Delírios, alucinações, desorganização do pensamento e do comportamento, distanciamento social, agitação, comprometimento do juízo da realidade, empobrecimento psíquico, desleixo pessoal, redução da vontade própria e da capacidade de agir com objetividade: esses são alguns dos principais sintomas da esquizofrenia.
Esse transtorno mental grave que afeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 25 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a terceira principal causa de perda de qualidade de vida entre os 15 e 44 anos. No Brasil, estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas convivam com o transtorno — cerca de 1% da população.
Segundo o Departamento de Pós-Graduação da FG Faculdade Global (POSFG), cerca de 68% delas não recebem tratamento adequado, o que agrava ainda mais os impactos da doença sobre os indivíduos e suas famílias. Os dados ganham ainda mais relevância neste sábado (24), data instituída em 2024 como o Dia Nacional de Conscientização sobre a Esquizofrenia, com o objetivo de combater estigmas, ampliar o conhecimento da população e estimular a empatia.
‘Doença provoca uma ruptura com a realidade’, diz psiquiatra
O psiquiatra Fernando Tomita, do Vera Cruz Hospital, em Campinas (SP), explica que a doença é a forma mais representativa das psicoses, com causas ainda não totalmente compreendidas, e que costuma se manifestar no início da vida adulta, geralmente entre os 20 e 30 anos.
A esquizofrenia é uma doença que provoca uma ruptura com a realidade. Por isso, ainda carrega o estigma da ‘loucura’. Isso pode gerar graves consequências na vida do paciente, como comprometimento no juízo crítico e no senso prático, na capacidade de trabalho, na responsabilidade civil e penal, e impactos severos também para a família e a sociedade.”.
Segundo o médico, é essencial que familiares e pessoas próximas fiquem atentos a sinais como mudanças de comportamento, isolamento, agressividade e sintomas psicóticos, como delírios e alucinações.
O delírio é uma alteração do pensamento, uma crença falsa e inflexível — como acreditar que está sendo perseguido, vigiado, zombado, ou que possui poderes especiais. Alucinação, por sua vez, é uma distorção da percepção. A mais comum é a auditiva, quando o paciente escuta vozes, comentários ou ruídos que não existem”, explica.
Embora seja uma doença crônica e sem cura, há medicações capazes de controlar os chamados “sintomas positivos” (como delírios e alucinações) e sintomas negativos (a apatia, o isolamento, o negativismo). “As medicações mais modernas têm menos efeitos colaterais, o que facilita a adesão ao tratamento”, destaca Tomita. No entanto, a aceitação do tratamento ainda é um desafio, em razão da dificuldade que muitos pacientes têm em reconhecer a própria condição.
Os mitos em torno da esquizofrenia
O especialista também destaca a importância de desconstruir mitos. “Um dos mais prejudiciais é a ideia de que pessoas com esquizofrenia são violentas. Isso não é verdade. Embora alguns casos com grande repercussão midiática reforcem essa associação, a maioria dos atos violentos é cometida por pessoas que não têm transtornos mentais.”
De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da OMS, a esquizofrenia pode se manifestar de diferentes formas, com variações nos sintomas e na maneira como a doença evolui ao longo do tempo. O diagnóstico é feito com base na observação clínica, ou seja, a partir do comportamento ao longo do tempo. A gravidade dos sintomas, a resposta ao tratamento, o uso de substâncias e a presença de outras doenças também influenciam nos prejuízos da doença e nas chances de melhora.
O tratamento é feito com o uso de medicamentos antipsicóticos, inclusive com a possibilidade de medicações injetáveis de longa duração, que podem ter efeito por até três meses.
O tratamento não deve se restringir aos remédios. A abordagem psicossocial envolvendo o próprio paciente, a família e a rede de apoio. Psicoterapia, terapias ocupacionais e a orientação familiar fazem toda a diferença na qualidade de vida e na adesão ao tratamento”, conclui Tomita.
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A influência da ancestralidade em doenças mentais graves
Com o sequenciamento do genoma humano, no início dos anos 2000, a ciência identificou que 8% do código genético do ser humano é composto por microrganismos de origem ancestral, denominados como retrovírus endógenos humanos, também conhecido pela sigla HERVs. Desde a sua descoberta, ao longo das últimas décadas a ciência busca desvendar os efeitos desses vírus ancestrais no corpo humano.
Esse também tem sido o objetivo de um grupo de pesquisadores do Programa de Mestrado em Ciências da Saúde da Universidade Santo Amaro (Unisa). Os cientistas da Instituição buscam mapear e identificar o impacto do comportamento destes microrganismos em pessoas com transtornos mentais graves – como esquizofrenia e transtorno bipolar –, bem como a sua influência nos processos inflamatórios desses pacientes.
Para isso, o biólogo e professor do Mestrado em Ciências da Saúde da Unisa, Luiz Henrique da Silva Nali, liderou estudo que avaliou como os retrovírus endógenos (HERVs) agem no organismo de um grupo de indivíduos com esquizofrenia e transtorno bipolar.
As análises realizadas nos laboratórios da Universidade indicaram que estes vírus, os HERVs, estavam associados a um processo inflamatório mais elevado em pessoas com transtornos mentais do que em indivíduos sem o diagnóstico da doença.
Notamos que, em pessoas com esquizofrenia e transtorno bipolar, o nível de atividade dos vírus estava mais elevado em comparação com o outro grupo. Quanto maior a atividade dos microrganismos, maior é a reposta inflamatória dos pacientes”, pontua o professor Luiz Henrique.
A pesquisa também traz outros dados que devem auxiliar os especialistas no entendimento das doenças mentais e como melhorar a qualidade de vidas dessas pessoas. Ainda segundo o pesquisador, a análise amplia a compreensão de como se dá o comportamento desses vírus.
Os resultados obtidos nesta etapa da pesquisa ajudarão na compreensão dessas doenças que apresentam o perfil inflamatório, e poderá pavimentar o caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos”, explica o professor.
A pesquisa contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Unisa.
O estudo teve ainda a colaboração de professores e alunos do Mestrado em Ciências da Saúde e dos cursos de graduação em Biomedicina e Biologia da Unisa; e pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Albert Einstein College of Medicine, nos Estados Unidos.
Com Assessorias