O imunologista baiano Gustavo Cabral de Miranda, de 43 anos, PhD pela Universidade de São Paulo e líder de pesquisas na Faculdade de Medicina da USP, com três pós-doutorados nas Universidades de Oxford, Inglaterra e de Berna, Suíça, é um dos mais conceituados cientistas do Brasil. Sua história de vida foi destaque em 2021, quando atuava no time da Organização das Nações Unidas (ONU) para explicar a importância das vacinas para controlar a pandemia de Covid-19.
Gustavo liderou o desenvolvimento de vacinas contra o coronavírus no Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e integrou a Equipe Halo, que envolvia dezenas de profissionais ao redor do mundo que trabalham com a pesquisa de vacinas contra a Covid-19 e outras doenças. O projeto conta com o apoio do Verificado, iniciativa global da ONU na promoção de informações confiáveis sobre a pandemia e no combate à desinformação.
O pesquisador compartilhava com milhares de seguidores no TikTok vídeos didáticos sobre a importância da vacinação, tirando dúvidas e desmistificando informações incorretas sobre imunizantes. “É uma oportunidade da gente se aproximar das pessoas, quebrarmos barreiras e os muros da universidade. Quando temos a sociedade ao nosso lado a ciência é muito mais forte”, dizia.
Mas tantos títulos e conhecimento não foram capazes de esconder a fragilidade do cientista diante do maior desafio da sua vida: a leucemia. Desde fevereiro de 2025, Gustavo faz tratamento contra esse tipo de câncer no sistema sanguíneo. No momento, enfrenta fortes crises de enxaqueca em função da quimioterapia. Mas sempre que possível, posta nas redes sociais sobre as dificuldades enfrentadas no tratamento e suas reflexões sobre ‘o lado humano’ da luta contra o câncer.
No dia 13 de fevereiro, pela primeira vez, Gustavo Cabral veio a público relatar sobre o diagnóstico. Em um post junto com uma foto sua no leito hospitalar, o pesquisador contou que chegou a pensar em não falar sobre a doença pela dificuldade de abordá-la. Mas decidiu compartilhar o momento para ressaltar a importância do diagnóstico precoce para uma maior chance de #cura.
‘A ciência tem avançado muito, e acredito com muita confiança na cura’
Falar sobre câncer não é fácil, no meu caso, sobre a Leucemia, um tipo de câncer que afeta parte da formação das células sanguíneas. É um tema que, ao abordá-lo de maneira geral, parece menos complexo, mas quando é algo que estamos vivendo na pele, a realidade se torna muito mais desafiadora.
Cheguei a pensar em não falar sobre isso, tamanha a dificuldade. No entanto, decidi compartilhar esse momento e ressaltar a importância do diagnóstico precoce para uma maior chance de cura. A ciência tem avançado muito, e acredito com muita confiança na cura.
Embora eu esteja passando por um processo delicado, me sinto bem amparado por uma equipe médica incrível, que tem me dado todo o suporte necessário. Estou focado e otimista, sabendo que cada dia é uma vitória. Com fé, força e apoio, sigo com muita confiança de que superarei essa caminhada!”,
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Cientista chegou a pensar em desistir da luta
Menos de uma semana depois, no entanto, no dia 19 de fevereiro, no entanto, Gustavo postou um vídeo emocionante, para expressar a gratidão pelo apoio recebido e convidar as pessoas para refletir sobre a importância do acolhimento e dos cuidados no tratamento da leucemia. “Falei sobre os medos que nos aprisionam e a vontade de desistir que às vezes aparece”.
Sabemos que, durante essa jornada, as dificuldades podem ser imensas e os pensamentos negativos muitas vezes surgem. Por isso, é essencial que tenhamos um olhar atento, empático e livre de preconceitos – sejam eles sociais, religiosos ou de qualquer outra natureza”.
Pai de duas meninas – Alice e Bela – ele contou que, junto com sua companheira, Jamile, chegou a pensar em não postar o vídeo, temendo como “poderia ser usado por pessoas ou veículos de comunicação de maneira inadequada, especialmente em um momento de vulnerabilidade tão grande”. Mas mudou de ideia por acreditar que seu depoimento “pode trazer algum valor e contribuição”.
‘Do medo à libertação – O poder do acolhimento’
Em um vídeo postado em 27 de fevereiro, com a legenda ‘Do medo à libertação – O poder do acolhimento na luta contra a Leucemia’, ele falou de forma mais otimista. “Sei bem o quanto a quimioterapia nos faz oscilar, mas vamos seguir adiante nesta caminhada, com fé, e muita confiança na vitória!”. escreveu. Sem desmerecer a importância da ciência, Gustavo refletiu sobre os “gestos de cuidado e apoio que fazem toda a diferença nesse processo”.
Sei que a parte científica é importante, mas ainda gostaria de focar em algo que muitas vezes passa despercebido: os cuidados que, mais do que curar o corpo, libertam a nossa mente. Quero trazer um olhar sobre os gestos de cuidado e apoio que fazem toda a diferença nesse processo. São pequenos detalhes, mas que ajudam a transformar tudo, desde o tratamento até a recuperação”, escreveu Gustavo, ao fazer uma agradecimento pelas inúmeras mensagens que tem recebido..
