O dia 28 de maio carrega o peso de uma realidade ainda crítica no Brasil: a mortalidade materna. A morte de mulheres durante a gestação, o parto ou até 42 dias após o término da gravidez ainda é uma triste realidade no país. Embora o país tenha reduzido de 120 para cerca de 55 mortes a cada 100 mil nascidos vivos entre os anos 1990 e 2022, em 2023, foram registradas 70 mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos, segundo o Ministério da Saúde, mais que o dobro da meta da OMS (Organização Mundial da Saúde), que é de menos de 30 até 2030.

De acordo com a médica Larissa Volpini, membro da diretoria da SOGIMIG (Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais), cerca de 90% das mortes maternas são evitáveis. Os dados mostram o quanto é preciso avançar, principalmente nas regiões com maior vulnerabilidade social e menor acesso à saúde de qualidade.

Entre os principais motivos que ainda levam mulheres à morte durante a gestação, parto ou pós-parto estão as síndromes hipertensivas e as hemorragias, principalmente a hemorragia pós-parto.  Essas duas causas se revezam no topo do ranking há anos. E o mais preocupante é que ambas são tratáveis quando há diagnóstico precoce, equipe capacitada e estrutura adequada”, diz a especialista.

Recentemente, o Ministério da Saúde lançou a Rede Alyne, uma estratégia nacional voltada à redução da mortalidade materna, inspirada no caso de Alyne, uma jovem que faleceu no Rio de Janeiro por falhas evitáveis no atendimento. A rede tem como objetivo principal diminuir as desigualdades e garantir uma assistência mais segura, integral e oportuna às mulheres.

Cada morte precisa ser analisada com seriedade. É a partir dessa compreensão que podemos mudar realidades”, reforça Larissa.

A especialista ainda destaca três aspectos que poderiam evitar essas mortes:

  • Atraso em buscar ajuda: muitas vezes, a paciente ou o profissional da atenção primária não reconhece sinais de alerta, o que adia a busca por atendimento.

  • Atraso em chegar ao serviço de saúde: problemas geográficos, falta de transporte e estrutura dificultam o acesso físico à assistência.

  • Atraso no atendimento adequado: mesmo ao chegar a uma unidade de saúde, a mulher pode não receber o cuidado necessário por falhas na capacitação da equipe ou pela ausência de recursos adequados.

Para enfrentar esse cenário, Larissa defende ações em diferentes frentes: “É essencial investir na capacitação das equipes, melhorar a comunicação entre os diferentes níveis de atenção à saúde, garantir estrutura hospitalar adequada e fortalecer políticas públicas que ampliem o acesso ao pré-natal de qualidade”.

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Caminhos para o futuro

Grande parte dessas mortes poderia ser evitada com medidas simples de prevenção, diagnóstico precoce e acesso a cuidados básicos de saúde. Entre as principais causas estão pré-eclâmpsia não diagnosticada, hemorragias não tratadas, infecções hospitalares, doenças crônicas mal controladas e aborto inseguro.

A alimentação adequada, controle de doenças crônicas, suplementação de ácido fólico e B12 e vacinação são essenciais para uma gestação segura”, reforça o ginecologista, obstetra e especialista em reprodução humana Vamberto Maia Filho.

Além das complicações obstétricas diretas, fatores como desinformação, uso de substâncias teratogênicas (álcool, drogas e medicamentos sem orientação), obesidade e idade materna avançada (acima de 35 anos) aumentam significativamente os riscos. Muitas dessas condições poderiam ser prevenidas com um pré-natal eficaz e humanizado, algo ainda inacessível para milhares de brasileiras.

O médico reforça que o útero é o primeiro ambiente de vida do bebê e, por isso, tudo o que interfere no desenvolvimento fetal, do cigarro à má alimentação, pode provocar alterações epigenéticas com reflexos ao longo da vida. A exposição a agentes químicos, físicos ou biológicos durante a gestação também é uma preocupação crescente.

O papel fundamental do ácido fólico

Entre todas as medidas preventivas, a suplementação com ácido fólico é uma das mais eficazes. Estudos mostram que ela pode reduzir em até 70% os casos de defeitos do tubo neural, como anencefalia e espinha bífida. O Brasil, inclusive, adota a fortificação obrigatória de farinhas com ácido fólico, além da adição de ferro, iodo e flúor em alimentos e na água, como forma de proteção coletiva.

Além disso, o ácido fólico contribui para a absorção de ferro, prevenindo a anemia materna, outra causa indireta de complicações graves.

Soluções que salvam vidas

Para reverter esse cenário, Vamberto defende medidas que vão além da clínica:

  • Acompanhamento pré-natal desde o início da gestação com foco em prevenção e educação;

  • Grupos de apoio e educação para gestantes, com orientação sobre riscos, nutrição e cuidados diários;

  • Visitas domiciliares de agentes de saúde, especialmente em regiões vulneráveis;

  • Promoção de campanhas públicas com mensagens diretas — como alertas em carteiras de cigarro sobre os riscos na gestação

Outro ponto-chave é o aconselhamento genético, especialmente para casais com histórico de doenças congênitas. Em casos indicados, é possível recorrer a técnicas como a biópsia embrionária, que ajudam a evitar a repetição de doenças hereditárias.

Um recorte racial e social

mortalidade materna no Brasil também tem cor e classe social. Mulheres negras, pobres e periféricas são as mais afetadas, com três vezes mais risco de morrer durante a gravidez ou parto do que mulheres brancas, segundo a Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras. O racismo institucional, a desinformação e o difícil acesso aos serviços de saúde agravam essa desigualdade.

Conscientização, integração entre obstetra, pediatra, geneticista e outros especialistas, formação médica humanizada e investimento estruturado em saúde pública são os únicos caminhos para reverter esse cenário”, finaliza o Dr. Vamberto.

Com Assessorias

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