O Brasil tem mais de 2,5 milhões de profissionais de enfermagem, a segunda maior categoria do país, e cerca de meio milhão de médicos. No centro de uma recente polêmica, por conta de um embate judicial travado em torno do piso salarial da categoria, os profissionais de Enfermagem, que chegaram a ser chamados de “heróis da pandemia”, estão, literalmente, doentes. É o que revela Manuela Rios, de 43 anos e enfermeira há 20, em seu livro “A Saúde Está Doente” (Editora Palavras dos Céus).
“Os profissionais de saúde não cuidam de si em todos os aspectos, físicos, emocionais e estruturais. Muitos são pessoas doentes, cuidando de outras pessoas doentes”, afirma Manu, como é conhecida entre os colegas de profissão. Para chegar a esta conclusão, a enfermeira não só ouviu depoimentos de outros colegas, como estudou e leu alguns livros e pesquisas.
O perfil dos profissionais de enfermagem, traçado pelo Conselho Federal de Enfermagem junto com a Fiocruz, que foi publicado em 2013, já mostrava o quanto a qualidade de vida desses profissionais deixava a desejar. Mais de 50% já se dizia sedentário, além do alto índice de sobrepeso, obesidade e distúrbio do sono. A pandemia só piorou este quadro.
A ideia de escrever o livro surgiu durante a pandemia do novo coronavírus quando a enfermeira contraiu histoplasmose – a doença do morcego – que a deixou internada por 15 dias e mais 6 meses de molho. Só não foi pior graças ao seu bom condicionamento cardiorrespiratório. Este foi o gatilho para a profissional decidir mergulhar num processo de auto reflexão, que culminou no livro.
À seção Ler Faz Bem, do Portal ViDA & Ação, Manu – que também é instrutora de yoga, triatleta e mentora de qualidade de vida – concedeu a seguinte entrevista:
– Como você recebeu o diagnóstico da doença do morcego (uma doença pouco conhecida) e como foi enfrentar o longo processo de cura? Pode detalhar um pouco mais esse período?
Adoeci no começo da pandemia (abril/2020) e achávamos que era Covid. Com o teste dando negativos e os sintomas persistindo iniciei o tratamento para pneumonia que não tive resposta e com a piora tive que internar após 10 dias tentando tratar em casa (lembrando que naquela época a orientação era só ir ao hospital em caso de gravidade).
Após duas idas à emergência, tive que internar. Graças à competência de dois médicos que me atenderam (Dr. Arthur Vianna – pneumologista e Dr. Joaquim Seabra – infectologista), eu tive o diagnóstico clínico de histoplasmose que só veio a se confirmar 100% após a minha alta.
Depois, tomei conhecimento de que o Rio de Janeiro é uma área endêmica da doença, por conta da quantidade de morcegos, principalmente nas áreas com muitas árvores e matas. Fiquei 15 dias internada e demorei seis meses para voltar a trabalhar, mas retomei atividade física imediatamente após a alta (obedecendo as regras de isolamento da época), o que acelerou muito minha recuperação, além de ter feito tratamento medicamentoso durante os seis meses.
– Os profissionais da Enfermagem ganharam visibilidade na pandemia, já que muitos deram a própria vida para salvar outras. O que mudou de lá para cá, na pós-pandemia? O reconhecimento da sociedade trouxe, de fato, benefícios à vida desses profissionais, que muitas vezes ficam à margem ou à sombra dos médicos?
Reconhecimento da sociedade? Não, nunca houve. Absolutamente nada mudou, muito pelo contrário. A enfermagem nunca foi valorizada como de fato deveria. A sociedade precisa tomar ciência de que a enfermagem é quem “faz a roda girar” dentro de um hospital. Sem enfermagem nada funciona. De lá pra cá as coisas só pioraram.
