No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que, atualmente, há entre 60 mil e 100 mil pacientes com doença falciforme, uma condição genética mais prevalente (mas não exclusiva) em pessoas pretas e pardas, na maioria, mulheres. O Rio de Janeiro registrou quase 3 mil internações por conta da doença em hospitais da rede estadual, no período de janeiro de 2022 a setembro de 2023.
O Hemorio – Instituto Estadual de Hemotologia Arthur Siqueira Cavalcanti concentra o maior número de atendimentos do estado. Referência na assistência, o Hemorio tem uma média de atendimentos de 4 mil falcêmicos, inclusive gestantes e crianças, com utilização de diversas técnicas de tratamento, que são referência hoje para estudos internacionais.
Não à toa foi escolhido o representante do Brasil em estudo clínico inédito no mundo sobre a doença falciforme conduzido pelas universidades americanas de Maryland e Pittsburgh. Três pacientes brasileiros, atendidos no Hemorio, já estão em acompanhamento.
A troca de experiências entre as instituições, especialmente em relação aos novos tratamentos, tem como objetivo evitar complicações tardias em pacientes adultos.
Nossa preocupação é que os pacientes têm grande morbidade e mortalidade, principalmente em casos de infartos e AVCs, com registro em crianças. As novas técnicas utilizadas nos permitem oferecer mais qualidade de vida”, afirmou o pneumologista e professor Mark T Gladwin.
O médico monitora os casos em diferentes países. Apenas na Nigéria são 5 milhões de pessoas acometidas com a doença falciforme. Mark Gladwin e Darrell Triulzi, diretor-geral do hemocentro e professor da Faculdade de Medicina de Pittsburgh, estiveram no auditório do Hemorio, na última quinta-feira (30/11), para expor os resultados dos estudos e conhecer os pesquisadores brasileiros durante o simpósio “Novos Tratamentos para Doença Falciforme”.
Novos equipamentos e medicações para aliviar a dor
Diretor geral do Hemorio, Luiz Amorim enfatiza que a parceria vai ampliar as pesquisas clínicas, com o uso de novos equipamentos e medicações, possibilitando a redução das dores crônicas, que acometem a maioria das pessoas que convive com o diagnóstico na vida adulta.
Os professores americanos trouxeram novos equipamentos para diagnóstico como, por exemplo, um anel que avalia a frequência cardíaca em tempo real, além da oximetria. Esse equipamento, que deve ser usado por sete dias, permite que o paciente seja monitorado em seu dia a dia até enquanto está dormindo ou andando pela casa.
Também conhecemos uma nova ferramenta para avaliar a dor. Isso é muito importante porque quem tem doença falciforme convive com a dor e precisamos melhorar a qualidade de vida. Poderemos mapear a intensidade e a percepção da dor por meio do uso de cores e de animação que mostra diferentes partes do corpo, sendo o vermelho a escala mais intensa”, explica Amorim.
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Novos protocolos para transfusão de sangue
Um dos protocolos de tratamento no Hemorio prevê também a transfusão de sangue, sendo utilizada por 58% dos pacientes na unidade. Hoje, a instituição conta com um moderno equipamento para o procedimento, que é realizado de maneira automatizada, com uma média de 20 atendimentos de segunda a sexta.
De acordo com Amorim, o procedimento registra bons resultados, mesmo diante da dificuldade em obter o sangue com fenótipo específico, com as especificidades dos anticorpos imprescindíveis ao procedimento. São necessárias muitas bolsas ao longo do ano por indivíduo.
As situações clínicas para a transfusão envolvem a prevenção primária e secundária de AVCs em crianças e adolescentes, anemia aguda, preparação para cirurgias e priapismo (ereção dolorosa, de duração variável e não relacionada a estímulo sexual).
