O Papanicolau – exame citopatológico usado no Brasil para rastrear o câncer do colo do útero, conhecido popularmente apenas como ‘preventivo’ – é indicado para mulheres entre 25 e 64 anos, que já tenham iniciado a atividade sexual. No entanto, 21,4% das mulheres que fazem o exame no país estão fora da faixa etária recomendada. O dado faz parte do estudo ‘Um Olhar sobre o Diagnóstico do Câncer do Colo do Útero no Brasil’, que a Fundação do Câncer acaba de lançar.

“Isso equivale a dizer que há gastos de tempo e de recursos desnecessários, além de criar um desequilíbrio entre os benefícios e os danos do rastreamento, principalmente abaixo dos 25 anos”, ressalta Luiz Augusto Maltoni, médico e diretor executivo da Fundação do Câncer.

O boletim epidemiológico info.oncollect 3 revelou que há desigualdades e gastos desnecessários na realização do Papanicolau, . O levantamento aponta que o exame apresenta falhas diversas em seu processo, seja por faixa-etária inadequada, periodicidade do exame ou mesmo por conta da coleta ou análise do material.

Dentre as mulheres que nunca realizaram o exame, 45,7% estão entre 25 e 34 anos. Com relação à raça/cor da pele, no Brasil, a proporção de mulheres que estão em dia com o exame preventivo (menos de 3 anos) é semelhante entre a população branca (44,1%) e parda (43,2%). No Sudeste, a população negra (pardas e pretas) equipara-se à população branca, com 47,9 e 51,0%, respectivamente.

Para Maltoni, o estudo mostrou que há “uma clara falta de adesão às recomendações do Ministério da Saúde”. Ele acrescenta ainda que a baixa escolaridade (ensino fundamental completo ou incompleto) é uma das características entre as mulheres que não estão em dia ou nunca passaram pelo exame. “Notamos ainda que 71% das mulheres que nunca fizeram o preventivo têm menor poder aquisitivo, ou seja, recebem até um salário-mínimo”, complementa.

Para chegar às conclusões sobre o rastreamento – identificação da doença antes do aparecimento dos primeiros sinais e sintomas no país –, os estatísticos da Fundação consideraram a base de dados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2019) de acordo com a estratificação da faixa etária, tempo de realização do citopatológico preventivo, raça/cor de pele, estado civil, escolaridade e renda per capita.

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Demora na entrega do resultado

O levantamento também verificou o período de recebimento do resultado e comparamos a eficácia entre o serviço público e privado em relação a esse fator tempo. Os dados mostram que apenas 40% das mulheres que realizaram o exame pelo SUS receberam o resultado em até 30 dias. Na rede privada esse percentual é superior a 90%.

“A demora na entrega do resultado está relacionada à perda de seguimento para confirmação diagnóstica, o tratamento dos casos alterados e a adesão a outras rodadas de rastreamento”, alerta o epidemiologista Alfredo Scaff, consultor médico da Fundação do Câncer e coordenador do estudo.

Chama atenção também o fato de em torno de 10% das mulheres que realizaram o Papanicolau via SUS nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte nunca terem tido acesso aos seus resultados, enquanto esse fato fica na casa de 2% na rede privada de todo o país.

Desequilíbrios no rastreamento

Para Flávia Corrêa, consultora médica da Fundação do Câncer, doutora em Saúde Pública e colaboradora do estudo, o modelo de rastreamento utilizado no país não é o mais indicado, uma vez que o método é do tipo oportunístico, ou seja, quando a mulher procura um serviço de saúde de forma voluntária para realizar o exame ou quando o profissional de saúde oferece o teste ao recebê-la por outro motivo.

“Por isso, muitas mulheres são rastreadas em excesso e outras sequer fizeram o exame. Também há casos de mulheres rastreadas fora da faixa preconizada. Esse cenário é diferente do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda atualmente: o rastreamento organizado de base populacional, com identificação, convocação e busca ativa da população-alvo”, alerta.

A renda e a cor da pele também evidenciam diferenças que apontam como as ações de políticas públicas precisam ser reestruturadas.

“Ao avaliarmos o perfil das mulheres que nunca fizeram o exame preventivo, observamos que 63% delas eram negras (pretas e pardas), não casadas (74%), de pouca escolaridade (57%) e de baixa renda (71%). Esses indicadores mostram o quão desigual é o rastreamento e, consequentemente, o diagnóstico oportuno do câncer do colo do útero”, analisa a consultora.

Novo método: melhor custo x efetividade

A OMS preconiza como estratégia global para eliminar o câncer do colo do útero que 70% das mulheres de todo o mundo sejam examinadas regularmente com um teste de alto desempenho, como o teste molecular para detecção do HPV.