Mês passado tivemos sancionada a LEI Nº 14.434, DE 4 DE AGOSTO DE 2022 , lei esta que institui o piso salarial para enfermeiros, técnicos e auxiliares, onde a aplicação na rede privada deveria ser imediata e na rede pública a partir de 2023. Já recebi inúmeras denúncias de instituições que não só não estão cumprindo a lei, mas ameaçando demissões e até demitindo e contratando novos funcionários com outra função (tem instituição colocando na carteira de trabalho auxiliar de laboratório, de lavanderia, cuidador) para driblar a lei.
Infelizmente muitos profissionais acabam aceitando e não denunciando, com medo de perder seus empregos. É criminoso o que estão fazendo. Em 04/09/22 o ministro Barroso suspendeu a lei do piso salarial e ao mesmo tempo eles aprovaram reajuste dos próprios salários podendo chegar a R$ 46 mil, o que causará um impacto de R$ 26 milhões aos cofres públicos.
As condições as quais os profissionais de Enfermagem são submetidos não são apenas desumanas, mas por muitas vezes também ilegais em muitas situações, o que acaba fazendo com que muitas pessoas desistam da profissão. Somos mais de 2,5 milhões de profissionais, a engrenagem da saúde nesse país, mas estamos gravemente adoecidos, sem valorização e sem reconhecimento.
A sociedade também precisa entender que nem os enfermeiros, nem os técnicos e auxiliares são submissos a nenhuma outra profissão, nem médicos, nem fisioterapeutas, nem nenhuma outra, apenas à direção das instituições. Não existe hierarquia, cada um exerce sua função de acordo com as leis que regem cada uma, com seus conselhos de classe próprio. Daria um livro para contar os abusos que vivenciamos todos os dias.
– A rotina pesada de quem tem que cumprir plantões exaustivos e, muitas vezes, seguidos e ininterruptos, pode acarretar em erros que podem representar o agravamento de um paciente ou mesmo a morte em alguns casos, já que lidam com vidas humanas. Você acha que mortes poderiam ser evitadas – inclusive durante a pandemia – se estes profissionais de saúde se cuidassem mais ou fossem melhor cuidados? O que fazer para mudar essa realidade?
Não tenho a menor dúvida. Um estudo do Instituto D’or, feito antes da pandemia, já mostrava profissionais de saúde com sinais e sintomas de Síndrome de Burnout e que isso, além de afetar a produtividade, impactava negativamente na quantidade de erros médicos.
Durante a pandemia muitos profissionais não treinados e capacitados foram obrigados a trabalhar em CTI e soubemos (através de informações não oficiais) de casos de morte por acidente na hora de entubar. Inclusive, estas mortes poderiam ter sido evitadas se houvesse um olhar mais cuidadoso para os profissionais de saúde.
No meu setor houve um caso de suicídio de uma técnica de enfermagem, dentro do banheiro do nosso descanso, e, após isso, as pessoas continuaram a trabalhar normalmente. Não houve nenhum tipo de acolhimento e cuidado com toda a equipe que presenciou aquela cena. Como você acha que essas pessoas trabalharam?
Somos antes de tudo seres humanos, com medos, sentimentos, dores e se não cuidarmos de nós e as instituições também não cuidarem, que qualidade de assistência você acha que os pacientes recebem? É uma realidade muito triste que precisava com urgência ganhar os holofotes da mídia.
Alimentação, exercícios e benefícios do sono
Com 200 páginas, “A saúde está doente” é dividido em cinco partes, em um total de 20 capítulos. No primeiro, a saúde está no foco, com dicas de alimentação, exercícios e os benefícios do sono. Em seguida, vem a parte financeira, onde Manu relata como é importante organizar as finanças, traçar metas e fazer um planejamento de vida.
A parte 3 discorre sobre gestão de tempo e produtividade e a quarta e a quinta são os pilares para quebrar o círculo vicioso e buscar uma vida com mais qualidade e com saúde mental. E assim Manu vai traçando opções para o leitor mudar seu estilo de vida e contando um pouco da sua trajetória na saúde, onde trabalha no Hospital Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.
