Em janeiro de 2024, uma caixa térmica contendo medula óssea viajou de Berlim (Alemanha), passou por Paris (França),  fez uma conexão em Guarulhos (SP), até chegar ao Aeroporto de Curitiba (PR), onde uma pessoa aguardava ansiosamente pelo órgão. Uma jornada transcontinental que não seria possível sem a colaboração dos profissionais do transporte aéreo.

A rapidez no transporte de órgãos é fundamental para salvar vidas. Em muitos casos, cada minuto é determinante. Há uma logística cuidadosamente orquestrada a favor da vida nos aeroportos brasileiros.

Em 2023, o transporte aéreo brasileiro conduziu 7.703 operações de pouso e decolagem envolvendo alguma missão desta natureza, movimentando 4.224 órgãos para transplante, segundo dados do Ministério da Saúde. Isso representou 15% de todos os procedimentos realizados no país durante o ano passado – cerca de 29 mil.

Recentemente, em uma madrugada no Aeroporto de Bacacheri, em Curitiba (PR), equipes da administração aeroportuária e da Torre de Controle foram acionados para processar a chegada de duas aeronaves de origens distintas, mas que pousaram com cinco minutos de diferença entre si. Em uma delas, o receptor; na outra, o coração a ser transplantado. Mais do que nunca, a vida, literalmente, teve pressa.

Essas operações requerem frequentemente que um ou mais profissionais de saúde acompanhem os órgãos, devidamente acondicionados em caixas térmicas apropriadas ao transporte aéreo. Quando um órgão vital precisa ser transportado, o tempo é um fator decisivo”, afirma Wilson Rocha Gomes, gerente do Aeroporto do Bacacheri e Mestre em Administração pela Universidade Positivo.

Por isso, a aviação geral segura e eficiente tem papel fundamental no sistema de transplantes no Brasil, ao garantir a agilidade necessária no transporte de órgãos. Enquanto a aviação comercial alcança apenas 191 aeródromos no Brasil, a aviação geral tem acesso a 2.947, ampliando significativamente a capacidade de chegar rapidamente a locais também de difícil acesso e conectar as diferentes regiões do país.

Corrida para que o órgão chegue ao receptor

No dia 27 de setembroDia Nacional da Doação de Órgãos, a importância da aviação geral para o sistema de transplantes no Brasil ganha destaque. O Brasil é reconhecido mundialmente como referência nessa área, com o maior sistema público de transplantes do mundo, de acordo com o Ministério da Saúde. Atualmente, mais de 50 mil brasileiros estão na lista de espera por um transplante.

O código “TROV” (Transporte Aéreo de Órgãos Vitais) aciona uma corrida para que o órgão chegue ao receptor dentro de uma janela de tempo extremamente curta. Cada minuto conta, e há uma rede de coordenação entre os aeródromos, as companhias aéreas e as centrais de transplantes para garantir que tudo funcione conforme o previsto.

É o caso, por exemplo, do Aeroporto Internacional Afonso Pena, em São José dos Pinhais, administrado pela CCR Aeroportos. Até agosto deste ano, ajudou a transportar 298 órgãos em curtas, médias e longas distâncias.  Embora o processo de doação de órgãos seja sigiloso, de forma que não se conheça a identidade dos doadores e receptores, por vezes o encontro é inevitável.

Doador solidário do voo

Recentemente, uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Aviação, por meio do programa Transplantar, reforçou ainda mais a solidariedade entre os empresários do setor. O doador solidário do voo emitirá um termo de utilização temporária de seu equipamento aeronáutico que em tese estaria ocioso (aeroporto, aeronave, horas de voo, combustível, taxas aeroportuárias, etc.) para salvar vidas.

Ações como essa tem o potencial de criar uma disponibilidade de transporte aéreo em locais onde hoje não existam voos regulares, bem como de contribuir para a redução da taxa de descarte de órgão vitais por meio de uma melhor gestão do tempo entre a retirada do órgão do doador e seu implante no receptor. 

Experiência de quatro décadas

Nossa experiência de mais de quatro décadas no transporte aeromédico nos permite oferecer um serviço de excelência, garantindo que cada etapa do processo ocorra com o máximo de segurança e agilidade. A aviação geral, aliada à nossa infraestrutura, é peça-chave para que os transplantes aconteçam com sucesso”, afirma Bruna Assumpção, diretora superintendente de aviação executiva da Líder Aviação.

Para atuar nesta frente, a empresa possui homologação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para operar como UTI aérea com aeronaves Phenom 300 (jato) e King Air C90GT (turboélice), especialmente adaptadas para esse tipo de missão.

