‘Bacilo da hanseníase não escolhe condição social’, diz médico

‘Doença é diagnosticada em pessoas ricas, pobres, brancas, pretas, pardas sem discriminação”, afirma presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia, que promove a campanha Janeiro Roxo

Brasil é um dos países com maior aumento de casos de hanseníase no mundo (Reprodução de internet)
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O Brasil não é apenas o segundo país com mais casos – perdendo apenas para a Índia em números absolutos –, mas concentra mais de 90% dos doentes diagnosticados nas Américas e é o primeiro no ranking mundial em taxa de detecção, ou seja, tem o maior número de casos novos em tratamento a cada grupo de 100 mil habitantes.

Outra informação importante é que a doença não se restringe às populações mais pobres. O alerta é importante na campanha Janeiro Roxo – Todos contra a Hanseníase, da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), que é realizada em caráter permanente desde 2015, com ênfase no primeiro mês do ano, oficializado pelo Ministério da Saúde desde 2016.

“O bacilo não escolhe condição social e a hanseníase é diagnosticada em pessoas ricas, pobres, brancas, pretas, pardas sem discriminação. A diferença é que pessoas em situação de vulnerabilidade social têm condições mais precárias de saúde e vivem em aglomerados onde se transmite mais intensamente o bacilo que causa a hanseníase”, alerta o médico Marco Andrey Cipriani Frade, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP e presidente da SBH.

hanseníase está na lista das doenças tropicais negligenciadas. São mais de 20 doenças, tratáveis e curáveis, porém ainda cegam, debilitam, desfiguram, incapacitam as pessoas, tiram crianças da escola, afastam pessoas do trabalho, do convívio social e de suas famílias.

“O preconceito é um agravante importante no enfrentamento à doença. Há a crença de que a hanseníase não existe mais e muitas pessoas recusam o diagnóstico, outras são desdiagnosticadas por profissionais que não conhecem a doença e milhares passam por vários serviços de saúde públicos e privados ao longo da vida e depois de cinco, dez anos ou até mais recebem o diagnóstico de hanseníase quando a doença já é muito evidente e o paciente apresenta sequelas muitas vezes incapacitantes e irreversíveis”, explica Frade.

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Regiões com mais casos podem quebrar cadeia de transmissão

O Brasil é considerado endêmico para a hanseníase pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Estados do Maranhão, Roraima, Pará, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Mato Grosso apresentam os maiores índices da doença. Segundo a SBH, ao contrário do que se pensa, as regiões com maior número de diagnósticos têm possibilidade de quebrar a cadeia de transmissão do bacilo mais rapidamente.

“O problema está em municípios silenciosos porque há perda notória de expertise dos profissionais de saúde em reconhecer a hanseníase em suas formas mais sutis na pele e com manifestações essencialmente neurais”, ressalta o presidente da SBH.

A tese se justifica porque historicamente, nas localidades inicialmente sem registro de hanseníase e que recebem treinamento/capacitação de profissionais de saúde, campanhas educativas e busca ativa de casos, as notificações aumentam significativamente, o que mostra que a doença não está sendo percebida em milhares de municípios brasileiros.

Doença tem cura se tratamento e diagnóstico chegam cedo

Hanseníase tem cura, se chegarmos cedo com o diagnóstico e tratamento”, diz o presidente da SBH. Mas como podemos falar em cura se o paciente é diagnosticado só depois que já desenvolveu sequelas incapacitantes sem possibilidade de reversão?”

O Bacilo de Hansen, causador da doença, afeta os nervos e tem lenta evolução. Por vários anos, o paciente sente dores, formigamentos ou fisgadas pelo corpo e não são raros casos de internação por enfarto. Com a evolução da doença, o doente pode apresentar manchas esbranquiçadas ou avermelhadas na pele e diminuição ou perda de sensibilidade ao toque, à dor, ao frio e calor, dentre outros sinais e sintomas. A transmissão se dá de pessoa doente para pessoa saudável.

A fisioterapeuta Thania Loiola Cordeiro Abi Rached, membro da SBH e doutora pela Faculdade de Medicina-USP Ribeirão Preto, ressalta que é preocupante o número de diagnósticos tardios no Brasil, quando a doença já está em estágio visível e avançado. “O paciente chega com deformações nos pés, mãos, face, orelhas, com mãos em forma de garras, pés caídos e perda de movimentos com incapacidade para o trabalho”.

