Como vimos ao longo da série Vidas Raras, aqui no Portal ViDA & Ação, existem mais de 7 mil doenças raras, a maioria delas crônicas, progressivas e ainda sem cura. Embora algumas condições possam ser atribuídas a fatores metabólicos, hormonais ou infecciosos, as doenças genéticas predominam, sendo desencadeadas por alterações nos genes. Estima-se que 80% das doenças raras são causadas por fatores genéticos.

Segundo o Ministério da Saúde, doenças raras são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas, que variam muito, não só de doença para doença, como de pessoa para pessoa com o mesmo diagnóstico. Isso significa que, quando o assunto é doença rara, cada caso é um caso. Alguns sintomas podem ser confundidos por doenças comuns, dificultando o diagnóstico, causando elevado sofrimento aos pacientes.

Com manifestações diferentes, essas patologias podem afetar diversos órgãos e sistemas, independentemente da idade. No entanto, o mais comum é que as condições se manifestem ainda na infância – 75% dos casos diagnosticados. Mas o que chama mais atenção é o alarmante índice de mortalidade infantil causado pelas doenças raras. Estima-se que cerca de 30% dos raros morram antes de completar cinco anos de idade.

O Teste do Pezinho emerge como a ferramenta de diagnóstico primordial, realizando uma triagem neonatal capaz de detectar algumas das principais doenças raras na infância – seis pelo SUS e mais de 50 no teste realizado na rede privada. Mas, de acordo com a a médica pediatra do Hospital Nipo-Brasileiro (HNipo), Mailin Higashizima, um pequeno número de recém nascidos, cerca de 10%, não conseguem ter a doença detectada pelo teste.

Portanto, é essencial que os pais sempre fiquem alertas ao desenvolvimento neurológico das crianças e não deixem de fazer o acompanhamento pediátrico para que ao menor sinal ou sintoma.

“As doenças raras são muito diversas e podem atingir diversas pessoas, mesmo sem histórico familiar. Apesar dos avanços no desenvolvimento de tratamentos, muitas doenças ainda são desconhecidas e passam despercebidas, o que pode gerar um diagnóstico errôneo ou até a falta de um. Portanto, o acompanhamento médico diante de qualquer alteração é crucial para se manter sempre a qualidade de vida física e mental”, afirma.

Entenda os sinais de algumas doenças raras

Entre os sinais, a médica destaca um possível atraso no desenvolvimento, dificuldade de ganho de peso e/ou estatura, hipotonia muscular, entre outras características, possam já ser investigados.

O médico pediatra pode ajudar a identificar as possíveis causas dessas alterações e indicar novos exames ou encaminhar para especialistas para confirmação do diagnóstico. Uma vez detectada a doença, o aconselhamento genético poderá ajudar no planejamento de uma futura gestação.

“O ideal é que no começo o acompanhamento pediátrico aconteça uma vez por mês, quando o bebê segue um bom desenvolvimento. Ao longo do tempo, pode-se aumentar os intervalos e, se não houver alterações, as consultas poderão ser estendidas a cada 6 meses a 1 ano. E sempre que notar alguma alteração, leve ao pediatra que faz o acompanhamento de rotina, e não apenas ao pronto-socorro”, informa Dra Mailin.

Quanto antes identificada a doença, mais cedo consegue-se fazer a introdução do tratamento e evitar algo mais grave. O tratamento varia de acordo com as áreas afetadas e os sintomas apresentados.

Segundo ela, milhões de crianças no mundo sofrem com as sequelas que poderiam ter sido evitadas, se a doença fosse diagnosticada e tratada de forma precoce. Infelizmente, quando tardio, algumas consequências podem tornar-se irreversíveis.

“Todas as doenças, independentemente daquelas que se consiga controlar, existe um tratamento, às vezes com uso de medicação, que poderá reverter os sintomas e/ou retardá-los, a fim de dar uma qualidade de vida melhor ao paciente. O diagnóstico deve ser o mais precoce possível e para isso a necessidade do acompanhamento pediátrico”. destaca.

