O Brasil pode ser o primeiro país no mundo a desenvolver uma vacina contra a hanseníase, um problema mundial de saúde pública que ameaça a Humanidade há séculos e ainda causa muito preconceito e discriminação em quem sofre. O Ministério da Saúde financia, juntamente com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o ensaio clínico para avaliar a eficácia da Lepvax, primeira vacina específica para hanseníase do mundo.
No momento, a Fiocruz aguarda liberação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para prosseguir os testes. A informação foi dada nesta terça-feira (23), pelo Ministério da Saúde, durante anúncio de novos investimentos este ano para a prevenção e o tratamento da hanseníase no Brasil, durante a abertura oficial do Janeiro Roxo – mês de conscientização sobre a doença – em Brasília.
De acordo com o Boletim Epidemiológico de Hanseníase 2022, lançado nesta terça-feira, em 2022 foram registrados em todo o mundo 174.087 casos novos da doença, correspondendo a uma taxa de detecção de 21,8 casos por 1 milhão de habitantes. Índia, Brasil e Indonésia reportaram mais de 10 mil casos novos de hanseníase cada um. Hoje, o Brasil permanece na segunda colocação no ranking de países em incidência da doença, só perdendo para a Índia.
Municípios devem promover busca ativa para detectar novos casos
A maior parte dos R$ 55 milhões que a pasta vai repassar (R$ 50 milhões) será diretamente para 955 municípios nas 27 unidades da federação que são classificados como de alta endemia – quando há o registro de mais de 10 casos por 100 mil habitantes. Os recursos serão destinados à execução de ações prioritárias, objetivando a eliminação da doença.
Os municípios selecionados deverão investir a verba federal em ações como a busca ativa para detecção de casos novos de hanseníase; aplicação de testes rápidos nos contatos de casos registrados a partir de 2023, para rastreio daqueles com maior chance de adoecimento; resgate de casos em situação de abandono, dentre outras.
A pasta anunciou também mais R$ 4 milhões para investimento em pesquisa de novos medicamentos para o tratamento da hanseníase. Também foi anunciada a abertura de edital de R$ 1 milhão direcionado às organizações não governamentais brasileiras (ONGs) para ações de enfretamento ao estigma e a discriminação e educação em saúde.
Brasil já oferece testes rápidos e pensão vitalícia a filhos de pacientes
No ano passado, o ministério também investiu na produção de teste rápido para a doença: ao todo, foram distribuídos 150 mil testes para avaliação de contatos nos 27 estados. O Brasil é o primeiro país do mundo a ofertar testes rápidos para detecção da hanseníase na rede pública. Em 2023 um total de R$ 5 milhões, já liberados pela pasta para a pesquisa e desenvolvimento nacional da nova vacina e novos testes para hanseníase.
Além disso, o presidente Lula sancionou a lei que institui indenização em formato de pensão vitalícia aos filhos daqueles que ficaram isolados em colônias de pessoas acometidas pela hanseníase no século passado e foram separados de seus pais, seguindo um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em 2022.
Compromisso é erradicar a hanseníase até 2030, como pede a OMS
Os novos investimentos fazem parte do compromisso de eliminar as doenças negligenciadas, como a hanseníase, até 2030, como preconiza a Organização Mundial de Saúde (OMS). “No âmbito do governo federal, os esforços têm sido para buscar alcançar a equidade em saúde e a redução das desigualdades sociais”, informou a pasta.
De 2013 a 2022, foram notificados 316.182 casos de hanseníase no Brasil. Desse total, 80,6% (254.918) foram casos novos, sendo 55,6% (141.671) em homens. A razão de sexo aumentou de 1,2 (12 homens para cada 10 mulheres) em 2013, para 1,3 em 2022.
Já a taxa de detecção, no período entre 2013 e 2019, reduziu 14,3%. A incidência saiu de 15,44 casos novos por 100 mil habitantes em 2013 para 13,23 casos novos por 100 mil habitantes em 2019.
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‘Endemia oculta’: números parecidos com os do HIV revelam diagnóstico tardio
Doença é subdiagnosticada no Brasil – é preciso aumentar o número de diagnósticos, alerta SBH
O Brasil é um país endêmico para a hanseníase, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A Sociedade Brasileira de Hanseníase (SBH) alerta para uma “endemia oculta de hanseníase” no país. Segundo a entidade, até 2019, cerca de 30 mil novos casos eram diagnosticados ao ano – número este semelhante às notificações de HIV/AIDS.
“Houve queda de diagnósticos com a pandemia e o país ainda não chegou ao patamar de notificações do período pré-pandemia. O aumento de diagnósticos é fundamental para quebrar a cadeia de transmissão do bacilo e, finalmente, controlar a doença no país. A SBH ao longo dos últimos anos tem alertado que o número real de doentes pode ser de três a cinco vezes maior do que os números oficiais atuais”, informa.
Segundo o Boletim Epidemiológico da Hanseníase 2022, 19.963 casos novos foram diagnosticados no Brasil de 2011 a 2020 com grau 2 de incapacidade física, ou seja, com sequelas irreversíveis e incapacitantes (a edição de 2023 será divulgada nos próximos meses).
