Ansiedade entre crianças, transtornos mentais e até suicídio têm levantado questões complexas sobre a saúde emocional e mental de crianças e adolescentes, preocupando especialistas e desafiando famílias e escolas. A importância do assunto é tão evidente que repercutiu no mundo todo a minisssérie “Adolescência”, da Netflix, uma ficção que se confunde com a realidade.

A produção acompanha Jamie Miller, um adolescente de 13 anos envolvido em um episódio violento, e aborda temas como bullying, masculinidade tóxica, isolamento emocional e os efeitos das redes sociais no comportamento dos jovens.

O enredo mostra um garoto de 13 anos que mata uma colega de escola. É importante e urgente a temática da série, que mostra muito mais que um assassinato e que o papel das redes sociais. Retrata também o quão os adultos estão desconectados sobre o que está acontecendo na vida dos filhos e alunos. Reclama-se que essa geração está perdida, mas quem está criando essa geração”, questiona educadora parental Carol Binhame.

Para enfrentar a situação, ela diz que todos os atores envolvidos, incluindo a sociedade em geral, precisam repensar seus papéis na educação e condução de crianças e adolescentes. De acordo com a especialista, é preciso cuidar e preparar os adultos para criarem a geração atual.

São os adultos que precisam estar melhor preparados para guiar essa geração que é única, afinal, viveu uma pandemia sem precedentes e é a primeira considerada nativa digital. É natural que esse cenário tão inédito seja desafiador para adultos e, por isso, é importante que famílias e escolas busquem ajuda profissional e assumam seus papeis de responsáveis pela infância atual”, ressalta.

É no cenário em que grande parte dos adultos se sente perdido sobre o que fazer na criação e educação dos pequenos que cresce a profissão de educador parental, profissional capacitado para orientar adultos cuidadores através de conhecimentos em neurociências, apego seguro e desenvolvimento infanto juvenil.

Dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) apontam que a ansiedade entre crianças superou a dos adultos no Brasil. Além disso, segundo segundo a Fundação Oswaldo Cruz, metade dos transtornos mentais começa antes dos 14 anos e 75% têm início ainda na infância ou adolescência. A Fiocruz aponta ainda que o suicídio é a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos, atrás apenas de acidentes e homicídios.

Os dados são apenas alguns dentro de um grande número de pesquisas recentes, no Brasil e no mundo, que confirmam o que a sociedade talvez não esteja querendo assumir: a infância e a adolescência não estão indo nada bem. E por que isso está acontecendo?”, questiona Carol.

‘Estamos precisando de ajuda’, diz educadora  parental

A educadora parental aponta que a solução pode estar em ajudar os adultos no papel de serem pais, mães e professores. Isso porque, segundo Carol, são os próprios adultos que precisam de ajuda. De acordo com o relatório “The Mental State of the World in 2023”, o Brasil está em terceiro lugar entre os 64 países avaliados sobre saúde mental.

Pesquisa da Neurotech Sapien Labs mostrou que o país tem a quarta pior taxa de saúde mental do planeta. Em 2024, o Brasil registrou 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais, o maior número desde 2014. E pesquisa da plataforma De mãe em mãe mostra que 66% das mães classificam a própria saúde mental como péssima, ruim ou regular, e 94% delas se considera com esgotamento.

Como adulta de 41 anos, mãe de dois filhos, uma de 9 e outro de 12 anos, e educadora parental, afirmo com segurança que estamos precisando de ajuda. Basta olhar os dados para vermos como fazemos parte de uma sociedade cada vez mais adoecida emocionalmente. Então, se os cuidadores estão doentes, como vamos cuidar na nova geração? Como vamos evitar o adoecimento emocional deles?

Na fase em que crianças e adolescentes estão em desenvolvimento, seus cérebros ainda não estão maduros e, por isso, é ainda mais necessário um ambiente emocionalmente seguro com cuidadores conscientes. Precisamos de ajuda e o educador parental é o profissional especializado em cuidar de quem cuida”, afirma a especialista.

A Sociedade Brasileira de Pediatria já recomenda, desde 2017, a educação parental como um recurso para prevenção do estresse tóxico na infância. Em 2024, a Lei 14.826 reconheceu a parentalidade positiva como estratégia para prevenir violência e incentivar o acolhimento na infância. A Organização das Nações Unidas (ONU) defende acesso universal de programas de parentalidade com evidências científicas, ou seja, a educação parental. “Dados alarmantes e recomendações vindas de órgãos competentes já temos. Agora, é hora de agir”, sugere Carol.

Reflexão sobre o papel da escola no cuidado emocional dos jovens

Episódios da vida real, como os retratados na produção, desafiam instituições a irem além do conteúdo pedagógico

A produção da Netflix reacende uma discussão sensível, porém urgente: a escola tem sido cada vez mais impactada por conflitos que nascem no ambiente familiar.  A trama retrata situações que não estão apenas na ficção, mas no cotidiano de muitas instituições de ensino.

A ausência de apoio afetivo e a falta de diálogo em casa se refletem dentro da sala de aula. Diante disso, a escola assume um papel ainda mais estratégico: o de formar cidadãos conscientes e emocionalmente preparados para lidar com os desafios da vida”, afirma Cleyton Guimarães Costa, diretor-geral da Educação Adventista no ABCDM e Litoral Paulista.

Ele ressalta os três pilares que sustentam a segurança emocional dos adolescentes: o envolvimento familiar, a atuação pedagógica intencional e o acompanhamento contínuo da saúde emocional. “Monitoramento das redes sociais, escuta ativa e presença afetiva são formas concretas de prevenção. Quando combinadas à prática pedagógica, formam um alicerce sólido para o desenvolvimento dos jovens”, afirma Costa.

Embora os desafios sejam grandes, ele reforça que é possível criar um ambiente escolar onde o aprendizado ultrapasse o conteúdo e se traduza em pertencimento, cuidado e equilíbrio emocional, valores fundamentais para a formação dos cidadãos do presente e do futuro.

Com Assessorias

Shares:

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *