Diversos órgãos públicos e de saúde vêm se manifestando contra o chamado ‘PL da Gravidez Infantil‘, aprovado para tramitar em regime de urgência na Câmara dos Deputados. A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) manifestou-se contra a condução do PL 1904/2024, que caracteriza como homicídio o aborto previsto em lei após 22 semanas de gestação.

Um tema de tamanha importância necessita de uma ampla discussão prévia. Portanto, a Febrasgo solicita que o PL 1904/2024 seja retirado de pauta na Câmara Federal, e se posiciona contra a criminalização da mulher nessa situação de vulnerabilidade”, diz a nota.

Para o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o projeto representa um “retrocesso aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos reprodutivos e à proteção das vítimas de violência sexual, violando a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e diversas normas internacionais das quais o Brasil é signatário”.

Para a Defensoria Pública da União (DPU), a proposta que criminaliza a prática do aborto no caso de gravidez resultante do crime de estupro, é um retrocesso aos direitos humanos das mulheres e à democracia. Além disso, ignora que “a violência sexual contra mulheres e meninas no Brasil é um problema social crescente, que precisa ser enfrentado com seriedade, prioridade e amplo debate pelo Estado Brasileiro”.

O Conselho Nacional de Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) também aponta a ilegalidade, inconstitucionalidade e inconvencionalidade no Projeto de Lei 1.904 de 2024, conhecido como PL do aborto. Uma cópia do texto foi encaminhada em ofício ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, com recomendação de arquivamento da proposta.

A nota destaca que o projeto representa “flagrante retrocesso a todos os direitos conquistados por mulheres e meninas ao longo da história”, em especial, crianças e adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade social e econômica.

‘PL ataca dignidade de meninas e mulheres’, diz Janja

O Projeto de Lei que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), da bancada evangélica, prevê que a pena para a mulher que fizer o procedimento, hoje protegido por lei, seja mais dura do que a prevista para o homem que a estuprou.

Ainda em tramitação na Câmara, o PL 1904/24 tem gerado não apenas mobilização nas redes sociais, como também protestos nas ruas, com pessoas contra a aprovação verbalizando sua indignação em todo o País.

Diante dessa repercussão, a primeira-dama Janja da Silva se posicionou, nesta sexta-feira (14), a respeito do tema. A esposa do presidente Lula defendeu que o PL “ataca a dignidade de mulheres e meninas”, além de cobrar o Congresso a aprovar ações que assegurem a realização do aborto por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) nos casos atualmente previstos em lei.

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DPU aponta ‘retrocesso da democracia’

A Defensoria Pública da União (DPU), por meio do Grupo de Trabalho Mulheres e do Observatório de Violência contra as Mulheres, divulgou, nesta sexta-feira (14), nota na qual externa preocupação com a tramitação do PL nº 1904 na Câmara dos Deputados.

O projeto propõe alterar o Código Penal Brasileiro para equiparar o aborto, no caso de gestações acima de 22 semanas, ao crime de homicídio, prevendo pena de até 20 anos de reclusão para as mulheres que provocarem o aborto em si ou permitirem que alguém o provoque.

A Defensoria destaca que a proposta, que criminaliza a prática do aborto no caso de gravidez resultante do crime de estupro, é um retrocesso aos direitos humanos das mulheres e à democracia. Além disso, ignora que “a violência sexual contra mulheres e meninas no Brasil é um problema social crescente, que precisa ser enfrentado com seriedade, prioridade e amplo debate pelo Estado Brasileiro”.

Para a DPU, a urgência na tramitação também retira do debate democrático a participação das mulheres, da sociedade civil, dos movimentos sociais, das instituições do Sistema de Justiça e do próprio parlamento.

Na nota, o GT Mulheres e o observatório destacam ainda dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, os quais confirmam um aumento significativo da violência contra as mulheres no ano anterior.

O estudo revelou que, em 2022, houve o maior número de registros de estupros da história, com um aumento de 8,2% de casos notificados em relação ao ano de 2021. As maiores vítimas dessa violência seriam crianças e adolescentes de até 13 anos, correspondendo a 61,4% do total de 74.930 casos documentados.

