessa medicação.
No Brasil, esse medicamento, apesar de indicado a partir de um mês de idade e estar disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), a indicação é restrita a mulheres em planejamento gestacional ou gestantes com fenilcetonúria, deixando o restante da população fenilcetonúrica desassistida de tratamento.
Segundo o Protocolo de Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de PKU, documento que fornece orientações de manejo e tratamento aos profissionais de saúde, define este grupo como o de maior necessidade e urgência clínica, por ser uma população de risco e terem efeitos adversos relacionados ao não uso da medicação, como tremores, crises convulsivas e dificuldade de concentração, além de apresentar riscos à saúde do bebê durante a gestação ou a síndrome da PKU materna.
Instituto apoia pacientes com PCK
Em 2004, Graça começou a trabalhar como voluntária no Instituto Canguru, Grupo de Apoio a Erros Inatos do Metabolismo. Graça relata que sua função era auxiliar pessoas com fenilcetonúria, o que lhe permitiu perceber como a realidade de sua neta era significativamente diferente da de outras crianças.
Essa experiência no voluntariado a inspirou, ao longo dos anos, a fundar a SAFE Brasil (Associação Amiga dos Fenilcetonúricos do Brasil) em 2006, uma associação de pacientes que oferece suporte a famílias de pessoas com PKU.
Há alguns anos, Graça organizou um encontro de pacientes com fenilcetonúria que foi um grande sucesso. Agora, seu desejo é organizar um novo evento para que as famílias possam se conhecer e compartilhar suas experiências. Sua esperança está em sua neta, Juliana.
Em apoio ao trabalho de sua avó, ela abriu mão dos presentes tradicionais em seu casamento, em setembro de 2024, e sugeriu que os convidados façam doações à SAFE Brasil, permitindo que a associação continue ajudando um número cada vez maior de pessoas.
A fundadora da associação diz que gostaria muito que Juliana assumisse a associação e continuasse seu legado, porém, não sabe se a profissão de advogada da neta a permitiria. Mesmo assim, Graça continua seu trabalho na SAFE, oferecendo suporte informativo e orientando famílias de todo o país em formas de garantir seus direitos.
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No dia 28 de junho é celebrado o Dia Mundial da Doença de Fenilcetonúria. Também conhecida como PKU (sigla em inglês), a doença rara é um erro inato do metabolismo que afeta a capacidade do organismo de metabolizar adequadamente a fenilalanina, um aminoácido presente em proteínas de alimentos de origem animal e vegetal, como carne, laticínios, ovos, feijão, castanhas, entre outros.
Essa incapacidade decorre da deficiência ou ausência da enzima fenilalanina hidroxilase, que converte fenilalanina (Phe) em tirosina, levando ao acúmulo do aminoácido (Phe) no sangue, que ultrapassa a barreira hematoencefálica, sendo altamente tóxica para o cérebro”, explica nutricionista clínica Bruna Bargiela, especialista em nutrição materno infantil e distúrbios metabólicos.
Essa condição pode ser detectada em estágio inicial pelo teste do pezinho, realizado ainda nos primeiros dias de vida. Os doentes não tratados e/ou com tratamento inadequado apresentam danos neurológicos progressivos e neuropsiquiátricos. O tratamento baseia-se principalmente em uma dieta rigorosa, que inclui o uso de fórmulas metabólicas e alimentos ricos neste aminoácido, como carnes, ovos, leite e alguns vegetais.
Sem acompanhamento adequado, a condição pode levar a déficits nas funções executivas, como planejamento de tarefas e memória, dificuldades cognitivas, atenção reduzida, lentidão no processamento de informações e sinais neurológicos, como tremores”, ressalta a nutricionista.
Há também maior risco de transtornos psicológicos, como ansiedade, depressão, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e problemas comportamentais. Além disso, sem o acompanhamento adequado, a doença pode levar a complicações metabólicas, que incluem resistência à insulina, hipertensão, osteopenia, osteoporose e maior risco de fraturas, o que reforça a importância de um tratamento abrangente para prevenir essas condições e melhorar a qualidade de vida.
Tratamento com nutrição evita sequelas neurológicas
Embora o manejo da doença tenha evoluído, a abordagem dietética continua sendo fundamental para o controle dos níveis sanguíneos de fenilalanina, evitando complicações neurológicas e promovendo o desenvolvimento saudável das pessoas afetadas.
Embora a adesão à dieta possa representar desafios, especialmente para adolescentes e adultos, o acompanhamento especializado garante um controle adequado da doença, melhorando a qualidade de vida dos pacientes”, explica a especialista.
A dieta, incluindo o uso de fórmulas metabólicas isentas de fenilalanina, é a base do tratamento da fenilcetonúria, sendo fundamental para o controle dos níveis do aminoácido no sangue e o desenvolvimento saudável dos pacientes.
A dieta, por si só, muitas vezes não supria as necessidades nutricionais e sociais, tornando-se um desafio para muitos pacientes, especialmente adolescentes e adultos. Hoje, com o acompanhamento especializado, é possível alcançar maior controle da doença e mais qualidade de vida”, explica a nutricionista.
Para além da dieta, Bargiela reforça que a fenilcetonúria exige um cuidado multidisciplinar, envolvendo nutricionistas, endocrinologistas, psicólogos, assistentes sociais, entre outros. Essa abordagem permite um cuidado integral, com profissionais de diferentes áreas trabalhando de forma integrada para atender às diversas necessidades de quem tem PKU.
Lembre de Mim PKU
Iniciativas como o movimento Lembre de Mim PKU têm se tornado essenciais para aumentar o conhecimento sobre os desafios diários das pessoas que convivem com a enfermidade. Com um perfil no Instagram, a iniciativa promove o conhecimento sobre a doença e as dificuldades enfrentadas por pacientes e cuidadores. Compartilhando dicas e histórias de quem vive com PKU, o Lembre de Mim PKU ajuda a criar uma rede de apoio para melhorar a qualidade de vida de indivíduos com a condição.
Com Assessorias