Muito conhecido pela produção de soro antiofídico, usado em picada de cobras, o centenário Instituto Vital Brazil (IVB), com sede em Niterói, poderá fabricar repelentes contra o mosquito Aedes aegypti, a ser distribuídos gratuitamente à população do Estado Rio de Janeiro. O anúncio foi feito por representantes do Governo do Estado durante audiência pública na Assembleia Legislativa (Alerj) em que deputados cobraram medidas mais efetivas para conter a epidemia de dengue.
De acordo com projeções da Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apresentadas no evento, o Estado do Rio deverá ter mais de 240 mil novos casos de dengue ainda este ano. Até o dia da audiência (quarta-feira 13), já eram mais de 126 mil casos prováveis e 38 mortes pela doença somente este ano. Já nesta quinta (14), os números subiram para 129.965 casos e 40 mortes.
“O Instituto Vital Brazil tem muito a contribuir, não só de produção de conhecimento, mas também de produção e soluções de produtos que possam agregar no dia a dia e no controle da dengue. Um deles é o repelente”, afirmou o presidente do IVB, Alexandre Chieppe, que já foi secretário estadual de Saúde, segundo comunicado distribuído na noite desta quinta-feira (14) pela SES-RJ. .
Na audiência “A ciência e tecnologia no combate à dengue e apresentação do cenário atual da epidemia pela SES”, ele disse que a descoberta de novas tecnologias – como a utilização dos drones para detectar focos do mosquito, proposta pela Alerj (veja mais abaixo) – não é capaz de evitar epidemias num curto período de tempo.
Combate a falta de repelentes nas farmácias e supermercados
O ex-secretário de Sapude defendeu que o uso de novas ferramentas a serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) – como a produção de repelentes – pode mitigar o impacto da epidemia junto à população.
Chieppe também lembrou a falta de repelentes nas farmácias e supermercados do Estado do Rio. “É possível trabalhar para que a gente tenha uma produção sustentável de um produto que falta no mercado“, disse ele,
O avanço nos casos de dengue no Brasil impulsionou a procura por repelentes em todo o Brasil, segundo pesquisa recente. A corrida começou no Rio de Janeiro com a declaração de epidemia na capital, no início de fevereiro, e 20 dias depois, pelo estado.
Isso também tem contribuído para que muitas pessoas façam uso de repelentes caseiros, o que é desaconselhado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que regula os repelentes e inseticidas recomendados para utilização e venda no Brasil, sem riscos à saúde humana.
Repelentes distribuídos a foliões na Sapucaí antes da epidemia
O comunicado da SES-RJ não informa se o repelente produzido no laboratório do IVB, em Niterói (RJ), tem aval da Anvisa. Nem se o produto foi o mesmo distribuído gratuitamente pelo governo estadual a turistas e demais visitantes e moradores que foram assistir aos desfiles na Marques de Sapucaí.
A ação fez parte do conjunto de medidas adotadas no período carnavalesco pela SES-RJ. Três dias após o Desfile das Campeãs, no dia 21 de fevereiro, o governador Claudio Castro (PL), finalmente, declarou emergência pública no Estado do Rio por dengue.
O decreto com a medida, publicado logo em seguida, prevê repasse de recursos do governo federal e autorização para contratar fornecedores sem licitação para atuar no combate à epidemia. Não foi informado quanto foi enviado pelo Ministério da Saúde para este fim.
Estado já tinha previsão de epidemia de dengue desde 2023
O Governo do Estado já sabia do risco de uma epidemia de dengue no início de 2024 pelo menos desde outubro de 2023. É o que revelaram representantes da Saúde durante a audiência pública na Alerj. Para a secretária estadual de Saúde, Cláudia Melo, a modernização tecnológica da pasta “possibilitou a identificação do cenário epidêmico de forma precoce”.
“Através da avaliação histórica e do monitoramento dos dados, conseguimos identificar, ainda no ano passado, que teríamos uma epidemia de dengue no início de 2024. Isso possibilitou que a própria secretaria tomasse medidas estratégias para que a rede assistencial não fosse pressionada”, disse ela, referindo-se à baixa ocupação de leitos hospitalares pela doença.