Além disso, segue rigorosos protocolos e procedimentos validados por órgãos como Anac, Anvisa e Covisa, garantindo que o transporte de órgãos ocorra com total segurança, desde voos curtos até transportes intercontinentais, garantindo que a logística do sistema de transplantes brasileiro funcione de maneira ágil e eficiente.

Operações aéreas para transplantes no Rio

Peça fundamental no transporte de órgãos e inter-hospitalares, a Superintendência de Operações Aéreas da Secretaria de Estado de Saúde (SOAer/SES-RJ)  foi criada em maio de 2021 e tem mais de 600 horas de voo a serviço da vida, sobrevoando o céu do estado. Durante a pandemia, teve sua atuação ampliada, colaborando na entrega de quase um milhão de doses de vacinas em todo o estado do Rio de Janeiro.

A parceria com o RJ Transplantes e com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) da capital, que são administrados pela Fundação Saúde, consolidou o serviço, tornando-o indispensável às ações em prol da vida. Em números absolutos, o SOAer transportou, somente em 2023, 349 órgãos e realizou 127 transportes intra-hospitalares neonatal e pediátrico, segundo informações da Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ).

 

Órgãos transportados via aérea no Brasil – 2023
Rim 1.274 Material biológico 61
Córnea 1.120 Globo ocular 44
Medula 417 Esclera 36
Fígado 415 Pulmão 35
Ossos 357 Outros 23
Coração (válvulas) 137 Pele 23
Válvulas cardíacas 105 Material para explante 7
Coração 99 Pâncreas 5
Líquido de preservação 66 TOTAL 4.224

Palavra de Especialista

A aviação brasileira na engrenagem do Sistema Nacional de Transplantes

Por Wilson Rocha Gomes*

Nos primórdios da aviação civil, as malas postais a bordo dos bagageiros das aeronaves transportavam a notícia, a saudade e, por muitas vezes, a esperança através de milhares de cartas que chegavam a seus destinos. Enquanto a aviação evoluiu para levar passageiros e cargas de um lado ao outro do mundo de uma forma mais segura e rápida, também se tornou parte fundamental nos procedimentos de transplantes de órgãos, conectando doadores e receptores em um voo pela vida.

De acordo com o Ministério da Saúde, em números absolutos, o país é o segundo maior transplantador global, atrás apenas dos Estados Unidos. O sistema público brasileiro oferece aos pacientes todo o suporte necessário de forma integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante. 

Os números impressionam e evidenciam que o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) depende de uma engrenagem que vai além dos hospitais e profissionais da saúde. Aeroportos, companhias aéreas e profissionais de controle de tráfego aéreo também são peças essenciais nessa rede, que promove uma operação complexa e altamente organizada, mas que depende, acima de tudo, da generosidade dos doadores.

Esse esforço coletivo, no entanto, só pode ter sucesso se mais pessoas se conscientizarem sobre a importância de se declarar doador de órgãos. O Brasil, apesar de possuir o maior sistema público de transplantes do mundo, ainda enfrenta uma fila de espera enorme, de cerca de 65 mil pessoas, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Somente no Paraná, em agosto de 2024, 3.992 pacientes aguardavam um órgão que poderia lhes salvar a vida.

Desafio coletivo

Apesar da eficiência desse sistema, há um desafio que persiste: a conscientização. O Brasil possui uma estrutura robusta para a captação e transporte de órgãos, mas ainda há um déficit de doadores. Muitas pessoas não comunicam suas famílias sobre o desejo de doar seus órgãos, o que dificulta a decisão em momentos de luto. Este é o ponto mais frágil da cadeia: a necessidade de uma decisão generosa, mas muitas vezes difícil, no momento mais delicado da vida de uma família.

Ao abordar esse tema, é importante questionar: o que pode ser feito para aumentar o número de doadores? Como aumentar o engajamento da sociedade civil, das empresas e dos governos? A aviação brasileira, que já se comprometeu com o transporte de órgãos de forma gratuita através de acordos de cooperação técnica, está fazendo a sua parte. E nós, enquanto cidadãos? Estamos fazendo a nossa?

Em um país com uma das maiores filas de espera por transplantes do mundo, a declaração de doação de órgãos é um dos maiores atos de generosidade que uma pessoa pode oferecer. É uma oportunidade de salvar vidas — muitas vidas.

E para que isso seja possível, cada elo da cadeia precisa funcionar perfeitamente. O transporte aéreo é um deles, garantindo que a esperança chegue a tempo. Mas o primeiro passo está em cada um de nós: informar nossas famílias sobre o desejo de doar e fazer parte dessa engrenagem que salva vidas.

* Wilson Rocha Gomes é gerente do Aeroporto do Bacacheri e Mestre em Administração pela Universidade Positivo

Com Assessorias

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