“A proporção de casos novos de hanseníase diagnosticados com grau 2 é um importante indicador de diagnóstico tardio em todo o país. O diagnóstico precoce também é importante para evitar sequelas”, alerta a SBH.
Acesse o Boletim Epidemiológico
Falta de informação com base em evidências científicas e preconceito, são grandes entraves no enfrentamento à doença, o que justifica a oficialização do mês Janeiro Roxo. Por isso, desde 2016 a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) promove a campanha “Todos contra a Hanseníase”, que tem caráter educativo.
As doenças tropicais negligenciadas
A hanseníase é uma doença negligenciada que afeta milhares de pessoas em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento. “O controle representa um desafio para os sistemas de saúde, mas é válido reforçar que a doença tem cura”, informa o Ministério da Saúde.
Em 2020, segundo o NTD World Day – Dia Mundial das Doenças Tropicais Negligenciadas, 600 milhões de pessoas a menos do que em 2010 necessitaram de intervenções contra essas enfermidades, incluindo a hanseníase, que afetam mais de 1,7 milhão de pessoas pelo mundo e que vivem nas regiões mais pobres do planeta. A boa notícia é que 50 países já eliminaram algumas das doenças tropicais negligenciadas, mostrando que é possível vencer as DTNs.
Pelo menos 18 enfermidades são consideradas DTNs porque têm tratamento e cura, mas ainda cegam, incapacitam e desfiguram as pessoas, comprometendo, além da saúde, a vida familiar, escolar e até o convívio social. As DTNs ameaçam pessoas que vivem nas comunidades mais pobres e marginalizadas em todo o mundo.
Além da hanseníase, são consideradas Doenças Tropicais Negligenciadas algumas enfermidades bem conhecidas dos brasileiros, como dengue, raiva, doença de Chagas, leishmaniose e esquistossomose.
Outras doenças classificadas como DTNs são parasitoses, úlcera de Buruli, cisticercose, dracunculíase (doença do verme da Guiné), equinococose, fasciolíase, tripanossomíase africana (doença do sono), filaríase linfática, oncocercíase (cegueira dos rios), tracoma e o bouba.
Recursos vêm do Complexo Industrial da Saúde
Os recursos a ser aplicados no combate à hanseníase estão no âmbito da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), que visa expandir a produção nacional de itens prioritários para o SUS e reduzir a dependência do Brasil de produtos de saúde estrangeiros.
A medida faz parte da estratégia do ministério, no âmbito do Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente (Ciedds), instituído por meio do Decreto 11.494/23.
O anúncio dos novos investimentos no combate à hanseníase foi feito durante o evento ‘Compartilhar Desafios: Janeiro Roxo 2024 – Uma jornada para a integração e avanços em hanseníase’, em Brasília. ai até a quarta-feira (24) na capital federal.
O encontro tem a participação de representantes do ministério, da Organização Pan-Americana de Saúde Opas/OMS), de professores de universidades federais, dentre outros especialistas no tema.
O evento pode ser acompanhado via transmissão online (veja abaixo):
Agenda Positiva
Monumentos são iluminados no ‘Janeiro Roxo – Todos contra a Hanseníase’
A iluminação de monumentos é uma estratégia do NTD World Day – Dia Mundial das Doenças Tropicais Negligenciadas, movimento global que ocorre, neste ano, dia 30 de janeiro, e que tem a liderança da Organização Mundial da Saúde com apoio do Tribunal do Príncipe Herdeiro de Abu Dhabi.
O movimento envolve mais de 300 organizações parceiras, academias, doadores, indústria farmacêutica, sociedade civil e setores privados. A SBH é parceira da ação mundial com a campanha “Todos contra a Hanseníase”, que acontece desde 2016, durante todo o ano e com ênfase no mês Janeiro Roxo.
Na capital federal, a sede do Senado Federal inaugura iluminação especial nesta quarta-feira, dia 24, em adesão à campanha; A iluminação roxa será acesa nesta quarta (24), às 18h45, e segue até o dia 31 de janeiro.
Em Campo Grande-MS as luzes estão na entrada do Hospital São Julião, ex-leprosário, com mais de 80 anos de história, hoje referência no tratamento da hanseníase para o estado. A iluminação faz parte de uma série de ações educativas que se estenderão pelo ano todo, em Mato Grosso do Sul.
No interior paulista, o Theatro Pedro II, de Ribeirão Preto, terceiro maior teatro de ópera do Brasil, também tem participado da campanha há vários anos. A casa foi inaugurada em 1930, sofreu incêndio em 1980 e reinaugurado em 1996, quando ganhou uma cúpula com projeto assinado pela artista Tomie Ohtake e é um marco cultural e histórico em Ribeirão Preto.
A fachada do Relógio da CTI (Companhia Taubaté Industrial), que fica sobre uma torre com dez andares. Em Taubaté, a campanha conta com várias atividades educativas e de busca de casos nas 46 unidades da Secretaria Municipal de Saúde. , Ambos são patrimônios tombados pelo Condephaat.
Com informações do Ministério da Saúde e SBH