Se o mundo já experimentava um preocupante aumento no número de casos de antissemitismo, o atual conflito entre Israel e Hamas, iniciado após brutal ataque do grupo terrorista no dia 7 de outubro, já dá sinais claros de que há risco exponencial de casos de ódio contra judeus multiplicarem em todo o mundo. Um mês depois do início do conflito entre Israel e o Hamas, já foram noticiados casos de perseguição, ameaças e outros tipos de violência contra judeus em várias regiões.

Os números mostram que o antissemitismo está em franca e preocupante expansão em todo o mundo, inclusive dentro do Brasil. A Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) divulgaram nesta quinta-feira (9) levantamento que mostra que denúncias de discriminação e violência contra judeus, o antissemitismo, aumentaram no Brasil desde o início do mais recente conflito entre Israel o grupo palestino Hamas, em 7 de outubro. 

O Departamento de Segurança Comunitária Conib/Fisesp registrou 467 denúncias no mês passado, contra 44 em outubro de 2022. De janeiro a outubro de 2023, foram 876, enquanto no mesmo período de 2022 foram 375. Somente a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro registrou 87 relatos de crimes de racismo e xenofobia contra a comunidade judaica depois do início da guerra. Antes do mês de outubro, a média era 3,5 casos por mês, o que mostra a urgente necessidade de que o tema seja debatido, explorado e bem compreendido por toda a sociedade.

Num estudo mais amplo, de 2021, pesquisadores da universidade de Tel Aviv, em Israel, apontaram que houve ‘aumento dramático’ desses casos em praticamente todos os países que têm uma população judaica expressiva. Em 2022, nos Estados Unidos, houve um aumento de 36% de casos de antissemitismo.

Ato contra o antissemitismo no Brasil (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

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Sionismo x antissemitismo

Na última quarta-feira (8), a Polícia Federal deflagrou uma operação que culminou na prisão de suspeitos de integrar um grupo terrorista no Brasil. Para o presidente da Fisesp, Marcos Knobel, as mídias sociais “escancaram o antissemitismo”. “As pessoas se tornam mais fortes, mais corajosas, para expor e destilar todo o veneno de ódio que elas têm”, disse. 

“Nós estamos atentos e nós não vamos tolerar um episódio sequer, por menor que seja, de antissemitismo. [Se houver] um crime realmente, racismo ou antissemitismo, essa pessoa vai ter que responder legalmente pelo que ela fez”, acrescentou.

São Paulo (SP), 09/11/2023 - O presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo, Marcos Knobel, apresenta dados de pesquisa sobre aumento do antissemitismo no Brasil, em evento que marca o dia Internacional de Combate ao Fascismo e ao Antissemitismo, no Clube Hebraica. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
O presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo, Marcos Knobel, apresenta dados de pesquisa sobre aumento do antissemitismo no Brasil (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Entre as imagens apresentadas, aparecem mensagens em redes sociais de apologia ao nazismo e ao extermínio dos judeus, com citações ao líder nazista Adolf Hitler. No entanto, também foram apresentadas imagens de atos como a queima da bandeira de Israel e um cartaz que iguala o nazismo ao sionismo.

O movimento sionista surgiu como forma de resolver a questão do antissemitismo através da formação de um estado-nação exclusivamente dos judeus. A proposta acaba ganhando força após o fim da Segunda Guerra Mundial.  Knobel disse que, para ele, a guerra atual deixou claro que “antissionismo é antissemitismo”.

“A não ser que você chegue e queira criticar cinco países. Estou criticando Israel, estou criticando a França, da mesma maneira, sem entrar em nenhum critério maior. Aí tudo bem, você pode estar criticando, então, o país. Mas da maneira como está sendo feita hoje, antissionismo é antissemitismo. Deslegitimar o estado de Israel, tirar o direito do povo de Israel de ter a sua nação. Israel é o lar nacional do povo judeu”, avaliou.

São Paulo (SP), 09/11/2023 - O vice presidente da Confederação Israelita do Brasil, Daniel Bialski, apresenta dados de pesquisa sobre aumento do antissemitismo no Brasil, no dia Internacional de Combate ao Fascismo e ao Antissemitismo, no Clube Hebraica. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
O vice-presidente da Confederação Israelita do Brasil, Daniel Bialski, compara antissionismo ao antissemitismo (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Para Daniel Bialski, vice-presidente da Conib, antissionismo é o mesmo que antissemitismo. “O sionismo é a defesa do estado de Israel, em todos os seus sentidos. Então, quando você compara o sionismo ao nazismo, você está praticando o antissemitismo. Quando você diz que Israel é um estado genocida, você está praticando o antissemitismo. Quando você não entende que Israel está querendo destruir o arsenal de armas do Hamas, isso também é uma forma de antissemitismo”, disse.

