A perda da filha da Lexa, após complicações decorrentes do quadro de pré-eclâmpsia que levou a cantora a ser internada em janeiro, gerou muitas dúvidas sobre como acolher pais que passam por esse tipo de dor. Embora ainda seja um tema pouco discutido, muitas mães enfrentam essa dor sem o apoio adequado. Casos recentes como os de Lexa, Maíra Cardi, Sabrina Sato e Rafa Kalimann ajudam a romper o silêncio em torno do luto perinatal, um tema que ainda é considerado tabu.
A perda de um bebê logo após o nascimento gera um luto intenso e, muitas vezes, solitário. Isso acontece porque a sociedade, de modo geral, ainda não reconhece essa dor como legítima, dificultando a expressão dos sentimentos dos pais enlutados”, explica a psicóloga Tatiane Mosso, da capital paulista.
O luto perinatal é mais comum do que se imagina. Perder um bebê durante a gestação ou logo após o nascimento é uma experiência que envolve mais do que a ausência física. O luto perinatal carrega a interrupção de sonhos, planos e de um futuro já imaginado, além de ser marcado por silêncio e incompreensão.
Diferente de outras perdas, o luto perinatal carrega a dor da expectativa interrompida. Desde o momento em que a gravidez é confirmada, os pais começam a construir sonhos e planos para aquele bebê. A interrupção abrupta dessa trajetória pode gerar sentimentos de culpa, frustração, ansiedade e até depressão.
Segundo a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, fundadora do Instituto MaterOnline, esses episódios destacam a necessidade de práticas humanizadas e de suporte especializado para famílias que enfrentam essa perda.
Quando uma mulher perde um bebê durante a gestação ou logo após o nascimento, o luto perinatal se torna uma realidade difícil e muitas vezes solitária. A dor da perda carrega não apenas a ausência física, mas também o fim de um futuro que já havia sido imaginado.
Falar sobre essa dor não apenas valida o sofrimento das famílias, mas também incentiva uma abordagem mais acolhedora e humanizada. Discutir o tema ajuda a romper tabus, validar o sofrimento das famílias e incentivar práticas de acolhimento mais empáticas e humanizadas. No entanto, por falta de informação ou por querer consolar da forma errada, amigos e familiares dizem frases que podem machucar ainda mais.
Cada história de perda é única, mas todas essas mães compartilham a necessidade de serem ouvidas e respeitadas em sua dor. Saber o que dizer, e o que evitar, já é um grande passo para um acolhimento mais humano”, explica.
De acordo com a especialista, um dos maiores desafios é lidar com as frases de consolo que minimizam a dor, como “vocês terão outro bebê” ou “foi melhor assim”. “Essas falas, ainda que ditas com boa intenção, acabam desconsiderando o vínculo que já existia e não dão espaço para a vivência do luto”, pontua.
Por que é tão importante falar sobre luto perinatal?
Casos chamam atenção para o impacto emocional da perda gestacional e a importância do acolhimento psicológico
A perda de um bebê durante a gestação ou logo após o nascimento é uma experiência que vai além da ausência física. O luto perinatal envolve também a interrupção de sonhos e expectativas, e afeta profundamente a saúde emocional das mães e de suas famílias.
Casos como o da influenciadora Maíra Cardi, que recentemente compartilhou o luto pela perda de seu bebê, trazem visibilidade ao tema. A psicóloga perinatal Rafaela Schiavo explica a importância do acolhimento psicológico e de práticas humanizadas para lidar com essa dor. A especialista esclarece as dúvidas mais comuns e orienta sobre como lidar com esse momento delicado.
A psicóloga ressalta que cada pessoa lida com o luto de forma única, mas de modo geral a dor da perda precisa ser vivida e não reprimida. “Negar os sentimentos pode prolongar o sofrimento, por isso também que os rituais de despedida, como os velórios, por exemplo, podem ajudar na elaboração do luto”, ensina.
A especialista ainda afirma que não há um tempo certo para superar uma perda, por isso que respeitar as emoções da dor da perda precisa ser feito com empatia e acolhimento. Segundo a psicóloga, quebrar o silêncio e trazer informações sobre o luto perinatal ajuda a reduzir o estigma e a garantir que mães e pais enlutados tenham o suporte adequado. “É essencial que as famílias saibam que sua dor é válida e que não precisam enfrentá-la sozinhas”, conclui.
O que é o luto perinatal?
O luto perinatal acontece quando há a perda de um bebê durante a gestação ou logo após o nascimento. Ele não se restringe à ausência física, mas inclui perdas simbólicas, como o luto pelo sexo do bebê ou pela impossibilidade de realizar o parto planejado. Todas essas experiências envolvem a interrupção de expectativas e precisam ser acolhidas.
Como lidar com a perda de um bebê?
Lidar com a perda envolve validar os próprios sentimentos e dar espaço para que emoções, como tristeza ou culpa, sejam vividas sem repressão. Guardar lembranças do bebê, como ultrassom, fotos ou roupas, pode ajudar a transformar a dor em algo significativo. Acolhimento psicológico e a participação em grupos de apoio também são fundamentais para ajudar no processo de superação.
Como cada pessoa vive o luto perinatal?
O luto perinatal é uma experiência única e profundamente pessoal. Para algumas pessoas, o processo pode durar semanas, para outras, meses ou até mais tempo. Não há um prazo certo ou errado para lidar com essa perda, já que cada um tem seu próprio ritmo para processar a dor e as mudanças que ela traz.
Quando buscar apoio psicológico?
O momento de buscar ajuda é quando a tristeza começa a interferir na vida diária, como isolamento ou sentimentos de desesperança. O mais importante é observar como o luto afeta o cotidiano. Se a tristeza começar a interferir na realização de atividades diárias, houver isolamento prolongado ou pensamentos de desesperança, pode ser o momento de buscar apoio especializado. Psicólogos e outros profissionais de saúde mental estão preparados para oferecer acolhimento e suporte durante esse processo.
Como os hospitais podem acolher famílias enlutadas?
Práticas humanizadas, como separar mães que enfrentaram perdas de alas com recém-nascidos e oferecer espaços para despedidas, ajudam a aliviar o sofrimento. Recordações como fotos, a marca do pezinho ou um pedaço do cabelo do bebê também podem transformar a dor em algo significativo.
Hospitais humanizados permitem que os pais vejam e segurem o bebê, caso desejem, e oferecem a opção de guardar recordações, como fotos, a marca do pezinho ou um pedacinho de cabelo. Essas ações ajudam a dar sentido à despedida. Em países como a Inglaterra, berços refrigerados são usados para que os pais possam passar mais tempo com o bebê antes do sepultamento.
Quais práticas ajudam a criar uma despedida significativa?
Separar mães que enfrentaram perdas de alas onde estão bebês recém-nascidos é uma medida fundamental para reduzir o sofrimento. Além disso, o acolhimento humanizado, com profissionais capacitados e tempo adequado para a despedida, pode aliviar a dor das famílias.
O pai também sente o luto?
O luto perinatal não afeta apenas as mães. Pais também sofrem o luto perinatal, mas raramente são incluídos nessa conversa. Muitos silenciam a própria dor para apoiar a parceira, mas também precisam ser acolhidos. Muitas vezes, o pai é pressionado a ser “forte” para apoiar a parceira, mas ele também vivencia a perda e necessita de espaço para expressar sua dor. O apoio mútuo no casal é essencial para fortalecer a relação e facilitar a superação.
Os pais muitas vezes são cobrados para serem fortes e apoiar a mãe, mas eles também perderam um filho e precisam de acolhimento. O luto paterno é real e deve ser respeitado”, destaca Rafaela. Assim como as mães, os pais podem precisar de rede de apoio e acompanhamento de um psicólogo perinatal para lidar com essa fase.
Existem outros tipos de luto no período perinatal?
Sim. Além da perda física, o luto pode surgir em situações como receber um diagnóstico inesperado, descobrir que o sexo do bebê não era o desejado ou não conseguir amamentar. Essas perdas simbólicas também geram sofrimento e merecem acolhimento.
Por que evitar frases que minimizem a dor da perda?
Frases como “foi melhor assim” ou “Deus quis dessa forma” podem parecer inofensivas, mas invalidam os sentimentos de quem está enfrentando a perda. É importante oferecer escuta atenta, sem julgamentos, e respeitar o momento de luto. A seguir, Rafaela lista algumas das frases que nunca devem ser ditas a uma mãe que perdeu um bebê e como oferecer apoio de verdade.
“Foi melhor assim”
O luto perinatal não é apenas sobre a morte do bebê, mas sobre os planos e sonhos interrompidos. Dizer que “foi melhor assim” invalida o sofrimento e pode aumentar a sensação de culpa.
“Você pode ter outro filho”
Nenhuma nova gravidez substitui um bebê que foi perdido. Cada gestação é única, e essa frase pode minimizar a dor da mãe.
“Pelo menos você ainda não tinha criado vínculo”
O vínculo materno começa desde a gestação. A perda pode ser devastadora, independentemente da idade gestacional.
“Deus sabe o que faz”
Frases com conotação religiosa podem causar desconforto, principalmente se não forem compatíveis com as crenças da mãe.
“Seja forte”
O luto precisa de espaço para ser vivido. Pedir que a mãe seja forte pode pressioná-la a esconder seus sentimentos e tornar o processo ainda mais difícil.
Como oferecer apoio de verdade
Ofereça presença e escuta
Perguntas como “Quer conversar?” ou “Posso te ajudar com algo?” mostram que a pessoa está disponível sem pressionar.
Valide a dor da família
Frases como “Eu não posso imaginar sua dor, mas estou aqui para o que precisar” são mais acolhedoras do que tentar minimizar o sofrimento.
Respeite o tempo do luto
Cada pessoa tem seu próprio ritmo para processar uma perda. O melhor apoio é estar disponível sem cobranças ou expectativas.
Ajude com ações concretas
Oferecer ajuda prática, como cuidar de tarefas do dia a dia ou simplesmente estar por perto, pode fazer a diferença.
Psicologia Perinatal: nova lei garante atendimento pelo SUS a grávidas
Você já ouviu falar sobre psicologia perinatal, uma área essencial para a saúde mental das gestantes e puérperas? Sabia que agora você tem direito a esse tipo de assistência pelo Sistema Único de Saúde (SUS)? A nova Lei 14.721, que entrou em vigorem 2024, garante esse atendimento.
Com a nova lei, o atendimento humanizado e destinado às mães, pais e familiares no momento do luto por perda gestacional, óbito fetal e neonatal estará assegurado. Entre os diferenciais apontados pela nova política, está a necessidade de as gestantes que sofreram com a perda de seus bebês serem acomodadas em ala separada nos hospitais onde deram à luz.
Dados divulgados pelo Painel de Monitoramento da Mortalidade Infantil e Fetal, em 2023, mostram que foram registradas 20,2 mil mortes, o menor de uma série histórica desde 1996. O número representa queda de 62% das mortes até 1 ano, se comparado com o início do monitoramento, quando o total ficou em 53,1 mil. Apesar da queda nos números, ainda é alarmante.
Segundo a psicóloga e especialista em luto, Lília Lavor, o luto é um processo natural, uma reação esperada diante da perda de algum vínculo importante.
“Quando falamos de luto, falamos do rompimento de um vínculo que estrutura nossa identidade de alguma forma, que nomeia nosso lugar no mundo. Quando a questão é a perda perinatal, é sobre alguém que espera algo que não chega, que não vai ser apresentado para a família, que não vai responder à expectativa. A morte de um bebê é o fim de uma narrativa construída no imaginário familiar, a interrupção de inúmeras possibilidades”, explica a especialista que faz parte do Cuida, um projeto cujo objetivo é estimular a prática do cuidado entre as pessoas.
Quais as principais necessidades que uma mãe enlutada necessita?
A invalidação do luto tem potencial traumático e não é raro perceber essa dinâmica em frases como “calma, você é jovem, poderá ter outros filhos”, “pelo menos ainda não tinha nascido”. O não reconhecimento desse sofrimento sufoca as emoções que envolvem a perda. “A vivência desse processo é complexa e intensa, podendo ter impacto nas dimensões física, psíquica, espiritual e social, mas é por meio desse processo que é possível construir novas formas de funcionar no mundo sem a pessoa amada”, explica a psicóloga Lília.
A médica paliativista e intensivista, Carol Sarmento, complementa que a maior ajuda e estratégia que as pessoas próximas podem ter é dar espaço para que a pessoa entre em contato com a dor, fale dela, vivencie e sinta o luto. “Somente assim a pessoa enlutada poderá elaborar e lidar melhor com o luto. Não existe um tempo pré-determinado para durar o luto. O tempo necessário para elaboração da perda e para a vivência do luto é individual e variável de pessoa para pessoa; quanto mais validado o luto seja, melhor a capacidade de elaboração da perda”, explica a idealizadora do projeto Cuida.
“Percebo uma tendência social em pouco validar o luto perinatal, que inclui as perdas ocorridas na gestação a partir da 22ª semana até completar 29 dias de vida do bebê. Nessas questões do luto perinatal, especialmente, há que se ter um cuidado extremo durante gestações de alto risco, nas comunicações com a gestante e familiares, até nos cuidados e vigilância pós-óbito. A perda gestacional/neonatal é socialmente desconsiderada, o que torna esse luto pouco reconhecido, em que o enlutado não se sente autorizado a expressar a dor da sua perda e seu luto”, conclui Carol Sarmento.
Sobre o luto perinatal e a relação do médico e paciente
A paliativista e intensivista, Carol Sarmento, explica que além de uma comunicação empática e adequada para dar a má notícia, é preciso demonstrar uma postura sem julgamentos das escolhas que a família ou a mãe tenham tomado no cenário: “é importante estimular e encorajar o contato da mãe e do bebê, no sentido de permitir que sejam criadas memórias e recordações. É preciso permitir que a mãe fique com o filho o maior tempo possível, prover uma estrutura física acolhedora para que essas interações sejam possíveis, preparar a família para o contato com o bebê natimorto”.
Explicar como vai estar a pele, o aspecto, se tem alguma má formação, limpar sem dar banho, vestir o bebê, chamar o bebê pelo nome, estar perto dessa família e especialmente dessa mãe com uma distância respeitosa. Também é importante auxiliar a guardar recordações, fazer registros fotográficos, estimular a caixinha de memórias do bebê com mechinha de cabelo, fotos, impressão plantar e palmar, carimbo da placenta e pulseira de identificação. Pode ser acolhedor e importante a equipe prover um cartão ou lembrança carinhosa para essa mãe e família”, explica Carol sobre como o profissional de saúde pode lidar com quem vive o luto.
Com Assessorias