Ao começar a mergulhar mais a fundo no tema, Manu decidiu criar um grupo de mentoria, onde pudesse dividir e debater suas experiências com outros profissionais de saúde. Com o incentivo de Joel Jota (ex-nadador da seleção brasileira, mentor de alta performance, escritor best-seller e empresário), seu mentor, recebeu o empurrão necessário para escrever o livro em que aborda suas perspectivas e estudos sobre o que é de fato ter uma boa qualidade de vida.
‘Nunca imaginei escrever um livro, mas sendo uma profissional de saúde, sentia falta de um estudo mais profundo e amplo sobre qualidade de vida para a minha área. O livro “A Saúde está Doente” é uma ferramenta para levar a mensagem que quero passar”, pontua a autora.
Na obra, ela traça, literalmente, uma SETA – método que criou, em que, através de quatro pilares (Saúde, Educação Financeira, Tempo e Autoconhecimento) é possível mudar (e para melhor) a qualidade e o estilo de vida. O livro não é exclusivamente direcionado para profissionais de saúde, mas vale para todas as pessoas que desejam mudar seu estilo de vida, reavaliando hábitos e padrões de comportamento tão enraizados que muitas vezes passam despercebidos.
“A mensagem que quero passar é da importância de se ter uma vida com mais qualidade e quebrar um ciclo vicioso. Quando se tem clareza do que quer, fica mais fácil fazer escolhas. Minha proposta são dicas básicas para se organizar o tempo, a vida financeira e olhar mais para si próprio”, conclui Manu.
Dicas para uma vida mais saudável
Ao ViDA & Ação, a autora dá 7 dicas para quem – não só profissionais de saúde – precisa cuidar melhor da própria saúde em meio à rotina pesada de estresse, insônia, ansiedade e sedentarismo, problemas que são comuns na vida atual de milhares de brasileiros.
“Primeiro quero dizer que não é cuidar só da saúde, mas antes de tudo começar por ela. Sem saúde fica praticamente impossível seguir com qualquer outra coisa”, afirma. Confira as dicas:
1) Cuide do seu corpo: atividade física, alimentação balanceada, sono de qualidade são vitais.
2)Cuide da sua mente: tenha momentos de descompressão, terapia, meditação, hobbies como artes, esportes.
3) Beba água: a ingestão de água (35ml/kg é o ideal) melhora sua disposição, ajuda na perda de peso, ajuda a desinflamar, ajuda no funcionamento do intestino e mantém seu corpo funcionando como deveria.
4) Aprenda a organizar suas finanças: desde se organizar para gastar menos do que ganhar, passando por aprender a fazer renda extra e investir.
5) Tempo de qualidade: reserve alguns momentos do seu dia e da sua semana para dar mais atenção a sua família, amigos, para se divertir.
6) Trabalhe sua espiritualidade: Você não precisa necessariamente ter uma religião, mas você precisa ter algum momento para se conectar com o que acredita ou se conectar com você. Através de orações, mantras, leituras, qualquer coisa que te faça lembrar da sua essência, seus valores, o que faz sentido na sua vida.
7) Seja você: Passamos a vida inteira vivendo o que querem que a gente viva. As escolhas dos nossos pais, as imposições de um padrão da sociedade. Se reencontre e viva a sua verdade. Essa é a verdadeira liberdade.
Sobre a autora
Manuela Rios tem 43 anos, é enfermeira, natural de Maceió (AL), onde se formou pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Em 2006 se especializou em Oncologia e Pesquisa Clínica, pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Radicada no Rio de Janeiro desde 2004, é também instrutora de yoga, triatleta e mentora de qualidade de vida. Atua também como percussionista no grupo Mulheres de Chico e tem visto a vida melhor no futuro, seguindo a música “Tempos Modernos”, de Lulu Santos.