Críticas ao governo israelense não seria antissemismo, dizem especialistas

Entre especialistas ouvidos pela Agência Brasil, no entanto, há um consenso de que críticas a Israel e sobretudo à política do governo israelense não podem ser consideradas manifestações de antissemitismo à priori.

“Havia divergência entre os judeus [sobre o movimento sionista]. Essa não foi a única proposta para lidar com o antissemitismo. Mas esse projeto sionista avançou através da colonização da Palestina por várias décadas até a criação do Estado de Israel em 1948. Então o Estado de Israel representa esse projeto nacionalista de parcela dos judeus. Quando se critica esse projeto, você não está sendo antissemita”, disse o pesquisador Bruno Huberman. 

Para Huberman, que é professor do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), “mesmo a comparação com as práticas nazistas, dizer que a Faixa de Gaza é um campo de concentração ou um gueto, que está se fazendo um massacre, são críticas cabíveis ao Estado de Israel”.

O israelense Shajar Goldwaser, que é judeu nascido em Jerusalém e participou de ato em defesa do povo palestino em São Paulo, exemplificou essa divergência entre os judeus. “Eu não acho que deva existir um estado judaico, assim como eu não acho que deva existir um estado católico ou cristão. O estado deve ser laico e democrático. É isso que eu acredito que deve acontecer em Israel e Palestina”, disse.

“A gente deve se pautar pela democracia, pelos direitos humanos, pela construção de uma sociedade laica, na qual judeus, muçulmanos, cristãos, israelenses, palestinos, possam conviver em paz e harmonia e possam explorar as suas enormes capacidades e riquezas culturais, que tanto a cultura judaica tem, quanto a cultura palestina também tem”, acrescentou.

Goldwaser ressalta que Israel não representa todos os judeus. “Os judeus existem há muito mais tempo que o estado de Israel, a história judaica tem 3 mil, 4 mil, 5 mil anos e o sionismo ele não passa de 100. Então o sionismo é só uma fase”, disse.

Natalia Calfat, cientista política e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), avaliou que os principais questionamentos feitos a Israel no presente debate surgem em decorrência do caráter expansionista do sionismo e da política empreendida sob o governo liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Ela observa que críticas aos assentamentos israelenses são ressoadas inclusive por judeus.

“O que existe hoje é uma tentativa de enquadramento de toda crítica ao sionismo enquanto antissemitismo. É uma manobra diversionista que desloca a discussão, deslegitima as críticas e viola os princípios do debate democrático. Isso não significa dizer que não haja antissemitismo nem que não haja críticas a Israel acompanhadas de antissemitismo. Elas certamente existem, mas nem sempre é o caso e é preciso que haja clareza na diferenciação entre antissionismo e antissemitismo”.

Guia gratuito e online contra o Antissemitismo

É diante desse contexto que o Instituto Brasil-Israel (IBI) aproveita o Dia Internacional contra o Fascismo e Antissemitismo ((9/11) para lançar o Guia contra o Antissemitismo. O material, gratuito e voltado para toda a sociedade, traz em linguagem acessível e didática informações sobre o tema, de forma que a educação possa ser ferramenta de combate desse tipo de conduta criminosa. A ideia é aprofundar o tema em tempos de crescentes demonstrações de ódio aos judeus.

O guia, disponibilizado em formato digital, traz com linguagem simples as definições sobre antissemitismo, sua história dos primórdios até os dias de hoje, a perspectiva antissemita nacional, além de casos históricos e atuais ocorridos no Brasil e orientações para quem se deparar com algum caso de antissemitismo.

“Há urgência e necessidade de se falar a esse respeito de maneira clara com todas as pessoas, e o guia produzido pela entidade pode cumprir essa missão de modo didático, explicando o que é o ódio aos judeus em suas diferentes formas e também como combater esse crime”, ressalta Morris Kachani, diretor executivo do IBI.

Segundo ele, casos de antissemitismo têm se multiplicado, inclusive aqui no Brasil, onde, infelizmente, grande parte da sociedade tem pouca ou nenhuma informação sobre o assunto.

“As manifestações antissemitas já estavam crescendo, com a disseminação de grupos supremacistas e neonazistas, e a preocupação cresce com outras vertentes do antissemitismo, como a falsa ideia de que judeus são responsáveis por decisões tomadas pelo governo de Israel, por exemplo”, menciona.

