Deixar de ir ao médico para consultas de rotina ou em caso de dor ou doença parece algo impensável, não é mesmo? Entretanto, essa é a realidade de muitas pessoas surdas ou com deficiência auditiva severa. E por que isso? Pela dificuldade na comunicação. Ter de escrever ou depender de alguém que informe ao médico os sintomas que estão sentindo é, por vezes, um incômodo que muitos surdos preferem evitar.

A maioria das pessoas com surdez se comunica principalmente por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras), que é reconhecida como língua oficial do país desde 2002. Na área da educação, já existem intérpretes e auxiliares, mas no setor de saúde elas dependiam totalmente de alguém da família ou da busca por um intérprete.

Uma pesquisa realizada pela médica Alyne Pacífico com idosos surdos procurou saber qual seria a maior dificuldade enfrentada por eles. O resultado do levantamento, obtido quando ela cursava mestrado em gerontologia, foi unânime: o atendimento médico. Todas as pessoas consultadas disseram que o maior problema era nos cuidados com a saúde.

Diante dessa dificuldade, uma das principais demandas é o acesso a um serviço de saúde especializado, que favoreça a comunicação e respeite a identidade linguística dos surdos. Por isso, um dos maiores desafios da comunidade surda é cuidar da saúde, um aspecto destacado neste Dia Nacional de Prevenção à Surdez (10 de novembro).

Escassez de profissionais para atendimento psicológico

Defensor público federal André Naves (Foto/Divulgação Assessoria Ex-Libris)

Ainda há, por exemplo, muita escassez de profissionais na área da saúde mental capacitados para atender à essa população.

“Pesquisas mostram que a falta de um bom atendimento de saúde e de um atendimento psicológico adequado pode trazer consequências negativas para a saúde dos surdos, afetando inclusive o aspecto mental, trazendo ansiedade, depressão, baixa autoestima e isolamento social. Por isso, é fundamental que haja um serviço especializado que leve em conta as especificidades dos surdos, com o uso de Libras, acessibilidade comunicacional e inclusão social”, ressalta o defensor público federal André Naves, que é especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social.

O defensor público reforça a necessidade de os surdos terem conhecimento de seus direitos e saibam onde buscar ajuda especializada quando precisarem.

Existem serviços especializados em saúde mental para surdos em várias cidades do país, que contam com psicólogos fluentes em Libras e com experiência no atendimento à comunidade surda. Ele cita, por exemplo, o Centro de Referência em Saúde Mental para Surdos (CRES) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); o Núcleo de Atendimento Psicológico aos Surdos (NAPS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Centro de Atendimento Psicológico ao Surdo (CAPS) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

“Neste Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez, é importante lembrar que os surdos também têm direito a uma vida plena e digna, mas para que isso se torne uma realidade é preciso mais investimento em políticas públicas e na formação de profissionais especializados, e maior conscientização e respeito da sociedade sobre a diversidade humana”, ressalta.

Deficiência auditiva em números

A audição é um dos sentidos mais importantes do ser humano, fundamental para nos conectarmos com o mundo. A deficiência, que pode ser congênita ou adquirida ao longo da vida, traz diversos danos à qualidade de vida das pessoas, impactando a comunicação e as relações interpessoais. Problemas de ouvido e audição estão entre as ocorrências de saúde mais comuns na população.

No mundo todo, mais de 1,5 bilhão de pessoas enfrentam algum grau de surdez, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 5% da população apresentam alguma deficiência auditiva. Essa porcentagem significa que mais de 10 milhões de cidadãos têm alguma dificuldade para ouvir, sendo que 2,7 milhões têm surdez profunda, ou seja, não escutam nada.

De acordo com a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (Aborl-CCF), a estimativa dos especialistas é de que 15 milhões de habitantes tenham algum comprometimento na capacidade de ouvir. A Sociedade Brasileira de Otologia (SBO) estima que, de cada mil crianças nascidas no Brasil, cerca de três a cinco já nascem com deficiência auditiva.

Estudo feito em conjunto pelo Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda revela que 9% das pessoas com deficiência auditiva nasceram com essa condição e 91% adquiriram ao longo da vida, sendo que metade foi antes dos 50 anos.

Por isso, neste dia 10 de novembro, Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez, o país chama a atenção para a importância das ações de combate e prevenção à surdez. A data é uma oportunidade para conscientizar e prevenir a população das principais causas que podem levar à perda auditiva, seja em grau leve, moderado, severo ou profundo.

Os principais problemas que geram prejuízos à audição

A Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) e a Sociedade Brasileira de Otologia (SBO) alertam os problemas que mais geram prejuízos à audição.

Barulho intenso

Ao longo da vida, vários fatores levam as pessoas a adquirirem problemas auditivos, como exposição por períodos prolongados a ruídos intensos, uso indiscriminado de fones intraauriculares com volume muito alto e trauma acústico, como rojões, sons intensos em aparelhos de alto-falante, trios elétricos, carros de som, etc.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1 bilhão de pessoas com idade entre 12 e 35 anos correm o risco de ter a audição comprometida devido à exposição excessiva à música e outros sons recreativos em elevada intensidade. De forma geral, os ouvidos apresentam alguma proteção para sons abaixo de 80 dB, segundo especialistas da ABORL-CCF. A partir disso, o risco de lesão auditiva aumenta exponencialmente. A exposição a 90 dB por quatro horas, por exemplo, já é suficiente para causar perda auditiva.

“Pessoas que trabalham em fábricas ou locais em que há muito barulho, como aeroportos e casas de show, precisam usar protetor auricular. Outro alerta importante é com relação aos fones de ouvido. É preciso prestar atenção no volume, não o deixando alto demais nem usando em períodos muito longos”, orienta o presidente da SBO e membro da ABORL-CCF, Arthur Menino Castilho.

