Os ‘sem-banheiro’: falta de saneamento afeta 4,4 milhões de brasileiros

Número é maior que toda a população do Uruguai. São mais de 1,3 milhão de residências brasileiras sem acesso a banheiro exclusivo

Banheiros sem condições de uso são uma realidade em muitas moradias no país (Foto: Trata Brasil)
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Mais uma da série ‘motivos para não se orgulhar do Brasil’. Em pleno século 21, o país registra o absurdo número de  4,4 milhões de pessoas ‘sem-banheiro’. É mais do que toda a população do Uruguai. Pelo menos 1,332 milhão de moradias (1,8% do total de residências no país) não tinham banheiro de uso exclusivo do domicílio em 2022. Os dados são do estudo inédito A vida sem saneamento: para quem falta e onde mora essa população?”, divulgado na última quinta-feira (16) pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

A maior parte das moradias com essa privação (63,1%) estava localizada nos estados do Nordeste brasileiro, totalizando 841 mil habitações em 2022, a maioria nas regiões Norte e Nordeste. No Nordeste, cerca de quatro a cada 100 moradias ainda não tinham banheiro de uso exclusivo. A  maior concentração de famílias com essa privação, considerando moradias e a população, foram Acre, Maranhão, Piauí, Pará e Amazonas.

A pesquisa considera cinco categorias de privações: privação de acesso à rede geral de água; frequência de recebimento insuficiente de água potável; disponibilidade de reservatório; privação de banheiro; e privação de coleta de esgoto. Os números são alarmantes: considerando as moradias brasileiras, da totalidade de 74 milhões, quase 9 milhões não possuem acesso à rede geral de água.

Aproximadamente 17 milhões contam com uma frequência insuficiente de recebimento; 11 milhões não possuem reservatório de água e 22 milhões não contam com coleta de esgoto. A pesquisa indica ainda que cerca de uma a cada duas moradias brasileiras convivem diariamente com algum tipo de privação no saneamento.

Em termos mundiais, a situação não é diferente. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 3,6 bilhões de pessoas não possuem banheiro em casa. O tema ganha destaque neste Dia Mundial do Banheiro, celebrado anualmente no dia 19 de novembro. A data estabelecida pela ONU joga luz sobre a falta de saneamento básico ainda vivida por milhões de pessoas no mundo, em especial a privação de equipamento sanitário.

A ideia é colocar o esgotamento sanitário na pauta de direitos e com isso pressionar governos, autoridades e empresas dos países para reforçar o compromisso com investimento social privado, para buscar soluções e estratégias que possam efetivamente sanar esse problema, além de além de conscientizar os demais atores da sociedade para essa grave questão de saúde pública.

Mapa 1 – Moradias e população com privação de equipamento sanitário, em (%) dos totais, 2022

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Crianças e jovens autodeclarados pardos e indígenas são os que mais sofrem

O perfil dos habitantes apontados no estudo indica que as pessoas autodeclaradas pardas prevaleceram no total da população em privação de banheiro, respondendo por 73,7% do total em 2022. A população autodeclarada branca respondeu por 13,8% e a autodeclarada preta, por outros 10,6%. Em termos relativos, contudo, a maior frequência ocorreu na população indígena, onde 5 a cada 100 pessoas estavam na condição de privação de banheiro. 

Crianças tomam ganho de balde em locais onde não existem banheiros para todos (Foto: reprodução de internet)

Analisando a população com privação de equipamento sanitário conforme a faixa etária, o estudo indica que quase 40% das pessoas que moravam em habitações sem banheiro de uso exclusivo em 2022 tinham menos de 20 anos de idade. Luana Pretto, presidente do Trata Brasil, analisa o quão prejudicial é a ausência de saneamento para a qualidade de vida da população e para o futuro do país.

“A privação dos serviços básicos tem implicações imediatas no cotidiano das pessoas, afetando sua saúde, seu trabalho e até mesmo seu estudo. É inadmissível que ainda tenham 4,4 milhões de brasileiros e brasileiras vivendo em residências sem acesso ao banheiro e que entre essas pessoas, a maioria são jovens em uma situação tão precária. Mudar essa realidade a partir do acesso pleno ao saneamento básico significa oferecer uma vida digna para os cidadãos”, finaliza a executiva.

60% dos ‘sem-banheiro’ estão abaixo da linha da pobreza

Falta de saneamento básico afeta 4,4 milhões de brasileiros (Foto: Arquivo / Agência Brasil)

O estudo também identificou que 60,7% da população morando em habitações sem banheiro de uso exclusivo estavam abaixo da linha de pobreza em 2022. A distribuição da população com privação de equipamento sanitário por faixa de rendimento mensal domiciliar apresenta novamente uma forte concentração nos domicílios de baixa renda.

Em 2022, 76,2% do total de 4,412 milhões de pessoas em privação de banheiro moravam em domicílios em que a renda total foi de, no máximo, R$ 2.400 por mês. Outros 19,5% das pessoas em privação moravam em residências cuja renda mensal domiciliar variava entre R$ 2.400,01 e R$ 4.400. Essas duas classes de renda totalizaram quase 96% da população em estado de privação de banheiro.

