No mundo, estima-se que 15% da população possui algum tipo de deficiência, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Essas pessoas enfrentam desafios diários, desde a falta de acessibilidade em espaços públicos até barreiras no mercado de trabalho. A inclusão de pessoas com deficiência (PcDs) no mercado de trabalho e no serviço público representa um avanço significativo nas políticas públicas de igualdade e inclusão social.
No Brasil, existem leis que garantem o direito ao emprego para esse público, mas a realidade encontrada é outra, sendo que o nível de ocupação em emprego das pessoas com deficiência é de apenas 26,6%, em contraste com 60,7% da população total, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidos por meio da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), em 2022.
O estudo revela que o acesso à educação, ao mercado de trabalho e à renda das pessoas com deficiência é menor em comparação com a população sem deficiência. Os números refletem as desigualdades estruturais que dificultam a inclusão dessa parcela da sociedade, que não é pequena, tendo em vista que 18,2 milhões de brasileiros com mais de 2 anos de idade tem alguma deficiência, e chamam atenção na semana dedicada ao Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3 de dezembro).
Preconceito impede acesso ao mercado de trabalho, diz advogada
A Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (Lei 8213/1991) foi um marco na inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A legislação traz as seguintes regras para a contratação pelas empresas privadas de acordo com a quantidade de funcionários. De 100 a 200 empregados, a reserva legal é de 2%; de 201 a 500, de 3%; de 501 a 1.000, de 4%. As empresas com mais de 1.001 empregados devem reservar 5% das vagas para esse grupo. O descumprimento da norma pode resultar em multas que chegam até R$ 265 mil.
Apesar da previsão legal, a realidade enfrentada por PCDs no Brasil é repleta de dificuldades de inserção no mercado de trabalho, com negativas frequentes durante o processo de recrutamento, muitas vezes motivada por preconceito”, explica a advogada Nilza Sacoman, especialista em direito na saúde.
62% têm dificuldade de comprovar a deficiência
Pesquisa realizada pela Catho em 2024 para entender o cenário das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, feita para informar e conscientizar pessoas e empresas sobre oportunidades para este público, mostrou que 68% dos entrevistados acreditam que as empresas contratam pessoas com deficiência apenas para cumprir a Lei de Cotas. Ao todo, foram 775 respondentes, sendo 52% residentes no estado de São Paulo e 48% de outros estados.
Conheça outros dados destacados no levantamento:
- 62% nunca receberam promoções, mesmo atuando há muito tempo na área;
- 62% tiveram dificuldade para comprovar a deficiência por meio de laudo médico ou certificado do INSS;
- 49% relataram já ter sofrido algum tipo de discriminação no ambiente de trabalho;
- 46% entendem que o mercado de trabalho para PCDs está retraído ou, praticamente, inexistente;
- 35% não se identificam como uma pessoa com deficiência no currículo, pois não sabiam que tratava-se de algo necessário
- 31% dos candidatos procuram por vagas de emprego exclusivas;
- 26% possuem receio de não ser convidado para entrevista por causa de sua deficiência;
- 25% dos profissionais declararam o acesso ao laudo ou certificado de reabilitação do INSS como um processo difícil e que gera custo
- 20% declararam pensar em mudar de emprego por não ter perspectiva de desenvolvimento de carreira;
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Vagas reservadas: como comprovar a deficiência em concursos públicos
Documentação médica é essencial para garantir direitos de PcDs no serviço público
Não é apenas nas empresas privadas que as pessoas com deficiência enfrentam dificuldades no acesso às vagas previstas pela Lei de Cotas. No serviço público, PcDs enfrentam problemas na hora de comprovar a deficiência também para se inscrever nos concursos públicos.
A Lei 8.112/1990 estabelece que é assegurado às pessoas com deficiência o direito de se inscrever em concurso público, compatível com a deficiência, sendo reservadas até 20% das vagas oferecidas. As vagas reservadas são regulamentadas por diversas legislações, sendo necessário a comprovação da deficiência de acordo com as exigências e critérios técnicos e legais estabelecidos no edital.
A médica Caroline Daitx, especialista em medicina legal e perícia médica, destaca que essa definição é ampla e busca atender às especificidades de diferentes condições de saúde. “O conceito de deficiência vai além da avaliação física do corpo e inclui barreiras impostas pelo ambiente, sejam elas sociais, arquitetônicas ou de comunicação. A comprovação depende de uma análise criteriosa que deve ser conduzida por profissionais capacitados, com base em documentos médicos claros e fundamentados”, explica.
O processo de comprovação da deficiência para concursos públicos envolve a apresentação de laudos médicos que atestem a condição do candidato, baseados nos critérios estabelecidos pela legislação e descritos nos editais.
Esses laudos devem conter informações detalhadas sobre a deficiência, incluindo o diagnóstico clínico de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), a descrição do impacto funcional e, quando necessário, exames complementares, como audiometria, campimetria ou imagens radiológicas. A objetividade do laudo é essencial para evitar interpretações equivocadas durante a análise pericial. Relatórios bem elaborados, fundamentados na ciência e na ética, são instrumentos indispensáveis para assegurar os direitos dos candidatos”, afirma a médica.
Os editais costumam prever etapas de avaliação presencial ou documental, conduzidas por comissões médicas formadas para verificar a autenticidade e a adequação das informações apresentadas. Daitx ressalta que essa análise deve levar em conta não apenas os aspectos físicos da deficiência, mas também o impacto na vida diária e na interação com o ambiente.
A avaliação multiprofissional e interdisciplinar é uma das maiores conquistas do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Ela permite que os candidatos sejam analisados de forma ampla, considerando fatores como impedimentos corporais, limitações na execução de atividades e restrições à participação social”, reforça.
Daitx enfatiza que o candidato deve ter um cuidado especial ao analisar os editais de concursos, garantindo que sua documentação atenda a todos os requisitos técnicos e legais. “É imprescindível que os candidatos conheçam não apenas seus direitos, mas também os critérios definidos nos editais”, finaliza a especialista.
Acesso a próteses e órteses
A Lei Brasileira de Inclusão de Pessoa com Deficiência (LBI), Lei nº 13.146/2015, popularmente chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, define pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A legislação brasileira, que completa 10 anos em 2025, incorpora os princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ao tratar de assuntos como discriminação, acessibilidade e direitos prioritários.
A LBI também permite o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS, para a compra de próteses e órteses. O Sistema Único de Saúde (SUS) e o INSS são obrigados a fornecer muletas e órteses para pessoas que não tenham condições financeiras de comprá-las.
No caso do INSS, o segurado precisa passar por perícia médica. Para ter acesso pelo SUS, após a consulta médica, o paciente deve ser encaminhado a um dos Centros Especializados em Reabilitação (CER), onde a necessidade do uso de dispositivos será avaliada.
É comum que seja negado o direito do recebimento de muletas, órteses e dispositivos desse tipo para pessoas que realmente precisam. Uma alternativa diante dessa situação é entrar com uma ação judicial”, afirma a advogada Nilza Sacoman, especialista em direito na saúde.
Com Assessorias