Com o objetivo de aumentar a conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e reduzir a discriminação e o preconceito que cercam as pessoas com esta condição, em 2007 a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 2 de abril com o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data marca a abertura da campanha Abril Azul, que busca promover o respeito à neurodiversidade e incentivar a inclusão e a luta pelos direitos das pessoas autistas.
O debate em torno do tema e da necessidade de romper com os estigmas que cercam esse transtorno do neurodesenvolvimento é mais do que necessário. No entanto, também acende o alerta para uma grave questão: a ‘indústria do autismo’. O crescimento nos diagnósticos, a partir de laudos de avaliações neuropsicológicas – algumas, sem muito respaldo científico – tem preocupado especialistas.
A preocupação já chega também ao Congresso Nacional, onde atualmente, há 278 projetos de lei (PLs) sobre TEA, sendo 22 no Senado e 256 na Câmara Federal. O número foi obtido pela Frente Parlamentar Mista pela Promoção da Saúde Mental (FPSM) em consulta realizada à Consultoria Legislativa do Senado. Apesar da grande quantidade de projetos sobre o tema, a maioria deles não tem embasamento científico e se sobrepõe a políticas já existentes.
Filipe Asth, secretário executivo da FPSM, explica que o número expressivo de PLs sobre o tema pode indicar uma forte influência do debate público na produção legislativa, mas não só. Segundo ele, a própria perspectiva do debate público já é efeito de muitos outros elementos que atravessam a discussão e contribuem para definir a relevância da pauta.
Fenômeno é efeito da ‘patologização da vida’
Alguns estudos têm apontado, por exemplo, para a existência de um “complexo industrial do autismo” atuando no país e influenciando a proposição de políticas públicas e a expansão de serviços e produtos especializados para esse segmento, conforme pode ser observado no relatório técnico produzido pelo Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
A coordenadora do Núcleo de Pesquisa e membro do Conselho Consultivo da FPSM, professora Cristina Ventura, analisa que esse quadro sugere uma possível articulação para que sejam ampliados os investimentos em projetos de agentes privados que têm interesse em operar no segmento. “A maior destinação de recursos para esses aparatos, no entanto, não garante necessariamente a qualificação das ações de cuidado para as pessoas que necessitam”, afirma.
Asth avalia ainda que o fenômeno também é efeito de um conceito conhecido como “patologização da vida”, que se refere à intolerância a comportamentos que divergem daqueles estabelecidos como “normais”. “A utilização crescente de diagnósticos como parâmetro para a elaboração de PLs nos dá muitas pistas sobre o modo como tem sido abordado o tema da saúde mental no Congresso Nacional”, pontua.
Estado do Rio cria mais uma lei para pessoas com TEA
Não é somente na esfera federal que leis relacionadas ao autismo vêm aumentando – nos estados e municípios o número cresce a cada semana. No Estado do Rio de Janeiro, é grande o número de projetos de lei voltados para as pessoas com autismo. A exemplo de outros estados, na Assembleia legislativa do Estado do Rio (Alerj) foi criada em 2023 uma Frente Parlamentar do Autismo.
O Governo do Estado, aliás, aproveita o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo para realizar uma cerimônia em que vai sancionar, nesta quarta-feira (2), o Projeto de Lei nº 4.816/2025, que autoriza o uso do cordão de quebra-cabeça como identificador oficial de pessoas com TEA.
Durante o evento, também serão apresentadas ações do governo voltadas para o tema, como os primeiros resultados do Centro de Diagnóstico para o TEA (CedTEA), que completa um ano de funcionamento com mais de 5 mil consultas realizadas.
Leis no Brasil apoiam a pessoa com autismo
Em 2012, a Câmara e o Senado aprovaram a Lei 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, na qual o autismo foi definitivamente classificado como deficiência. Com isso, ficaram asseguradas aos autistas todas as políticas de inclusão existentes no país para a pessoa com deficiência. Além disso, a legislação prevê sanções aos gestores que negarem a matrícula a estudantes com deficiência.
Em 2020, a Lei 13.977/2020, conhecida como Lei Romeo Mion, alterou a Lei 12.764/2012 para instituir a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). A carteira assegura a seus portadores atenção integral, prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social.
Outra inovação foi a Lei 13.861/2019, que prevê a inclusão de informações específicas sobre pessoas com autismo nos censos demográficos feitos a partir de 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A estimativa da Organização Mundial de Saúde é que existam 2 milhões de autistas no Brasil.
‘É preciso que as leis e iniciativas governamentais saiam do papel’, diz defensor público
O Dia Mundial da Conscientização do Autismo (2 de abril) busca ampliar o conhecimento sobre as dificuldades que indivíduos com autismo enfrentam no cotidiano e destacar a necessidade de políticas públicas e práticas inclusivas que garantam a plena cidadania dessas pessoas.
