Por Claudio Nogueira*
Se ganhar uma medalha olimpica ou paralímpica já é uma façanha, estar em um pódio dos Jogos Paralimpicos por 24 vezes é fazer parte da história. Caso do nadador paralimpico Daniel Dias, um dos atletas mais bem sucedidos do esporte brasileiro em todas as modalidades e um exemplo de vida para quaisquer pessoas, sofram ou não de deficiência física.
Verdade que atualmente os portadores de deficiências são cada vez mais respeitados e obtêm mais espaço em nossa sociedade. Mas nunca é demais observar que ainda lhes faltam oportunidades, e num outro aspecto, ainda há muitos deficientes que preferem trancar-se em suas casas, ao invés de conviverem em sociedade.
Neste sentido, as modalidades paralímpicas abrem as mentes mais fechadas, para que reconheçam o valor e a capacidade de portadores de deficiência, rompendo preconceitos, além de fazerem com que crianças e jovens deficientes saiam de si mesmos, superem quaisquer complexos de inferioridade e vivam. E a sociedade passa a perceber também a obrigatoriedade de tornar mais acessíveis aos deficientes seus meios de transporte, edifícios, calçadas e
estabelecimentos comerciais.
O esporte foi e é muito importante na minha vida, pois sempre acreditei e acredito que se trata de uma grande ferramenta de inclusão social. Nem todos serão campeões no esporte. Mas acredito que todos nós, independentemente de nossas limitações físicas, podemos ser campeões na vida. O esporte ajuda muito neste sentido”, escreveu Daniel Dias no prefácio do livro “Esporte Paralimpico: tornar possível o impossível”, lançado em 2017 pela Autografia.
Tudo começou no pós-guerra…
Há pouco menos de dois anos, o Rio de Janeiro foi a sede das Paralimpíadas de 2016, que encantaram o país e o mundo não apenas pelo alto nível técnico das competições, mas também pelos frequentes e seguidos exemplos de superação. Tudo isso resulta de uma longa história. O Movimento Paralímpico Internacional começou em meados da década de 40, no Pós-Guerra, num hospital especializado na recuperação de soldados que retornavam do grande conflito, na cidade inglesa de Stoke Mandeville, Inglaterra.
Para que esses reencontrassem uma razão de viver, esportes já existentes eram adaptados aos ex-militares, muitos deles amputados, paraplégicos ou tetraplégicos. No caso brasileiro, o pioneirismo se deve aos paraplégicos Robson Sampaio de Almeida – que havia conhecido nos EUA o basquete em cadeira de rodas -, e Sérgio del Grande, e ao professor Aldo Miccolis, este sem qualquer deficiência. Foram eles os fundadores do Clube do Otimismo, a 1 de abril de 1958, no Rio de Janeiro. A associação segue em atividade, no bairro carioca do Méier.
Já em São Paulo, Del Grande fez um trabalho semelhante e fundou o Clube dos Paraplégicos, na mesma época. A primeira edição das Paralimpíadas se deu em 1960, em Roma, mesma sede das Olimpíadas daquele ano, e a delegação brasileira se fez representar pela primeira vez na edição de 1972, na Alemanha.
Quase um quarto da população tem alguma deficiência
Atualmente, de acordo com o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 45,6 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, o que equivale a 23,9% da população brasileira. O tipo mais indicado é a deficiência visual, com 35,7 milhões de pessoas. Por esse estudo, 18,8% dos entrevistados afirmaram ter dificuldade para enxergar, mesmo com óculos ou lentes de contato; 6,5 milhões têm severas dificuldades em enxergar e outros 6 milhões têm alguma dificuldade. Mais de 506 mil são cegas.
A maior parte das pessoas com deficiência vive em áreas urbanas: 38,5 milhões; havendo 7,1 milhões em regiões rurais. Após a deficiência visual, seguem-se as deficiências motoras, com 13,2 milhões (7%). A deficiência motora severa foi citada por mais de 4,4 milhões, dentre as quais 734,4 mil não conseguem caminhar ou subir escadas de modo algum. Outros 3,6 milhões informaram ter grande dificuldade de locomoção.
Em relação à deficiência auditiva, são 5,1% da população: 9,7 milhões. A deficiência auditiva severa foi declarada por mais de 2,1 milhões de pessoas, dentre as quais 344,2 mil são surdas e 1,7 milhão de pessoas têm grande dificuldade de ouvir. Já a deficiência mental ou intelectual foi declarada por mais de 2,6 milhões, ou seja, 1,4% da população.
Acesso à educação e ao mercado de trabalho
O fato de ser portador de deficiência acaba tendo uma influência na própria formação educacional de alguém. Assim, a taxa de alfabetização de pessoas de 15 anos ou mais é de 81,7% entre os que têm deficiência, ao passo que entre os não deficientes esta taxa é de 90,6%. O mesmo Censo 2010 mostra que 61,1% da população com 15 anos ou mais com deficiência não têm instrução ou têm apenas o fundamental incompleto. Entre as pessoas sem deficiência, tal percentual é de 38,2%.
No que diz respeito ao mercado de trabalho, há 44 milhões de deficientes em idade ativa. Destes, 53,8% estão desocupados ou fora do mercado de trabalho. Do total de pessoas ocupadas no Brasil, 86,3 milhões, aquelas com deficiência que estão ocupadas chegam a 20,3 milhões, ou seja 23,6%. Entre os portadores de deficiência que estão ocupados, 40,2% têm a carteira de trabalho assinada. Na população geral, o índice é de 49,2%.
Muitas pessoas portadoras de deficiência estão na informalidade. Dentre essas pessoas, 27,4% trabalham por conta própria e outros 22,5% sem carteira profissional assinada. Entre a população sem deficiência, estes índices, respectivamente, são de 20,8% e 20,6%. Tais números deixam claras as dificuldades que portadores de deficiência encontram para ingressar e se manter no mercado de trabalho, ainda mais num momento em que o desemprego atinge no país a mais de 13,7 milhões de trabalhadores.
Cresce a procura por escolinhas esportivas
Para além dos limites do universo esportivo, as modalidades paralímpicas têm-se tornado um estandarte que exibe para a sociedade como um todo o potencial e a capacidade de pessoas portadoras de deficiências, que, acostumada a lutar pelo que mais básico desde o começo da vida, não se deixam amedrontar diante de dificuldades que levam a nocaute muitos daqueles que se considera “normais”. Logo após a Rio-2016, clubes e entidades que mantêm projetos paralímpicos começaram a registrar o aumento na procura por escolinhas paralímpicas.
Talvez, a procura fosse menor antes pela falta de informação aos pais e aos jovens e crianças deficientes de que há esporte de alto rendimento e profissional também para essas pessoas. A expectativa é a de que, cada vez mais, esses jovens e crianças deixem os quartos em que se encontravam trancados e procurem ocupar seus espaços na sociedade, seja por meio do esporte, da arte, de profissões mais convencionais ou do que quer que tenham escolhido como seus ideais de vida.
Uma mudança de paradigma
Durante o megaevento de 2016, não apenas atletas brasileiros como estrangeiros deram depoimentos de que o esporte ajudou a transformar suas vidas, já que muitos saíam de casa apenas para estudar e mantinham uma rotina de auto-reclusão sem contato com a sociedade. Ao se integrarem a alguma modalidade adaptada, perceberam que os limites que viam antes só existiam na imaginação. Por meio da imagem positiva desses atletas, a opinião pública passa a respeitar e a confiar no potencial dos deficientes.
Assim, o esporte paralímpico – cujos próximos megaeventos serão os Jogos Parapan-Americanos de Lima-2019 e as Paralimpíadas de Toquio-2020 – será visto cada vez mais como algo que dinamiza mudanças sociais, inclusão, uma nova atitude das pessoas em relação aos deficientes e uma maior conscientização quanto à acessibilidade.
*Claudio Nogueira é jornalista e esportivo e escritor, tendo participado das coberturas das últimas quatro Olimpiadas e dos cinco ultimos Jogos Pan-Americanos, além da Copa do Mundo-2014 e Paralimpiada-2016. É o autor de “Esporte Paralimpico: tornar possível o impossível”, pela www.autografia.com.br.