Um grave problema de saúde pública mundial
Estudiosa do tema, a hematologista brasileira Clarisse Lobo que estava presente ao simpósio, ressalta que a doença falciforme é reconhecidamente um grave problema de saúde pública mundial, com grande impacto na morbimortalidade da população acometida pela doença.
No Brasil, a doença é reconhecida pelos profissionais de saúde como de alta prevalência há vários anos, por conta da nossa população autodeclarada parda ou negra. O problema foi também reconhecido pelo Ministério da Saúde, que, a partir de 2001, introduziu a fase II do programa brasileiro de triagem neonatal, com o objetivo de identificar precocemente a pessoa comdoença falciforme, por meio do Teste do Pezinho”, explica a pesquisadora.
Hoje, a Política de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme do Ministério da Saúde representa mais um avanço na abordagem do gene falciforme no Brasil, ajudando na melhoria da invisibilidade desse grande grupo de brasileiros.
O outro eixo norteador relaciona-se ao acesso a todos os recursos diagnósticos e terapêuticos dirigidos à prevenção e ao tratamento das complicações. Dentro dessa lógica, está o Brasil, que já contava, desde 2002, com portaria que definia os critérios para uso de hidroxiurea (droga mais utilizada para o tratamento) no âmbito do SUS.
Agora, por meio da reedição dessa normativa feita em 2010, ampliamos os critérios, colocando nosso país entre os mais avançados em termos de possibilidade de acesso ao fármaco”, disse Clarisse.
Pacientes com a doença falciforme também são atendidos em outras unidades estaduais de saúde, como o Hospital Estadual Prefeito João Baptista Caffaro, em Itaboraí; Hospital Estadual Azevedo Lima, em Niterói; Hospital Estadual Dr Ricardo Cruz, em Nova Iguaçu; Hospital Estadual Carlos Chagas, Hospital Estadual Getúlio Vargas e Hospital Universitário Pedro Ernesto, na Zona Norte; Hospital Estadual Alberto Torres, em São Gonçalo.
Racismo estrutural e acesso à saúde
Mais prevalente em pessoas de origem africana e afrodescendentes, a doença falciforme é uma realidade que merece ser discutida e compreendida para que se possa combater efetivamente a discriminação racial em todos os níveis, inclusive na saúde pública.
No Brasil, são 60 mil brasileiros com a doença. Estima-se que 4 em cada 10 mil nascidos vivos são portadores da doença falciforme, de acordo com os dados dos Relatórios Anuais do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN).
Estudo inédito realizada pela APROFe – que representa pessoas com doença falciforme e a saúde da pessoa negra -, em parceria com a Colabore do Futuro, demonstra que a maior parte dos pacientes (77,6%) se utiliza do Sistema Único de Saúde (SUS).
Mais de 37% dos entrevistados vivem com uma faixa de rendimento mensal inferior a um salário mínimo, sendo que 39% vivem com algo entre um e dois salários mínimos. Há um percentual razoável de pessoas afastadas por auxílio-doença, licença-médica ou utilizando-se de benefícios assistenciais (12,2%).
Menor atenção a mulheres e crianças negras
Dados do Ministério da Saúde demonstram que uma mulher negra recebe menos tempo de atendimento médico do que uma mulher branca. As mulheres negras correspondem a 60% das mortes maternas no País e 47% dos casos de mortalidade infantil na primeira semana de vida acontecem em crianças negras.
Enquanto 46,2% das mulheres brancas tiveram acompanhantes no parto, apenas 27% das negras utilizaram esse direito. Também 77,7% das mulheres brancas foram orientadas para a importância do aleitamento materno e apenas 62,5% das mulheres negras receberam essa informação.
Os números comprovam as dificuldades de acesso à saúde pela população preta e parda, que representa 75% dos indivíduos mais pobres no Brasil. No geral, essas pessoas moram distantes dos serviços de saúde e quando acessam o atendimento, sofrem preconceito ou recebem menos tempo de atendimento que uma pessoa branca.
Com Assessorias
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