Casos no Brasil alertam para diagnóstico tardio

Segundo o Boletim Epidemiológico da Hanseníase 2022, 19.963 casos novos foram diagnosticados no Brasil de 2011 a 2020 com grau 2 de incapacidade física, ou seja, com sequelas irreversíveis e incapacitantes.

O boletim do Ministério da Saúde fala em 7,1% de casos novos de hanseníase diagnosticados já com grau 2 em 2011 e 10% em 2020. O documento ressalta que a proporção de casos novos de hanseníase diagnosticados com grau 2 é um importante indicador de diagnóstico tardio no país.

“Embora cerca de 10 mil casos novos não tenham sido diagnosticados devido à pandemia nos últimos três anos, não voltamos aos números de 2019 com cerca de 30 mil novos casos ao ano – número este semelhante às notificações de HIV/AIDS”, explica o presidente da SBH.

A entidade alerta para uma endemia oculta de hanseníase no país e ressalta que o número real de doentes seja três a cinco vezes maior. Também é preocupante o número de casos em menores de 15 anos, o que indica contato da criança ainda muito nova com o Bacilo de Hansen.

Medicamentos já têm mais de 40 anos

O diagnóstico precisa ser feito quando o paciente tem as primeiras manifestações como formigamentos ou dormências no corpo que, associados a outros sinais característicos, compõem o diagnóstico da hanseníase em exame clínico.

Exames de laboratório são capazes de detectar o bacilo em apenas 50% dos casos; os outros 50% apresentam sinais e sintomas que dependem de treinamento profissional para serem identificados. O exame clínico é suficiente. O Brasil recebe a medicação da OMS e o tratamento é gratuito nas unidades de saúde do SUS.

Mais um problema que agrava este cenário é que a hanseníase é tratada com uma combinação de medicamentos conhecida como poliquimioterapia. Porém, os antibióticos usados no Brasil e no mundo já têm mais de 40 anos. Para a SBH, o país tem estrutura e tecnologia para produção de medicamentos mais modernos e de custo acessível.

Outro problema é que o país apresenta um número preocupante de casos de resistência do bacilo por falência de tratamento. Ou seja, o paciente continua com bacilos vivos mesmo após concluir o tratamento. Outro fator são as recidivas (volta da doença tempos depois da alta médica).

Por que a doença é negligenciada?

Lamentavelmente, a hanseníase está entre as doenças com pouco interesse da indústria farmacêutica. Além disso, as escolas das áreas de saúde têm diminuído significativamente o tempo dedicado ao ensino da hanseníase, formando profissionais despreparados e inseguros para fazer diagnóstico. O tema não é tratado nas escolas como ocorreu até os anos 1990.

A SBH, com o apoio de inúmeros parceiros, tem promovido treinamentos/capacitações para profissionais da Atenção Básica à Saúde em várias regiões brasileiras, e retomou recentemente o curso de especialização para a formação de médicos hansenologistas, o que não acontecia há mais de 40 anos. Todo esse esforço conjunto tem resultado em aumento de diagnóstico nas regiões capacitadas.

Todos Contra a Hanseníase

O diagnóstico precoce, a prevenção de incapacidade física e o controle da doença podem ser conquistados com informação à população. A falta de informação é mais um problema a ser enfrentado. Para isso, desde 2015, a SBH tem a campanha nacional Todos contra a Hanseníase, ação permanente, mas intensificada no mês Janeiro Roxo, oficializado em 2016 pelo Ministério da Saúde para ações de conscientização sobre a hanseníase.

A campanha Todos contra a Hanseníase é parceira oficial do NTD World Day/Dia Mundial das Doenças Tropicais Negligenciadas, que ocorre em 30 de janeiro – esta, uma ação global para o enfrentamento das mais de 20 doenças negligenciadas no mundo.

A campanha da SBH é um movimento educativo permanente, feito em unidades de saúde, hospitais, escolas, empresas, praças, parques, com distribuição da cartilha Todos contra a Hanseníase, rastreio de casos, iluminação de monumentos na cor roxa no mês de janeiro etc.

Ações multidisciplinares de controle e conscientização podem quebrar a cadeia de transmissão do bacilo, como foi feito em países que conseguiram o controle da doença.

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