Do ponto de vista educacional, a grande maioria da população em estado de privação de banheiro não tinha instrução formal (18,1%) ou não tinha completado o ensino fundamental (54,5%). O peso da população que chegou ao ensino superior, tendo ou não completado esse ciclo, foi extremamente pequeno, de apenas 1,2% do total de pessoas em estado de privação de banheiro.

Realizado em parceria com a Ex Ante Consultoria Econômica, o estudo traça o perfil socioeconômico e demográfico da população brasileira que sofre com privações nos serviços de saneamento básico, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada Anual (PNADCA), produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2013 e 2022. Para isso, a pesquisa considera cinco categorias de privações e, entre essas, é analisada a questão da privação de banheiro. Confira o estudo completo neste link.

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96 milhões de pessoas não têm acesso a esgotamento sanitário

Dia do Banheiro quase 100 milhões de pessoas no país não possuem acesso ao esgotamento sanitário (Foto: iStock)

De acordo com dados da Associação e Sindicato Nacional das operadas privadas de saneamento (AbconSindcon), o índice de atendimento total de esgotamento sanitário (coleta e tratamento), que estava em 48,6% em 2013, chegou a 55,8% em 2021. Mesmo com a inclusão de 1,1 milhão de pessoas no sistema de esgotamento sanitário entre 2019 e 2021, o déficit de atendimento é enorme: 96 milhões não têm acesso ao esgotamento sanitário.

“Esse déficit em um serviço básico para o bem-estar de todos acarreta uma série de impactos na saúde, infância, educação, meio ambiente, turismo e na própria atividade econômica como um todo”, declara Percy Soares Neto, diretor executivo da AbconSindicon.

Segundo ele, o  Brasil pouco avançou no saneamento nos últimos 10 anos. Em 2013, a população sem acesso à água tratada no país era praticamente a mesma de hoje. “O avanço é lento e não supre nem ao menos o crescimento demográfico do país, apesar dos investimentos já realizados a partir do novo marco legal do saneamento, de 2020, que trouxe diretrizes para ampliar a concorrência, promover a regionalização e garantir segurança jurídica ao setor”, completa.

A entidade também aponta a cobertura existente sofre com enormes desigualdades regionais e a necessidade de modernização e manutenção dos sistemas. Sem uma robusta expansão dos investimentos no setor, o brasileiro corre o risco de permanecer em situação precária nos próximos dez anos”, alerta.

A corrida contra o tempo a fim de ter saneamento para todos já começou: para a ONU, o prazo estipulado para a universalização – estabelecido por meio de um dos chamados ODSs, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ratificado pelos países-membros das Nações Unidas há oito anos – é 2030. O Brasil também possui sua própria meta: em 2033, de acordo com a Lei 14.026/20, o país precisa garantir 99% de acesso à água tratada e 90% ao esgotamento sanitário.

A entidade estima que essa universalização até 2033 demande quase R$ 900 bilhões em investimentos. Caso o Brasil consiga cumprir com a meta, os impactos positivos serão enormes: um incremento de R$ 1,4 trilhão no PIB e, principalmente, mais saúde para a população.

Boas Ações

Empresa de saneamento vai reformar banheiros de 10 instituições

Iguá Saneamento, uma das principais empresas do setor do Brasil, anunciou que vai realizar reformas em banheiros de 10 instituições localizadas em suas áreas de atuação, que incluem as operações Agreste (AL), Atibaia (SP), SPAT (SP), Sanessol (SP), Paranaguá (PR), Iguá Rio de Janeiro (RJ), Cuiabá (MT) e Colíder (MT). Entre as ações estão consertos de vazamentos, desentupimento de pias e vasos sanitários e instalação de válvulas de descargas, barras de segurança, pintura, revestimento, iluminação, trocas de portas e fechaduras.

Junto ao Pacto Global da ONU – aliança de empresas, governos e sociedade civil em prol de um desenvolvimento mais justo e sustentável – a Iguá participa do Movimento +Água, que busca acelerar a universalização do saneamento e segurança hídrica no Brasil. A proposta é exercer maior controle, transparência e ações coletivas avançando no Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº6 – Água Potável e Saneamento para todos até 2030 e nº 11- Cidades e Comunidades mais sustentáveis.

“As más condições afetam não só a saúde pública, como também geram impactos socioeconômicos, profissionais e na educação. Água limpa e esgotamento são direitos humanos essenciais e garantem qualidade de vida, redução da desigualdade social e preservação ambiental”, pontua João Roberto Rocha Moraes, diretor de Responsabilidade Social e Institucional da Iguá. “Viver sem um banheiro é indigno e perigoso. Universalizar o saneamento é a saída para a sobrevivência e preservação da qualidade de vida no futuro”, conclui.

Fonte: Instituto Trata Brasil, AbconSindicon e Iguá
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