Reconhecida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a união entre pessoas do mesmo sexo está a caminho de ser oficialmente incorporada à legislação brasileira. De acordo com o texto, que está em análise no Senado, a alteração garante maior segurança jurídica à população LGBTQIAPN+.
Essa atualização representa avanço neste Dia do Orgulho (28 de junho), data alusiva ao respeito a essa comunidade, incentivando o combate a todas as formas de preconceito e discriminação.
Hoje, as relações homoafetivas são regidas apenas pela jurisprudência. O Estado entende que as pessoas do mesmo gênero têm direito ao casamento, mas isso não é amparado por uma legislação.
O casamento/união homoafetivo não é regulado por nenhuma legislação específica, ou seja, não consta na Constituição Federal e nem no Código Civil. Essa é uma luta que a comunidade LGBTQIA+ ainda enfrenta”, conta o advogado especialista em Direito de Família Lucas Costa.
Ele lembra que, apesar do avanço para a comunidade LGBTQIA+, foi necessária uma outra medida para, de fato, garantir que esses casais conseguissem oficializar a união como “casamento” sem constrangimentos.
No começo, houve casos em que casais tinham o pedido de conversão de união estável para registro civil (casamento) negado. Por isso o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou a resolução nº 175 que proibiu os cartórios de recusar o registro dessas uniões”, explica Costa.
Com a oficialização da união, casais do mesmo gênero têm os mesmos direitos civis dos casais heteroafetivos. O registro em cartório é um ato jurídico que garante a escolha do regime de bens, a constituição de patrimônio enquanto família, pensão em caso de separação judicial ou morte, inclusão do parceiro como dependente no plano de saúde, entre outros.
O registro em cartório é importante para todo casal que tem como objetivo construir uma família. Com a relação oficializada, o processo de adoção de uma criança, por exemplo, pode ser facilitado para famílias constituídas”, acrescenta Costa.
Ameaças de retrocesso na lei
A mudança nas políticas de casamento teve um impacto positivo na sociedade brasileira, promovendo a igualdade, a visibilidade e a aceitação. No entanto, ainda há trabalho a ser feito para garantir que todos os cidadãos tenham os mesmos direitos, independentemente de sua orientação sexual. Apesar dos avanços, ainda existem desafios.
Em outubro do ano passado, um projeto de lei polêmico sobre o assunto chegou a ser aprovado pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados. O PL 580/7 propõe, entre outras medidas, que o casamento entre pessoas do mesmo sexo seja proibido. O texto ainda vai passar pela análise de outras comissões e pelo Senado.
O casamento civil é uma forma de formalizar uma relação, assegurando direitos aos cônjuges e facilitando a comprovação da união perante terceiros. Isso é importante para direitos sucessórios, por exemplo. A proibição do casamento homoafetivo seria um retrocesso inimaginável e obrigaria milhares de pessoas a viverem em relacionamentos não reconhecidos pelo Estado”, finaliza Lucas.
Alguns setores da sociedade resistem à ideia de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, e há casos de discriminação e violência. No entanto, a luta pela igualdade continua, e a conscientização sobre os direitos LGBTQ+ é fundamental para superar esses obstáculos.
Atualização do Código Civil garante direito ao casamento e à união estável homoafetiva
Atualização engloba uma das principais leis que rege a vida dos brasileiros: a igualdade entre casais, independentemente do sexo
Luciana Musse, professora de Direito de Família do Centro Universitário de Brasília (CEUB) e advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, defende a atualização proposta e a efetivação da garantia dos direitos dos casais homoafetivos. Segundo ela, os avanços não se limitarão aos institutos jurídicos, com impactos positivos na percepção da população LGBTQIAPN+ de maneira geral.
Qual é o impacto da atualização do Código Civil na legalização da união homoafetiva no Brasil?
O impacto da legalização do casamento homoafetivo proposta pela comissão de juristas, se aprovada pelo legislativo, é a maior segurança jurídica para os casais, pois, no Brasil, a lei é a fonte mais importante do Direito e deve prevalecer em relação a outras fontes como a jurisprudência ou a doutrina.
Como a decisão unânime do STF equiparando as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres influencia a interpretação do Código Civil?
A decisão influencia a interpretação das normas cíveis e registrais relacionadas ao casamento e à união estável, que deverão ser feitos conforme a Constituição. Apesar de a redação atual do Código Civil e da própria Constituição Federal mencionar “homem e mulher”, o intérprete (como um tabelião ou juiz) deve entender essa expressão como “entre duas pessoas” para não violar os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade, evitando, assim, a discriminação.
De que outras formas a atualização do Código Civil pode influenciar as relações contratuais e o direito sucessório no Brasil?
O reconhecimento legal do modelo de família homoafetiva, quer pelo casamento, quer pela união estável, tem desdobramentos em outros institutos, como a obrigação alimentar, inclusive ao pagamento de alimentos compensatórios, assim entendido como o valor a ser pago ao “cônjuge ou convivente cuja dissolução do casamento ou da união estável produza um desequilíbrio econômico que importe em uma queda brusca do padrão de vida”. Se aprovado, terá impacto em outros campos do direito, como o direito sucessório, que disciplina a herança e o testamento, por exemplo.
Como a Resolução 175/2013 do CNJ contribuiu para garantir os direitos das uniões homoafetivas no país?
A Resolução n. 175/2013 reforça e reafirma o direito fundamental à formação, à formalização e ao reconhecimento da família homoafetiva, por intermédio do casamento quando veda a recusa de habilitação e celebração do casamento, ou à conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Além de prever a comunicação dessa recusa ao juiz corregedor, para providências.
Considerando a atual configuração do Senado, quais desafios são esperados na aprovação das mudanças propostas nesse anteprojeto?
Desde o início dos trabalhos da comissão de juristas, foram disseminadas fake news em torno desta e de outras temáticas, como a legalização do aborto. Como o campo da política é muito sensível à opinião pública, pode haver maior resistência à aprovação desses dispositivos legais voltados à proteção das famílias homoafetivas.
Além da dimensão legal, de que forma a mudança no Código Civil pode impactar a percepção social e cultural das uniões homoafetivas no Brasil?
O direito, como um fenômeno social, tanto influencia quanto é influenciado pela sociedade, em uma relação dialética. Nesse contexto, as mudanças aprovadas em relação ao casamento e à união homoafetiva irão moldar o comportamento da população e das autoridades, impulsionando, ampliando e até acelerando modificações culturais. Cabe destacar que transformações não se limitarão aos institutos jurídicos, mas afetarão a percepção e os direitos da população LGBTQIAPN+.
Com Assessorias