Em abril, a DPU e oito Defensorias Públicas Estaduais também questionaram, por meio de nota técnica, a Resolução 2.378 do Conselho Federal de Medicina, que busca restringir o direito de mulheres e meninas vítimas de estupro ao vedar assistolia fetal após 22 semanas de gestação. Os efeitos dessa norma continuam suspensos por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Veja a nota sobre a tramitação do PL nº 1904/2024 aqui.

Defensores públicos apontam violações aos direitos humanos

Condege envia a Arthur Lira nota técnica que aponta ilegalidade e inconstitucionalidade no PL

Conforme o Condege, o PL do Aborto viola Tratados de Direitos Humanos incorporados pelo Estado Brasileiro, como a Convenção das Nações Unidas para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará).

Meninas vítimas de violência sexual são as que demoram mais a identificar e conseguir pedir socorro em situações de violência, a perceber uma gravidez decorrente de violência e a chegar aos serviços de saúde. É a elas – principalmente – que será vedado o exercício do direito previsto em lei com a proibição do procedimento, com consequências graves à sua saúde e à sua vida”, diz trecho da nota.

Caso ocorra a aprovação da proposta, o Conselho afirma que pode ocorrer a responsabilização internacional do Brasil, por descumprimento das obrigações assumidas perante a comunidade internacional.

Ao equiparar o crime de aborto ao crime de homicídio simples, a nota aponta a violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade. Atualmente, o Código Penal prevê penas que variam entre 1 a 3. Com o projeto, a penalidade passará a ser de 6 a 20 anos, maior que a pena para o crime de estupro, que é de 6 a 10 anos.

“A equiparação ao crime de homicídio, que torna a punição da vítima superior a punição do algoz, é absolutamente desproporcional, desumana, revitimizadora e violadora da dignidade humana”, diz outro trecho.

“Nosso papel como Defensoria Pública é assegurar que leis e políticas públicas estejam em conformidade com a Constituição e promovam justiça social. Equiparar o aborto após 22 semanas a homicídio viola os direitos fundamentais das mulheres e meninas. A aprovação do projeto de lei em regime de urgência exclui debates importantes e a participação da sociedade civil em um tema tão sensível e complexo”, enfatizou o presidente do CONDEGE, Oleno Matos (defensor público-geral do Estado de Roraima), reforçando o pedido de arquivamento da matéria à Presidência da Câmara dos Deputados.

ENTENDA: O PL 1904/24 foi aprovado em regime de urgência na quarta-feira (12), na Câmara dos Deputados. Isso significa que o projeto pode ser votado diretamente no Plenário, sem passar pelas comissões temáticas da Câmara, e sem permitir a participação da sociedade civil e de instituições públicas nas discussões sobre o tema.

A proposta quer adicionar parágrafos aos artigos 124, 125, 126 e 128 do Código Penal Brasileiro. Em resumo, o projeto trata o aborto após 22 semanas de gestação, quando o feto pode ser viável, como homicídio, conforme o artigo 121 do Código Penal.

A nota técnica completa pode ser acessada no site do Condege (condege.org.br)

Conanda: crianças submetidas a nova violência, obrigadas a gestar e parir

NOTA PÚBLICA DO CONANDA CONTRÁRIA AO PROJETO DE LEI 1904/2024
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera federal, criado pela Lei nº 8.242 de 1991, é o órgão responsável por tornar efetivos os direitos, princípios e diretrizes contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 1990.

Pela presente nota, vem expressar profunda contrariedade ao Projeto de Lei 1904/2024, em pauta na Câmara dos Deputados, que busca equiparar o aborto a crime de homicídio em determinados casos, inclusive afastando a excludente de punibilidade prevista na hipótese de aborto no caso de gravidez resultante de estupro, garantido pelo Código Penal brasileiro desde 1940.

Em junho de 2024, a Câmara dos Deputados aprovou o Requerimento de Urgência do Projeto de Lei 1904/2024, o qual representa um retrocesso aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos reprodutivos e à proteção das vítimas de violência sexual, violando a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e diversas normas internacionais das quais o Brasil é signatário.

É imprescindível lembrar que, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, 8 em cada 10 vítimas de violência sexual eram crianças e adolescentes e 61,4% das vítimas de estupro tinham no máximo 13 anos. Ainda, os dados demonstram que 2022 foi um ano em que cresceram os índices de todas as formas de criminalidade marcadas pela violência de gênero que atingem centenas de milhares de mulheres e meninas em todo o país.