Doenças hormonais são muito comuns nos bebês

Cada doença rara atinge os pacientes de formas diferentes e são mais comuns em determinadas idades ou raças, mas não há regra. Mailin Higashizima observa que na área pediátrica a parte hormonal é uma das mais afetadas.

Dessa forma, uma das doenças mais comuns é o hipotireoidismo congênito (HC). Outras doenças relativamente mais recorrentes são acromegalia, diabetes insipidus e hiperplasia adrenal congênita. 

Hipotireoidismo congênito

O hipotireoidismo congênito (HC) normalmente afeta o tônus muscular do paciente, dificulta o ganho de peso e estatura, além do atraso no desenvolvimento neurológico. O diagnóstico da doença, se faz com a confirmação dos níveis de hormônios, sendo os solicitados mais comumente,  TSH e T4 Livre.

‘Tendo os resultados alterados, estes possibilitam o início da reposição hormonal e controle, fazendo com que o paciente atinja as taxas normais de hormônios e tenha uma vida dentro da normalidade”. O ponto principal é o tempo, o importante é a detecção precoce e o início do tratamento, ou seja, feita antes de seis semanas de vida.

Doença de Kawasaki

Outro exemplo de doença rara é a Síndrome de Kawasaki, uma vasculite (provoca inflamação na parede dos vasos sanguíneos) que atinge entre 5 a 10 vezes mais crianças japonesas e descendentes de japoneses até os 5 anos de idade. A condição pode afetar vários órgãos, inclusive o coração, sendo o tipo mais grave. O diagnóstico é feito por meio da análise dos sintomas e o tratamento deve ser iniciado o mais rapidamente.

Câncer infantil raro leva a características masculinas em crianças

Entre algumas doenças que podem ser identificadas em consultório médico do pediatras estão o câncer de adrenal, que leva ao crescimento acelerado, aumento dos genitais, acne e pilificação (pelos em excesso pelo corpo, inclusive no púbis).

Crianças com idade abaixo de cinco anos que manifestem esses sinais devem ser levadas o quanto antes para uma consulta pediátrica, uma vez que são sinais e sintomas que podem indicar a presença de câncer de adrenal.

Esse tumor infantil raro é causado pela multiplicação descontrolada de células das glândulas adrenais. Localizadas acima dos rins, essas glândulas são responsáveis pela produção de hormônios.

“Em 80% dos casos, o carcinoma de adrenal provoca secreção hormonal em excesso, o que leva à virilização, ou seja, o surgimento de características masculinas adultas nas crianças de ambos os sexos”, explica Natália Brenneken Duarte Ambar, oncologista pediátrica do Hospital do GRAACC, especialista em tumores pediátricos.

É fundamental destacar a importância do diagnóstico precoce para aumentar as chances de cura sobre a doença. Uma vez identificados os primeiros sinais e sintomas, o pediatra pode realizar a detecção do câncer de adrenal por meio de exames laboratoriais (dosagem hormonal) e de imagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética), com confirmação por meio de estudo anatomopatológico (análise microscópica de tecidos retirados das glândulas adrenais).

Todo câncer infantil é raro, diz oncologista pediátrica

De acordo com a Dra Natália, todos os cânceres infantis podem ser considerados raros. Nos Estados Unidos, são diagnosticados anualmente 15 mil novos casos de câncer pediátrico. Já no Brasil, o Inca estima 7.930 casos novos de tumores infantojuvenis para cada ano do triênio 2023-2025, o que corresponde a um risco estimado de 134,81 por milhão de crianças e adolescentes.

Nesse contexto, o carcinoma de adrenal está entre os tumores pediátricos mais raros, e corresponde a apenas 0,2% dos cânceres infantis. Nos EUA, são esperados 25 novos casos desse tipo de câncer em crianças por ano. No Brasil, a incidência é 10 a 15 vezes maior do que a observada nos EUA.

“Estudar uma neoplasia como essa é extremamente desafiador devido ao baixo número de pacientes, a predominância na população adolescente e a falta de ensaios clínicos”, afirma a médica do GRAACC.

