Quem foi que disse que balé é “coisa de menina”? Com um espetáculo que mistura harmonia, elegância, irreverência e muito bom humor, o Les Ballets Trockadero de Monte Carlo – inteiramente composto por homens, muitos deles drag queens – prova que não existe barreira de gênero para esta que é uma das mais antigas manifestações artísticas da Humanidade. A companhia de dança de Nova York encerra neste domingo a curtíssima temporada no Rio de Janeiro – foram apenas três espetáculos neste fim de semana, com casa cheia no Vivo Rio, no Aterro do Flamengo.
The Trocks, como são conhecidos, são respeitados no mundo inteiro por suas apresentações de alto nível e impecáveis, com muita disciplina e simetria. Os bailarinos interpretam personagens masculinos e femininos, com direito a tutus, sapatilhas de ponta e toda a excelência técnica que o balé exige. Afinal, dançar com tanta delicadeza e desenvoltura numa sapatilha de ponta não é para qualquer um. Exige um grande esforço por conta da própria anatomia do corpo masculino, peso e força.
“Fiquei impressionada como eles conseguem fazer tantos movimentos tão complexos, com tanta leveza. Eles executam posições e passos que exigem anos de muito treinamento”, disse Maria Clara Macedo, de 17 anos, ex-bailarina que atuou por 12 anos na Companhia de Dança Chris Aguiar, no Rio de Janeiro.
No palco, os bailarinos se transformam em personagens como “cisnes, sílfides, duendes das águas, princesas românticas, príncipes desajeitados ou angustiadas damas vitorianas’. O repertório reúne paródias das variações dos ballets clássicos mais famosos como ‘O Lago dos Cisnes’, ‘Le Corsaire’, ‘Dom Quixote’, ‘Go for Barroco’, ‘Vivaldi Suite’ e ‘Paquita’. Só sentimos falta de um bailarino negro no elenco da apresentação deste sábado (11/11).
Ao exaltar e celebrar o espírito da dança como forma de arte, o espetáculo cumpre o que promete: “uma reinterpretação inteligente e irônica do balé clássico, acentuando com inteligência as características mais icônicas do balé clássico, os acidentes mais comuns, a histeria das grandes estrelas mais famosas”.
A Time Out – revista com sede em Londres e em Nova York – escreveu que seria “uma das noites mais engraçadas que você passará em um teatro” . Não é bem assim, mas os bailarinos arrancam inúmeras risadas ao longo do espetáculo com expressões corporais e faciais hilariantes. E ao final, merecidamente, é ovacionada pelo público de pé.
“Acreditamos que a dança é para todos, independente de gênero, cor, raça, idade ou orientação sexual; para nós, só é preciso ter amor pela dança”, diz a companhia de dança Petite Danse, uma das mais conceituadas do Rio de Janeiro.
Curiosidade
Ballet nasceu na Idade Média apenas com homens
Le Troks revelou estrelas como o bailarino Chase Johnsey
Transição de gênero: ‘quero ser visto como uma bailarina’
Ao decidir passar pela transição de gênero, revelou seu desejo de ser reconhecido como bailarina. “Eu quero ser visto como uma bailarina. Meu cabelo está alto, eu uso maquiagem, roupas femininas. Eu sou capaz de fazer papéis femininos e parecer como papel, isso é artisticamente o que eu faço”, disse Chase, que se identifica como gênero fluido, mas usa pronomes ele/ele, em entrevistas à imprensa internacional.
Desde que ingressou no English National Ballet, Chase fez uma cirurgia de feminização facial, trabalhou com uma nutricionista para perder 20 quilos. Para ajudar a fazer mudanças para seu corpo parecer mais feminino, trabalhou com um preparador físico, uma nutricionista e uma professora de balé para treinar e remodelar seu corpo de 1,85 metro de altura, de acordo com o The New York Times.
“Meus ombros são mais largos, minhas panturrilhas são maiores, as texturas dos meus músculos são diferentes. Eu tive que canibalizar meu corpo, fazê-lo funcionar com energia dos músculos e descobrir como perder massa muscular sem perder força. Eu continuo evoluindo e estou empurrando os limites do que posso alcançar. Eu estou tentando ver o quão feminino eu posso me fazer dentro dessas limitações”, confessou.
Em maio de 2019, fundou o Ballet de Barcelona, ao lado de Carlos Renedo e Carolina Masjuan. Hoje, aos 37 anos, atua como diretor artístico da companhia e segue seu sonho. “Às vezes você tem que lutar para ser você mesmo. Espero que isso ajude a abrir as coisas não apenas para pessoas com influências de gênero, mas também para dançarinos transgêneros e também mulheres que querem se apresentar em papéis masculinos”.