O Estado do Rio de Janeiro vai ganhar novas salas de Depoimento Especial para acolher crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e outras violências, inclusive praticadas por familiares. A experiência bem sucedida das salas instaladas recentemente na Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV) e na 25ª Delegacia de Polícia Civil (Engenho Novo), foi apresentada em audiência pública no plenário da Alerj, nesta quarta-feira (26) e conquistou o apoio da Comissão de Assuntos da Criança, do Adolescente e da Pessoa Idosa da Casa.

“Isso é muito importante para o depoimento de crianças e adolescentes, para que se sintam à vontade. Ninguém gosta de ir numa delegacia, a gente sabe disso, o ambiente não é muito adequado”, disse o deputado Munir Neto (PSD), presidente do colegiado. “Nós precisamos expandir essas salas para todo o Estado do Rio de Janeiro, não só nas delegacias, mas também em outras instalações do sistema de garantia de direitos. Então essa é uma das nossas lutas”, completou.

Segundo ele, a maior parte das violências contra crianças é intrafamiliar, ocorre dentro da própria casa. “O pai e a mãe batendo numa criança ou adolescente, como foi falado, isso tem que ser denunciado. Não é porque são pais que podem bater. E o mais grave também é o abuso sexual, essa violência tão trágica. Precisamos ter todas as condições para que essa criança ou adolescente possa relatar o que aconteceu. Mas não basta ter só em uma ou duas delegacias”, reforçou o deputado.

A apresentação do espaço foi feita pela inspetora de Polícia Civil Rafaela Silva, da DCAV. Segundo ela, a sala na unidade do Centro do Rio recebeu tratamento especial, inclusive com mobiliário, equipamentos, recursos audiovisuais e lúdicos, para receber, com conforto, privacidade e segurança, as crianças e adolescentes, permitindo que não sejam revitimizados ao prestar declarações sobre as agressões e abusos que sofreram.

A proposta é instalar novas salas em outras delegacias – a próxima deve ser a 18ª DP (Praça da Bandeira), conforme anunciou o delegado Marcos Buss, titular da 25ª DP. “O espaço já está estruturado, só falta o profissional”, disse ele.

As salas de Depoimento Especial atendem à chamada Lei da Escuta Protegida (Lei 13.4231/2017), que estabelece privacidade, acolhimento e tratamento diferenciado a crianças e adolescentes que passam por graves violações de direitos. Durante a audiência pública, também foi discutida a oferta de cursos de formação e capacitação de agentes públicos para atuarem no combate ao abuso sexual e o fortalecimento dos conselhos tutelares, além de professores e profissionais da rede pública de ensino.

Violência familiar – ‘Não Bata, Eduque’

A audiência pública marcou o Dia Nacional pela Educação Sem Violência (26/6) e também os 10 anos da Lei do Menino Bernardo (13.010/2014), que complementa o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), garantindo o direito de serem educados e cuidados sem castigos físicos e humilhações.

Ana Paula Rodrigues, articuladora da rede ‘Não Bata, Eduque’, disse que foram mais de 180 mil denúncias em 2023, o que representa mais de 500 por dia, somente pelo Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos.

Infelizmente, as mães aparecem como principais suspeitas na maior parte dos casos porque estão mais sobrecarregadas. É preciso cuidar de quem cuida”, disse. Ana Paula aproveitou para convidar os presentes a aderirem à campanha dos 16 dias de ativismo, iniciados nesta quarta e que vão até o dia 11 de julho.

Mãe e filho relatam violências em escolas

Durante a audiência pública, mães e avós de crianças e adolescentes se manifestaram, relatando situações de violência e abusos enfrentados pelos filhos, netos e por elas próprias, quando crianças. Um dos depoimentos mais emocionantes foi de Luciane Vieira, mãe atípica de Theo, um adolescente de 12 anos, diagnosticado dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O menino também relatou ter sofrido bullying e outras violências por parte de professoras e colegas em duas escolas.

Fui hostilizado, agredido, passei recreios sozinho, ninguém queria fazer trabalhos comigo. Sofri terror psicológico, minha mãe perdeu o emprego, ficou doente”, contou Theo. “É duro ouvir que seu filho é excluído”, contou Luciane.

Após muitas idas e vindas ao Conselho Tutelar, mãe e filho conseguiram vencer duas ações na Justiça para fazer valer seus direito, Hoje Theo está bem adaptado em outra escola e até se tornou representante de turma. A família também abraçou o ativismo na luta por direitos de outras crianças e adolescentes atípicos.

 

“Lugar de criança é no orçamento público”, diz pediatra

“Lugar de criança é no orçamento público”, disse a pediatra Rachel Sanchez, do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), cobrando que as políticas públicas, de fato, saiam do papel e entrem no OCA (Orçamento da Criança e Adolescente), previsto em lei estadual.

Sem desmerecer o trabalho da sociedade organizada, mas enquanto não houver implementação das políticas públicas para diminuir a desigualdade social, de gênero, de raça, etnia, vamos enxugar gelo e apagar incêndio à custa de trabalho insano das ONGs”, pontuou.

Para Rodrigo Azambuja, coordenador da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado do Rio, a solução para o enfrentamento da violência contra as crianças e adolescentes está na união entre poder público e sociedade civil.

“Esta é mais uma das muitas audiências que a gente vai ter que fazer, porque até mesmo que a gente mude essa cultura, esse paradigma, a gente vai precisar de muito tempo. Mas é a união de sociedade, estado e a família que a gente vai cumprir essa promessa feita para nossas crianças e adolescentes lá em 1988, na Constituição”, disse.

O encontro discutiu diversas propostas e iniciativas para fortalecer a rede de apoio a crianças e adolescentes vítimas de abusos e violências no Estado do Rio e dar um basta às violações de direitos que ameaçam sua dignidade e seu futuro.

De acordo com o deputado Munir Neto, todas as sugestões serão estudadas e avaliadas. Novos projetos de lei, indicações legislativas, alterações e cobrança do cumprimento de leis já existentes deverão ser apresentados ou discutidos após o recesso legislativo de julho.

O ex-presidente da Superintendência de Desportos do Estado (Suderj), Renato de Paula, disse que uma solução é mais investimentos em esporte e educação, como mecanismo de resgate das vítimas de violência, sobretudo em áreas de vulnerabilidade social.

O deputado federal Otoni de Paula (MDB) disse que levará os pleitos às comissões de Esportes e Tecnologia, das quais faz parte, na Câmara Federal. Durante o evento foi prestada também uma homenagem ao pai de Renato e Otoni, o deputado estadual Otoni de Paula Pai, que faleceu recentemente.

Com informações da Alerj

 

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