A boa notícia é que esse tumor tem boas chances de cura, desde que diagnosticado precocemente, enquanto está pequeno e localizado, e seja completamente removido por intervenção cirúrgica. “Pela raridade e complexidade da doença, se faz necessário tratamento em centro oncológico pediátrico especializado”, observa.

Deficiência do hormônio de crescimento

Outra doença rara cujos sinais podem ser identificados numa consulta com o peditra é a deficiência do hormônio do crescimento (GH, do inglês growth hormone) em adultos. O GH é um hormônio importante para o crescimento, mas que tem funções importantes mesmo na vida adulta.

Ao contrário do que acontece na infância, quando a estatura é o sintoma que chama a atenção e leva à busca de um médico, na idade adulta, os sintomas inespecíficos desta condição representam um desafio para médicos e pacientes.

Os sintomas podem incluir cansaço, falta de disposição, alteração da composição corporal com redução de massa magra e aumento de massa gorda, aumento dos índices de colesterol, piora da resistência à insulina, entre outros que podem facilmente ser confundidos com outras patologias.

De acordo com a médica Marcela Saturnino Caselato, diretora da área médica da Novo Nordisk, no caso do paciente adulto que está sendo analisado para o diagnóstico de distúrbio do crescimento, é confirmar o histórico de procedimentos (cirurgia, radioterapia) em região hipofisária ou o antecedente de traumatismo craniano, condições que podem estar associadas à deficiência do GH.

Acompanhamento médico deve começar ainda na gestação

Para o médico ortopedista Rafael Yoshida, do Hospital Ortopédico AACD, o período pré-natal é crucial para identificar sinais de alguma dessas condições raras. O acompanhamento médico periódico durante a gestação, incluindo a detecção de indícios no ultrassom, por exemplo, possibilita um planejamento para intervenções mais eficazes.

“O diagnóstico precoce, associado ao encaminhamento adequado do pediatra para o ortopedista pediátrico é essencial para planejar o tratamento e assegurar mais qualidade de vida ao paciente. Nem todos os casos são necessariamente cirúrgicos”, comenta Yoshida.

Além disso, o alinhamento de expectativas e a orientação qualificada aos pais e responsáveis são fundamentais para um melhor prognóstico. Segundo ele, o tratamento ideal consiste em uma abordagem humanizada e integrada com o apoio de uma equipe multidisciplinar, reunindo profissionais como ortopedistas, fisiatras, geneticistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, nutricionistas e outros.

Referência no atendimento de casos de mielomeningocele, deficiência congênita do fêmur, hemimelia fibular e tibial, artrogripose, displasia esquelética e osteogênese imperfeita, o Hospital Ortopédico AACD propõe reflexões sobre a identificação, cuidado e tratamento dessas patologias que também podem estar associadas à ortopedia.

Campanhas ajudam famílias na jornada por diagnóstico e tratamento

A jornada do paciente com doença rara, desde identificar os sintomas até encontrar o diagnóstico, é de extrema importância e fará toda a diferença durante o processo de tratamento. A falta de informação é um dos fatores que podem contribuir para um diagnóstico tardio.

Por isso, as campanhas de conscientização são tão importantes, pois ajudam a difundir o assunto e conscientizar a população sobre as doenças – sintomas, causas e tratamentos -, o que é fundamental para amenizar o sofrimento prolongado pela falta ou pela dificuldade de diagnóstico.

“As doenças raras podem fazer com que as pessoas que as têm se sintam muito solitárias e invisíveis durante a jornada de tratamento, e as campanhas trazem essa mensagem de que eles não estão sozinhos. Promover a conscientização e disseminar informações aproxima os pacientes que possuem a mesma condição”, explica Dra Marcela.

Hemofilia Adquirida

Um exemplo de doença rara de difícil diagnóstico é a hemofilia adquirida, que não tem uma procedência genética. “Uma pessoa, sem nenhuma doença pré-existente, pode chegar na idade adulta e desenvolver este tipo de hemofilia”, afirma a médica.  No caso da hemofilia adquirida, sintomas como manchas roxas pelo corpo e sangramentos espontâneos e persistentes, não devem ser ignorados.