Alfredo Scaff explica que no Brasil, o método mais usado para detectar lesões pré-cancerosas é a citologia, o Papanicolau. Já o teste de DNA-HPV apresenta maior sensibilidade e interpretação objetiva.

“Além de ser mais custo-efetivo, o novo método antecipa, em quase uma década, o acompanhamento e o tratamento dos casos de câncer. Entre as vantagens estão o aumento da idade de início, maior intervalo entre os rounds, maior detecção de lesões precursoras e câncer em estágio inicial e, principalmente, menor custo do tratamento, tornando o programa de rastreamento mais eficiente, mas apenas se houver adesão às recomendações, o que só ocorre no modelo organizado de base populacional”, esclarece o coordenador da pesquisa.

O epidemiologista da Fundação chama atenção ainda para o fato de a epidemia da Covid ter mudado o cenário brasileiro, facilitando a implementação do novo método: “Hoje, os laboratórios estão equipados para realizar esse exame, o que não ocorria antes da pandemia. O equipamento é o mesmo utilizado para o teste da Covid-19. Só o kit de testagem é diferente.”

Outra mudança recomendada pela OMS diz respeito à faixa etária, cujo rastreamento passa a ser em mulheres de 30 a 49 anos, prioritariamente. Para as mulheres com HIV, a idade continua a partir dos 25 anos.

“A periodicidade para a realização do teste também sofreu alteração, já que a OMS sugere um intervalo regular entre 5 e 10 anos quando o teste utilizado for o molecular. Hoje, a indicação para realização do citopatológico é anual para os dois primeiros exames e, se ambos os resultados forem negativos, a cada três anos para os próximos”, compara Flávia Corrêa.

O papanicolau verifica o colo do útero, usado para detectar possíveis alterações. Recomenda-se a triagem anual. Após dois exames consecutivos (com intervalo de um ano) com resultados normais, os testes preventivos podem ser feitos a cada três anos. O exame também é recomendado a homens trans e pessoas não binárias designadas mulheres ao nascer.

Para ter acesso ao estudo completo, acesse o info.oncollect.

Mais sobre o câncer de colo do útero

O câncer do colo do útero é a principal causa de morte entre mulheres na América Latina, mesmo sendo uma doença evitável e, na grande maioria dos casos, prevenível. No Brasil, mais de 17 mil novos casos da doença devem ser diagnosticados em 2023, segundo o Instituto Nacional do Câncer.

Segundo Alexandre Rossi, médico ginecologista e obstetra, responsável pelo ambulatório de Ginecologia Geral do Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros e médico colaborador de Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, para prevenir a doença, uma das medidas é ficar de olho no HPV, um grupo de vírus muito comum, transmitido principalmente por contato sexual.

Existem mais de 100 tipos de vírus do tipo papilomavírus humano (HPV), dos quais pelo menos 14 são cancerígenos. A boa notícia é que há vacina para prevenção dos mais frequentes, além de exames que podem detectar lesões pré-cancerosas, evitando a evolução da doença.

“Estas medidas podem reduzir significativamente a incidência do câncer de colo de útero, bem como reduzir as taxas de mortalidade, que hoje são tão altas. Se detectado precocemente, o câncer do colo do útero pode ser tratado e curado. Sem o diagnóstico precoce e tratamento adequado, o câncer pode ser fatal”, explica o Dr. Alexandre.

Vale destacar que a maioria das mulheres e homens sexualmente ativos será infectada em algum momento de suas vidas pelo HPV. Em alguns casos, alguns sinais poderão ser notados e facilitarão o diagnóstico. Por este motivo, é importante estar atenta a sintomas como manchas de sangue, sangramentos irregulares e corrimento.

Diagnóstico e prevenção

No Brasil, a vacinação está disponível em postos de saúde de todo o país para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, além de pessoas que vivem com HIV e pessoas transplantadas na faixa etária de 9 a 26 anos. Embora a eficácia das vacinas seja maior se administradas antes da exposição ao HPV, pessoas fora destes grupos também podem se vacinar em postos particulares.

Além da vacinação contra o HPV, o rastreamento e o tratamento de lesões de forma precoce podem prevenir novos casos e mortes. Para isso, as consultas regulares ao médico ginecologista são importantíssimas. Nas consultas, o médico realizará o exame clínico e solicitará exames laboratoriais, como o Papanicolau, a colposcopia e, se necessário, uma biópsia.

“Na maioria das vezes, o HPV não causa doença, mas em outros, ocorrem alterações celulares que podem evoluir para o câncer. Essas alterações podem ser descobertas facilmente no exame preventivo, o citopatológico do colo do útero, também conhecido como Papanicolau”, explica o Dr. Alexandre.

Mesmo mulheres vacinadas devem realizar as consultas e exames preventivos regularmente, pois a vacina não protege contra todos os subtipos do HPV.

 

Com Assessorias

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