‘Nenhuma forma de discriminação é justificável’

Para Ruth Goldberg, presidente do IBI, o guia também pode ser considerado um convite, uma oportunidade para um debate qualificado sobre o tema. “Partimos do princípio de que nenhuma forma de discriminação é justificável, e uma sociedade saudável deve enfrentar o preconceito de maneira consistente. A luta contra o antissemitismo é a mesma que combate o racismo, a LGBTQIA+fobia, a xenofobia, a intolerância religiosa e tantas outras, contra o ódio, o preconceito e a ignorância”.

De acordo com Ruth, em cada país, o antissemitismo se manifesta de uma maneira distinta, mas suas bases são as mesmas. Normalmente, aparece em ofensas direcionadas a uma pessoa ou aos judeus como grupo, seja com acusações, difamações, seja com discursos de incitação ao ódio em manifestações públicas, redes sociais, sites, plataformas de comunicação e portais de notícias, ou ainda em pichações de símbolos nazistas em espaços públicos e privados, além de violência física, agressões verbais, cerceamento de direitos, assassinatos e perseguições motivadas.

“Nesse conjunto, também não podemos esquecer de ataques por meio de charges, supostas piadas, deboches e insinuações corriqueiras. Estas, aliás, são formas de antissemitismo muitas vezes blindadas sob o pretexto de liberdade de expressão”, alerta Ruth.

Mais recentemente, por conta do conflito envolvendo Israel e o grupo terrorista Hamas, tem se tornado comum que grupos críticos de Israel cobrem de judeus, em seus respectivos países, posicionamento frente às ações do governo israelense.

“Por ignorância ou não, esta é, certamente, uma postura antissemita. Judeu nenhum deve ser cobrado, muito menos boicotado, atacado ou insultado por ações sobre as quais não tem quase nenhuma influência. Atacar os judeus brasileiros por ações do Estado de Israel é, inclusive, evocar o antissemitismo nacionalista que nasceu no século XIX e que se espalhou num terror que o mundo todo conheceu”, conclui a presidente do IBI.

O Guia contra o Antissemitismo pode ser acessado por todas as pessoas, no site do instituto.

Unesco: Antissemitismo: aprendendo as lições da história

 

Israel x Hamas: cartilha e programa no Youtube explicam origens, desafios e rumos do conflito 

O conflito envolvendo o grupo terrorista Hamas e Israel, iniciado em 7 de outubro, tem trazido uma série de narrativas e interpretações equivocadas, além de uma série de dúvidas por parte de quem tem interesse em se aprofundar na complexidade envolvida no assunto. Trata-se de um conflito religioso? O que motivou a guerra? Por que quando o Estado de Israel foi declarado, também não foi declarado o Estado Palestino? Líbano e outros países árabes podem entrar no conflito? E quais seriam as possíveis soluções para uma paz definitiva na região? Essas são algumas das muitas perguntas que cercam o triste e tenso momento vivido no Oriente Médio.

Para fomentar interessados com informações, de forma a compreender melhor os fatos históricos que marcam a região, o Instituto Brasil-Israel (IBI), produziu e disponibiliza ao público o encarte “Para entender o conflito entre Israel e Palestina – Perguntas e Respostas”. Escrito pelo historiador e colaborador do IBI, João Miragaya, o material tem 25 páginas que se dividem em 12 questões que ajudam a repassar pela história e construir o entendimento, até se chegar ao conflito em curso. A cartilha está disponível no site da entidade.

“A falta de entendimento das pessoas e a superficialidade com que muitos abordam o tema, somada à necessidade de formar opinião e disseminá-la motivada pelas redes sociais, só fortalecem a desinformação e o aumento do ódio, do antissemitismo e os perigos que esse crescimento provoca. A cartilha tem por objetivo auxiliar cada pessoa a primeiro entender as raízes do problema e os capítulos dessa história de conflitos, até culminar nos dias de hoje, em que infelizmente vemos pessoas morrendo de ambos os lados. A informação é essencial e o IBI está fortemente atuando nesse sentido”, diz Morris Kachani, diretor executivo do IBI.

Outra iniciativa do IBI foi criar um programa semanal, o “Notícias da Guerra”, que estreou nesta terça, 17, com apresentação da jornalista Leila Sterenberg, sênior fellow do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), e Henrique Cymerman, correspondente internacional que integrou a primeira comitiva israelense a ir para a Arábia Saudita. Toda terça, os profissionais falarão sobre os últimos acontecimentos do conflito entre Israel e Hamas, com informações e debates, buscando o entendimento de cada etapa da guerra. O programa de estreia pode ser visto Youtube da entidade.

Com informações do IBI e Agência Brasil

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