Com 56.820 vítimas, houve um incremento de 8,6% nos casos de estupro de vulnerável. Ou seja, trata-se de um cenário que deveria atrair a atenção do Congresso no sendo de ampliação da proteção, e não de punir e restringir os direitos de mulheres e, especialmente, de crianças e adolescentes, detentoras da garantia de seus direitos com absoluta prioridade, conforme preconizado pelo artigo 227 da Constituição Federal, em evidente violação ao princípio da vedação ao retrocesso social.
 

A proposta legislava ignora completamente a realidade das crianças e mulheres que enfrentam situações de estupro e que têm o direito de não serem submetidas a uma nova violência, sendo obrigadas a gestar e parir. Embora a prática de relações sexuais ou atos libidinosos com menores de 14 anos configure estupro de vulnerável independentemente do consentimento da vítima, dados do Sistema Único de Saúde demonstram que 12 mil meninas de 8 a 14 anos estavam grávidas em 2023.
 

Infelizmente, milhares de crianças e adolescentes, majoritariamente negras, dão à luz todos os anos, apesar de terem o direito ao aborto legal. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, 56,8% das vímas de estupro e estupro de vulnerável eram pretas ou pardas, evidenciando também um aumento desse indicador com relação aos anos anteriores.

As consequências para crianças, adolescentes e mulheres negras, maiores vítimas de violência sexual, aniquilam subjetividades e destroem vidas, devido aos profundos traumas e que, agora, ainda correm o risco de serem obrigadas a dar continuidade a uma gestação indesejada e imposta pela violência.
 

Crianças e adolescentes são as que mais sofrem abusos, violências obstétricas e tem suas vidas e existências ceifadas tanto pela violência dos abusadores, como pela violência institucional a qual são submetidas posteriormente. Erradicar a violência contra crianças, adolescentes e mulheres é um compromisso do CONANDA e, para tanto, é necessário o enfrentamento ao machismo e ao racismo e garantir direitos desta população que é historicamente vulnerabilizada e violentada em nosso país, tendo suas vidas e saúdes diretamente impactadas com a violência e com Projetos de Lei, como no caso em tela, que ainda tem o condão de gerar uma ampla insegurança jurídica.
 

A gestação, como a concretização de uma situação de estupro e a obrigatoriedade do prosseguimento da gravidez é uma nova violência, um processo de revitimização agora imposto pelo Estado brasileiro, e que pode ser comparado com situações de tortura. Apenas a inviolabilidade dos corpos das crianças e adolescentes permitirá o seu pleno desenvolvimento físico, social, psíquico e emocional, o que significa que é preciso interromper qualquer tipo de violências e de imposição que impeça crianças de sonhar e de construir projetos de vida, violando direitos fundamentais à vida, à dignidade humana e à proteção contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão, tortura e tratamento cruel ou degradante.
 

Defende-se que a normativa referente ao abortamento legal seja integralmente efetivada na prática com a oferta do procedimento em serviços públicos de forma acessível, protegida e segura, observando-se as garantias fundamentais previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, com promoção de medidas de acolhimento e atendimento humanizado e especializado, com os mais amplos cuidados relativos à saúde física e mental de crianças e adolescentes.
 

Por fim, destaca-se que, com a alteração proposta, a pena prevista para mulheres e meninas vítimas de estupro se tornará maior (de seis a vinte anos de reclusão) do que a pena prevista para o crime de estupro de vulnerável (de oito a quinze anos de reclusão), o que significa uma criminalização majorada contra as vítimas, não sendo observada pelos legisladores a proporcionalidade entre as penas e delitos previstos no Código Penal, bem como a revitimização de mulheres e crianças vítimas de estupro.
 

Diante do exposto, o CONANDA posiciona-se contrário ao Projeto de Lei 1904/2024, que impõe sofrimento, tortura e coloca em risco a saúde, a integridade física e mental e a dignidade de milhares de crianças e adolescentes que são cotidianamente violentadas sexualmente em nosso país.
 

Criança não é mãe!
 

MARINA DE POL PONIWAS
Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda

Com Assessorias

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