A superintendente de Vigilância e Atenção Primária da Saúde da SES-RJ, Luciane Velasque, apresentou um painel elaborado por técnicos da SES e pesquisadores do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) da Fiocruz, com dados indicativos da situação da epidemia de dengue no estado.
“Em outubro de 2023, já havíamos percebido um aumento no número de notificações em todo o estado. Em fevereiro, foram notificados 78 mil casos, com 38 óbitos, e já estamos trabalhando com a previsão de 240 mil novos casos ainda este ano. Estamos em uma situação de epidemia muito grande nos municípios do interior, sobretudo na capital“, alertou.
Dez vezes mais casos de dengue que o esperado
A mais recente edição do boletim Panorama da Dengue da SES-RJ, já divulgada esta semana, mostrava que o estado está dez vezes acima do limite máximo esperado para esta época do ano, de acordo com a série histórica, e que o Rio de Janeiro segue com tendência de alta no número de casos prováveis da doença.
Apesar da alta alarmante de casos, Luciane Velasque disse que não se observou um “aumento consistente da taxa de ocupação de leitos”. Nesta quinta-feira (14), o Painel Monitorar da SES-RJ – que é atualizado de segunda a sexta-feira – apresentava 3.667 internações desde o início do ano (veja aqui).
Ainda na audiência, a secretária de Saúde Claudia Mello destacou a criação do CIS-RJ, responsável pelo monitoramento de dengue, e a automatização dos dados em saúde pública na gestão do SUS. Também relembrou ações de combate à dengue – segundo ela, iniciadas pela SES-RJ ainda em 2023 – já amplamente divulgadas nas últimas semanas.
Deputada cobra mais apoio do Estado aos municípios
Na audiência pública, a deputada Elika Takimoto (PT), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Alerj, disse que o período de epidemia reforça a necessidade do debate para interlocução entre os poderes e instituições, com objetivo de reduzir os impactos causados à população.
“A gente precisa pautar a Casa neste momento. Foram várias falas importantes, e de setores diferentes, que engrandecem o debate, mas que apontam a necessidade para que os municípios recebam apoio em tempo oportuno”, afirmou a parlamentar, que convocou a audiência pública, junto com o deputado Tande Vieira, presidente da Comissão de Saúde da Alerj.
A secretária de Saúde respondeu à deputada, explicando que existe um plano de contingência em ação em todos os municípios fluminenses, de forma integrada, conectando dados atualizados com todos os órgãos ligados à pasta.
“A secretaria vem trabalhando desde a última epidemia, no ano de 2008, apoiando os municípios e disponibilizando – com transparência – o monitoramento desses locais, e recebendo dados para podermos entender o começo desta epidemia. Estamos realizando treinamentos com profissionais da área da saúde desde dezembro de 2023, quando percebemos um grande aumento nos casos; e atuando com apoio institucional e também junto à área tecnológica da Secretaria”, declarou Claudia Mello.
Preocupação com a baixa adesão à vacinação contra a dengue
Soluções para combater a baixa adesão dos pais de crianças de 10 a 14 anos à campanha nacional de vacinação contra a dengue também foram discutidas na audiência. Para a deputada Elika Takimoto, a educação é fundamental para resolver o problema no Rio de Janeiro. Ela lembrou a questão do negacionismo e o avanço do movimento antivacina em todo o país e também no estado após a pandemia de Covid-19.
“Estamos vendo uma situação alarmante no nosso Estado. A vacinação está tendo uma adesão muito pequena e isso não é uma questão desta epidemia de dengue; é uma situação que já está acontecendo desde a pandemia de covid-19, e com outras doenças também, como já foi sinalizado aqui. Doenças que já tinham sido erradicadas e que voltaram por falta de vacinação”, explicou a parlamentar.
A secretária de Saúde aproveitou para reiterar que a vacinação é segura e eficaz e pode ajudar a prevenir futuros surtos da doença no estado. “A gente tem que pensar que o impacto positivo da vacinação não é algo que terá efetividade agora, mas sim para os próximos anos. A vacina é segura, temos uma estrutura de contingência que poderá dar uma virada no quadro atual”, afirmou.
