Vivemos em uma era em que a resposta automática para qualquer desconforto tem sido a medicação. Uma dor muscular? Analgésico. Ansiedade? Benzodiazepínico. Tristeza persistente? Antidepressivo.
A verdade é que, embora os medicamentos tenham seu valor e, muitas vezes, sejam indispensáveis, existe uma farmácia interna – gratuita, potente e muitas vezes ignorada – dentro de cada um de nós. E essa farmácia libera substâncias com efeitos tão poderosos quanto, ou até mais, do que muitos fármacos alopáticos.
O corpo humano é uma máquina bioquímica perfeita, capaz de produzir neurotransmissores e hormônios que regulam humor, dor, energia e afeto. O problema é que, para essa farmácia funcionar plenamente, precisamos ativá-la com os hábitos corretos.
Endorfina – o analgésico natural
A endorfina é um opioide endógeno, produzido principalmente no sistema nervoso central, que atua como um potente analgésico natural. Ela é liberada em resposta a exercícios físicos, especialmente os de resistência, como a musculação. Um estudo publicado no Journal of Pain (Boecker et al., 2008) mostrou que indivíduos que praticam exercícios com carga regularmente apresentam maior limiar de dor – justamente pela liberação aumentada de endorfinas.
Equivalente farmacológico: tramadol, morfina.
Forma natural de ativação: musculação, crossfit, exercícios de força.
Serotonina – o estabilizador do humor
A serotonina é um dos neurotransmissores mais estudados quando o assunto é depressão. Mas seu papel vai além: influencia o sono, apetite, memória e aprendizado. E o mais interessante? Podemos aumentá-la naturalmente. A exposição ao sol da manhã, associada a atividades leves, como uma caminhada, melhora sua síntese. A Harvard Medical School reforça que hábitos como atividade física regular, dieta rica em triptofano e boa qualidade do sono favorecem os níveis de serotonina.
Equivalente farmacológico: fluoxetina, sertralina.
Forma natural de ativação: sol da manhã + movimento leve.
Dopamina – o neurotransmissor da motivação
Conhecida como a substância do prazer e da motivação, a dopamina está associada à busca de recompensas. Ela aumenta com atividades que envolvem metas e conquistas – mesmo que simples, como concluir uma caminhada planejada. Segundo Volkow et al. (2009), a dopamina desempenha papel central nos circuitos de recompensa e motivação, e seu desequilíbrio pode levar à procrastinação, depressão e dependência química.
Equivalente farmacológico: ritalina, levodopa.
Forma natural de ativação: caminhada com objetivos definidos, tarefas com metas claras.
Ocitocina – o hormônio do afeto
A ocitocina é a substância da empatia, do vínculo e do relaxamento. Muitas vezes associada apenas ao parto, ela também é liberada em momentos de contato social, toques afetuosos, esportes em grupo e até mesmo interações significativas. O estudo de Uvnäs-Moberg (2003) mostra como o toque físico e o afeto aumentam os níveis de ocitocina e reduzem significativamente os níveis de cortisol, o hormônio do estresse.
Equivalente farmacológico: ocitocina injetável (uso hospitalar).
Forma natural de ativação: esportes coletivos, abraços, vínculo afetivo.
Transformando vícios em hábitos terapêuticos
Mudar hábitos exige mais do que disciplina. Requer conhecimento. Quando o paciente entende que ele mesmo é capaz de ativar sua própria farmácia, ele ganha autonomia. Ao invés de tomar mais um comprimido, ele pode escolher caminhar, se alimentar bem, se expor ao sol e fortalecer vínculos. E, como fisioterapeuta e osteopata, afirmo: o cuidado não está apenas nas mãos dos profissionais da saúde, mas, principalmente, no cotidiano de cada pessoa.
Por fim, lembre-se: medicar menos não é abandonar o tratamento, mas sim ativar recursos naturais que complementam ou até substituem algumas intervenções. A verdadeira revolução da saúde começa quando a farmácia interna é reconhecida, ativada e respeitada.
Referências:
•Boecker, H., et al. (2008). The Runner’s High: Opioidergic Mechanisms in the Human Brain. Cerebral Cortex, 18(11), 2523–2531.
•Uvnäs-Moberg, K. (2003). The Oxytocin Factor: Tapping the Hormone of Calm, Love, and Healing.
•Volkow, N. D., Wang, G. J., Fowler, J. S., Tomasi, D., & Telang, F. (2009). Addiction: Beyond dopamine reward circuitry. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(17), 6898–6903.
•Harvard Medical School (2020). Understanding the stress response. Harvard Health Publishing.