Surdez súbita

Caracterizada pela perda da audição de forma brusca e na maioria dos casos sem causa aparente, a surdez súbita pode afetar um ou os dois ouvidos. O problema atinge cerca de 15 mil pessoas por ano, segundo estatísticas de um estudo publicado na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. Muitas vezes, essa condição acompanha outros sintomas, como zumbido e tontura.

“Mesmo sem uma causa definida em aproximadamente 85% dos casos, sabemos que a surdez súbita pode estar relacionada a alguns fatores, como infecções virais, doenças autoimunes, determinados medicamentos, distúrbios no ouvido interno e até exposição demasiada a ruídos”, informa Castilho.

Infecções no ouvido

As infecções no ouvido, chamadas de otites, quando não tratadas adequadamente, podem causar um dano nas estruturas responsáveis pela audição e até evoluir para a meningite, doença caracterizada pela infecção na meninge (membrana que reveste o cérebro).

“Quando graves e sem a intervenção médica, as infecções no ouvido podem trazer complicações mais sérias, que vão além da dor e febre, considerados os sintomas mais comuns das otites. Como o ouvido está muito perto do cérebro, a infecção pode chegar às meninges e causar meningite, que são infecções potencialmente graves e com riscos de sequelas definitivas. Estes quadros têm uma maior prevalência na população infantil”, explica o presidente da SBO.

Aproximadamente uma em cada dez crianças com meningite desenvolve surdez como resultado da doença, de acordo com a Sociedade Britânica de Crianças Surdas (The National Deaf Children’s Society – NDCS), mas o risco de surdez secundária à meningite pode ocorrer em qualquer idade.

Doenças crônicas não controladas, como diabetes e pressão alta

Diabetes e hipertensão são as duas principais enfermidades crônicas que estão associadas com a perda auditiva, se não estiverem sob controle. Pacientes diabéticos são duas vezes mais propensos a ter esse problema em comparação com aqueles que não têm a doença, de acordo com um estudo divulgado pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH), dos Estados Unidos.

De acordo com os especialistas, no caso da diabetes, os elevados níveis de açúcar no sangue podem afetar os vasos sanguíneos, prejudicando a irrigação até as estruturas do ouvido interno e gerando danos nas vias neurais responsáveis pela audição.

“Além do controle da glicemia, a circulação sanguínea desempenha um papel na manutenção de uma boa saúde auditiva, por isso a pressão arterial também precisa estar normalizada. Quando ela está alta, as artérias ficam comprimidas e a irrigação sanguínea para o ouvido interno diminui. O fluxo inadequado tende a acelerar a degeneração do aparelho auditivo”, destaca o especialista e membro da ABORL-CCF.

Traumas na cabeça

Acidentes, traumatismo craniano e outras lesões na cabeça podem afetar as estruturas da orelha média e interna e os mecanismos responsáveis pela comunicação entre o ouvido e o cérebro. Em casos como esses, os especialistas orientam a busca por assistência médica imediata para exames mais específicos que vão avaliar o impacto da ocorrência e poder definir o melhor tratamento para cada quadro.

Como perceber o problema auditivo

A otorrinolaringologista Juliane Tuma (foto), que atende no centro clínico de Goiânia, detalha o que observar para saber se possui algum problema de audição. Nos adultos eles conseguem perceber quando há uma diminuição na acuidade auditiva. Além disso, muitas vezes as pessoas escutam, mas não entendem, ou seja, não compreendem o que está sendo dito.

“Nas crianças em idade escolar deve-se observar o desempenho e se há alguma dificuldade no aprendizado. Em bebês existe o ‘teste da orelhinha’, que é um exame de triagem feito nos primeiros meses de vida. Com qualquer alteração percebida deve-se procurar um otorrinolaringologista que encaminhará para avaliação fonoaudiológica e a realização de exames complementares”, explica.

Segundo a médica, nem sempre é possível recuperar o que foi perdido. Depende do tipo de perda auditiva, existem vários tipos: perda auditiva condutiva ou de condução; perda auditiva mista, perda auditiva neurossensorial, PAIR (perda auditiva induzida por ruído), entre outras.

Prevenção e diagnóstico

Para prevenir problemas auditivos adquiridos, a oftalmologista Juliane Tuma recomenda evitar uso de hastes flexíveis (tipo cotonetes) que podem, além de lacerar o conduto auditivo externo, perfurar a membrana timpânica.

Ela também alerta para evitar exposição a altos ruídos, principalmente por longos períodos e evitar o uso de medicações ototóxicas, ou seja, que podem prejudicar o sistema auditivo. “Além disso, levar um estilo de vida saudável, com boa alimentação e exercícios físicos sempre ajuda”, afirma.

Ela reforça que em todos os casos a avaliação multidisciplinar com otorrino e fonoaudiólogo deve ser realizada. “Para cada tipo de perda, uma conduta diferente deverá ser tomada, mas algumas perdas são irreversíveis”, pontua.

Tratamento para perda auditiva

Existem muitas possibilidades de tratamento para perdas auditivas, como uso de medicação específica, reabilitação da audição através do uso de  aparelhos auditivos convencionais, cirurgias otológicas, próteses auditivas cirurgicamente implantadas e até implantes cocleares.

“Portanto, além de se proteger, se houver qualquer dúvida em relação à audição ou sintoma de que algo não está bem, é fundamental consultar um médico otorrinolaringologista. Quanto mais precoce for o diagnóstico e o tratamento, maiores são as chances de recuperação da audição,” finaliza Castilho.

Com Assessorias

 

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