Em situações suspeitas, a solicitação de exames com dosagem do fator e inibidor, são essenciais para o diagnóstico, o que pode ser um fator determinante para salvar a vida desta pessoa. “Alguém sem o diagnóstico, que possui a doença, pode correr o risco de ter um sangramento fatal”, reforça a Dra. Marcela.

Fibrose cística

Já a fibrose cística é uma doença genética rara e ainda sem cura, que causa sintomas como tosse crônica, pneumonia de repetição, diarreia e suor mais salgado que o normal. Uma vantagem é que sua triagem começa logo nos primeiros dias de vida do bebê, por meio da realização do Teste do Pezinho. No entanto, para confirmar ou descartar a fibrose cística, é preciso realizar o Teste do Suor, exame ‘padrão ouro’ para o diagnóstico da doença.

“A informação pode salvar vidas. Atualmente, muitas pessoas vivem com uma patologia rara, apresentam todos os sintomas, mas não recebem o diagnóstico e tratamento adequados por falta de informação de qualidade. Isso reforça a importância da campanha, que amplia o conhecimento sobre o tema em todo o país”, afirma Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, diagnosticada com fibrose cística e fundadora do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística.

Campanha ‘Mostre as suas Cores’

Para contribuir para mais esclarecimentos sobre a doença, a Unidos pela Vida, em parceria com o Instituto Vidas Raras e apoio de diversas associações de todo o país, promove a campanha “Mostre as suas cores”, em alusão ao Dia Mundial das Doenças Raras, lembrado no último dia 29. Para saber mais sobre a campanha e conferir os materiais, basta acessar diamundialdoencasraras.unidospelavida.org.br.

Fundado em 2011 em Curitiba (PR),  o Unidos Pela Vida é defender que pessoas com fibrose cística no Brasil tenham conhecimento sobre sua saúde e direitos, equidade no acesso ao diagnóstico precoce e aos melhores tratamentos, contribuindo para melhora na qualidade de vida. No site do Unidos pela Vida é possível encontrar uma lista com locais que fazem o Teste do Suor em todo o Brasil.

Campanhas ‘Sinais Raros’ e ‘mais que altura’

Já a Novo Nordisk desenvolve a campanha “Sinais Raros”, com objetivo de educar e conscientizar sobre os distúrbios hemorrágicos raros e seus sintomas de maneira didática, como é o caso da hemofilia adquirida. No site da campanha é possível encontrar informações sobre as diferentes patologias e também realizar uma avaliação inicial.

Entre as campanhas que promovem e informam sobre distúrbios do crescimento, entre eles a deficiência de GH, está a “Mais que altura”, com foco em crianças. Já a campanha “Por trás dos sinais” é voltada a pacientes que possuem deficiência do hormônio do crescimento quando adultos.

Dia Mundial das Doenças Raras

As doenças raras são consideradas a partir da quantidade de pacientes com o diagnóstico. A definição pela Organização Mundial da Saúde é em torno de 65 casos para cada 100 mil indivíduo – ou 1,3 pessoa a cada 2 mil indivíduos. Estima-se que cerca de 6% da população mundial (algo em torno de 480 milhões de pessoas) tenha alguma dentre as seis a oito mil doenças classificadas como raras atualmente.

No Brasil, a estimativa é que 13 milhões de pessoas tenham alguma doença rara. Quanto às causas, o Ministério da Saúde destaca que 80% das doenças raras têm origem genética. São enfermidades crônicas, degenerativas e até incapacitantes que afetam diretamente a qualidade devida dos pacientes e seus familiares.

No dia mais raro do calendário, 29 de fevereiro, é comemorado o Dia Mundial e Nacional das Doenças Raras. A Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis) criou a data justamente por ser uma data pouco comum, que acontece somente em anos bissextos. Fora dos anos bissextos a data é antecipada para o dia 28. No Brasil, o dia é comemorado desde 2018

O objetivo é sensibilizar a população sobre a existência e os cuidados com essas doenças, reforçar a importância do diagnóstico precoce, buscar incentivos para o desenvolvimento de pesquisas, além de oferecer apoio aos pacientes e suas famílias.

Com Assessorias

 

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