Campanhas informativas para conscientizar população
Entre as dificuldades apresentadas por representantes da Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) aos deputados está a conscientização da população sobre a importância da vacinação contra a dengue e das ações de prevenção à proliferação do mosquito Aedes aegypti como, por exemplo, não deixar água limpa parada.
Presidente da Comissão de Saúde da Alerj, o deputado Tande Vieira (PP) anunciou que os colegiados da Casa buscarão aprovar leis que ajudem a fomentar campanhas informativas para reverter os baixos índices de imunização.
“Ficaram claras muitas estratégias que precisam ser adotadas e continuadas como, por exemplo, o foco na vacinação. A gente precisa aumentar a conscientização das pessoas de que, à medida que a vacina estiver disponível, é fundamental se imunizar”, disse.
O deputado também defendeu mais conscientização da população do estado para as medidas de prevenção à doença, lembrando que cerca de 80% dos focos de dengue são encontrados dentro das casas. “É importante investir na informação como instrumento de definição das estratégias que favoreçam o enfrentamento da epidemia”, acrescentou.
Alerj inclui drones em ‘pacotaço’ de leis para enfrentar a epidemia de dengue
Alerj pretende votar um pacote de projetos de lei durante uma semana exclusivamente relacionados ao enfrentamento da epidemia de dengue. A medida foi proposta em audiência pública, realizada em conjunto pelas Comissões de Ciência e Tecnologia e de Saúde da Casa, nesta quarta-feira.
Tande Vieira explicou que os colegiados farão um levantamento dos projetos que estão em tramitação e solicitará à Mesa Diretora da Alerj para que sejam colocados o quanto antes em pauta nas sessões plenárias. “Nós faremos um apanhado desses projetos para solicitar prioridade junto à Mesa Diretora, visto que estamos passando por uma epidemia”, disse o parlamentar.
Entre os projetos de lei em tramitação na Alerj que tratam desse assunto está o PL 3030/2024, que cria um programa de monitoramento aéreo de focos de dengue, por meio de drones. Também deverão fazer parte do pacotaço na Alerj o PL 2956/2024, que institui o programa de apoio ao combate de insetos vetores de contágio de Arbovirose; e o PL 3029/2024, que cria a Política Estadual de Combate à Dengue.
Integrante do colegiado, a deputada Martha Rocha (PDT) afirmou que a intenção é que esses projetos sejam colocados em pauta em até 15 dias. “A dengue virá forte em outros anos, por isso precisamos trazer para a pauta projetos de lei que tratam sobre a dengue. Realizar um mutirão, entre as comissões de Constituição e Justiça, de Saúde e de Ciência e Tecnologia para que façamos uma semana só de debates de projetos sobre a dengue”, explicou.
Protesto de agentes de combate às endemias
Durante a audiência na Alerj, um grupo de agentes de combate às endemias (ACEs) – antigamente conhecidos como ‘mata-mosquitos’ – reivindicou melhores condições de trabalho.
O vice-presidente da Comissão de Saúde, deputado Vitor Júnior (PDT), informou que estudará projetos de lei que possam garantir um sistema de proteção a esses trabalhadores em meio à implementação das novas tecnologias, como os drones.
“Ficou claro que é necessário que esse exército que temos nas ruas, que são os ACEs, tenham um suporte de qualidade necessário para a prestação do serviço”, pontuou o parlamentar.
Curiosidade – Cobras, aranhas e escorpiões
Criado em 1919 e responsável pela produção de soro e medicamentos para Estado do Rio, o instituto que produz soros e medicamentos para o estado em Niterói recebeu este nome em homenagem ao cientista mineiro Vital Brazil (1837-1931). Ele ficou mundialmente conhecido pela descoberta do soro antiofídico, do soro contra picadas de aranha, do soro antitetânico e antidiftérico e do tratamento para picada de escorpião.
Com informações da Alerj e SES-RJ