O defensor público federal André Naves, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social, destaca a necessidade de políticas públicas efetivas para garantir a inclusão de pessoas com autismo. Segundo ele, nos últimos 20 anos, houve grande evolução no diagnóstico devido aos avanços das técnicas de sequenciamento. Mas no Brasil, ainda há precariedade na adoção de políticas públicas que permitam o acompanhamento e o tratamento de todos os brasileiros nessas condições.
É fundamental investir em políticas públicas de Estado que transcendam as mudanças de governo”, afirma o Defensor Público, que complementa: “Apesar dos avanços na legislação, como a inclusão da atenção aos autistas na Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência (PNSPD), é preciso que as leis e iniciativas governamentais saiam do papel e se traduzam em proteção e inclusão reais”.
É muito bom saber que cada vez mais crianças e adolescentes com TEA têm acesso à educação. No entanto, muito ainda precisa ser feito, especialmente em regiões mais carentes ou distantes dos grandes centros urbanos”, afirma o defensor público federal André Naves.
Segundo ele, a falta de conhecimento sobre o autismo é um dos principais obstáculos para a inclusão. Cada indivíduo é único, e a inclusão exige uma análise cuidadosa de cada caso.
O autismo não tenha cura, mas há muita coisa que podemos fazer para melhorar a qualidade de vida das pessoas com TEA e suas famílias. A informação e a conscientização são ferramentas poderosas para combater o preconceito e promover maior inclusão”, diz Naves.
Brasil ainda não sabe quantos autistas tem
De acordo com a OMS, cerca de 70 milhões de pessoas no mundo possuem o diagnóstico de TEA, sendo 2 milhões no Brasil, o que significa afirmar que 1% da população estaria dentro do espectro. Esses números, embora expressivos, ainda podem ser subestimados, considerando as dificuldades de diagnóstico e a falta de dados precisos.
Ainda não há dados oficiais sobre autismo no Brasil. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) esclarece que não há um número oficial a respeito da prevalência do TEA no país. O IBGE incluiu pela primeira vez no Censo 2022 uma pergunta sobre autismo, o que permitirá um mapeamento mais correto da população autista no país. Os resultados desse censo são aguardados para fornecer dados mais detalhados e atualizados sobre a prevalência no Brasil.
Mas a partir de estudos nos Estados Unidos, já se sabe que este número vem crescendo assustadoramente. O Centers for Disease Control and Prevention (Centros de Controle e Prevenção de Doenças – CDD), o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, apontou que cerca de 2,2% da população americana acima de 18 anos possuía TEA em 2022, o que permite estimar que existam mais de 6 milhões de brasileiros autistas – uma em cada 36 crianças.
Agenda Positiva
Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo: Congresso será iluminado de azul
O Congresso Nacional recebe dias 2 e 3 a iluminação especial na cor azul, em referência ao Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo (2 de abril). A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2007, como forma de aumentar o conhecimento relacionado a todos os aspectos do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O TEA é uma condição caracterizada pela alteração das funções do neurodesenvolvimento, interferindo na capacidade de comunicação, linguagem, interação social e comportamento. Os sinais de alerta surgem nos primeiros meses de vida, mas a confirmação do diagnóstico costuma ocorrer aos dois ou três anos de idade.
As pessoas com autismo frequentemente têm outras comorbidades como epilepsia, depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. O nível intelectual varia muito de um caso para outro, indo de deterioração profunda a casos com altas habilidades cognitivas.
Apesar de ser um transtorno crônico, o autismo conta com métodos de tratamento que devem começar assim que é feito o diagnóstico. É importante que sejam aplicados de forma individualizada e por equipe multidisciplinar, que envolve médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, pedagogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, além da orientação a pais e cuidadores.
Autismo em números no Brasil e no mundo
- Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem cerca de 70 milhões de pessoas com TEA no mundo.
- A prevalência estimada por organismos internacionais é de 1 caso de TEA para cada 44 nascimentos.
- No Brasil, o autismo foi incluído no Censo Demográfico de 2020 por determinação da Lei n. 13.861, de 18 de julho de 2019.
- A estimativa atual é de que cerca de 2 milhões de brasileiros tenham TEA, o que corresponde a 1% da população. No entanto, este número pode ser maior
- O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) estimava que, em 2022, cerca de 2,2% da população acima de 18 anos possuía TEA.
- Um estudo mais recente do CDC, publicado em 2023, estima que uma em cada 36 crianças é diagnosticada com autismo no Brasil.
- Conforme o “Canal Autismo”, há um estudo piloto na cidade de Atibaia (SP), com 20 mil habitantes, que estimava 1 pessoa com espectro autista para cada 367 crianças.
- Levantamento da Universidade de Passo Fundo (UPF) em parceria com a Apae, apontou que o TEA afeta cerca de 600 mil famílias no Brasil.
Com Assessorias