‘A vida vale a pena e por ela seguimos lutando’
No dia 17 de março, Gustavo postou um vídeo em que ele próprio aparece raspando a cabeça. “O cabelo já estava caindo tanto, que não consegui mais mantê-lo. Mas isso é algo passageiro, um detalhe diante do que realmente importa: vencer essa luta e conquistar a saúde que tanto merecemos”, escreveu.
Ele também falou sobre os impactos físicos e psicológicos do tratamento e da importância de enfrentar com sorrisos os altos e baixos do tratamento.
Sorrir é a nossa maneira de mostrar que estamos vivos e com uma vontade imensa de viver, sempre com um sorriso no rosto. A luta é árdua e, a cada ciclo de quimioterapia, somos derrubados fisicamente e psicologicamente. Existem dias em que é difícil até de levantar, mas a esperança é mais forte e sempre encontramos forças para reerguer. Sabemos que a vida vale muito a pena, e por ela, seguimos lutando!”.
‘Vamos seguir com fé e muita confiança na vitória’
No dia 2 de abril, o cientista postou imagens das sessões de quimioterapia e da importância de resistir aos pensamentos. “Às vezes, a tentação de desistir é forte. Mas a realidade nos mostra que, no fim, a luta sempre esteve lá – e é ela que nos forma, que nos define”, escreveu.
Cada dia é uma batalha. Todos os dias, há quedas, frustrações, desafios que parecem não ter fim. Mas, a verdade é que não há outra opção senão lutar. A cada amanhecer, sou forçado a descobrir mais sobre meu corpo, minhas forças, minhas fraquezas. E, ainda assim, a luta segue, porque não há como fugir disso. Será que em algum momento da nossa história, o povo teve escolha além de lutar? O que sou eu, afinal? De onde venho? O que carrego comigo?
São perguntas que, muitas vezes, nos deixam sem respostas claras. Às vezes, a tentação de desistir é forte. Mas a realidade nos mostra que, no fim, a luta sempre esteve lá – e é ela que nos forma, que nos define. Então, mesmo nos dias de escuridão, de queda e incerteza, seguimos. Porque a única opção real é continuar. Mesmo na dor, mesmo na dúvida. Sigamos, sempre!
Por fim, gostaria de agradecer profundamente a cada palavra de carinho e apoio. Infelizmente, não consigo responder com frequência devido às fortes enxaquecas causadas pelas quimioterapias, que estou num ciclo de 4 por semana. Quando estou me sentindo um pouco melhor, leio as mensagens rapidamente e logo deixo o celular de lado. Mas saibam que fico imensamente grato por cada palavra e todo o carinho que recebo.
Sei bem o quanto a quimioterapia nos faz oscilar, mas vamos seguir adiante nesta caminhada, com fé, e muita confiança na vitória!
‘É a luta que nos ensina a viver de verdade’
Neste sábado (5), ele postou diversas imagens da sua jornada contra a leucemia, junto com um texto em que reflete sobre as restrições impostas pelo tratamento. “A vida, apesar de todas as dores e limitações, ainda é feita de momentos que merecem ser vividos. E eu vou buscar viver cada um deles, porque, ao final, é a luta que nos ensina a viver de verdade”, escreveu.
Confira o texto completo abaixo.
A luta pela vida é, sem dúvida, a batalha mais difícil que já enfrentei. Quando estamos enfrentando um câncer, como a leucemia, não há outro caminho senão o da luta, sem brechas para fuga. Cada dia é um desafio constante, mas, ao mesmo tempo, ele nos ensina a apreciar os momentos mais simples.
Atualmente, estou passando por um dos ciclos mais pesados de quimioterapia. Quatro doses semanais na veia, além de uma intratecal após a coleta de líquor. Meu corpo, claro, está arrebentado, e a mente também não está imune aos efeitos colaterais. Tenho enfrentado anemias severas e muitas outras complicações. Mas, em meio a tudo isso, uma coisa ficou clara: não podemos deixar que as dificuldades nos derrotem.
É doloroso, é cansativo, mas, de alguma forma, preciso lembrar de que estou vivo. E enquanto houver vida, há espaço para felicidade. Mesmo que seja em momentos simples e fugazes, como quando chego em casa e posso cuidar das minhas plantinhas, ou quando me sento ao lado de quem amo.
Sim, ainda há muitas restrições, mas não a de viver, não a de amar, não a de apreciar o que realmente nos faz bem. E isso, por mais pequeno que pareça, é o que nos mantém de pé. A vida, apesar de todas as dores e limitações, ainda é feita de momentos que merecem ser vividos. E eu vou buscar viver cada um deles, porque, ao final, é a luta que nos ensina a viver de verdade.
A vida, apesar de todas as dores e limitações, ainda é feita de momentos que merecem ser vividos. E eu vou buscar viver cada um deles, porque, ao final, é a luta que nos ensina a viver de verdade.
Vamos seguir, um passo de cada vez.
Adolescência difícil no interior da Bahia
O cientista teve uma adolescência difícil no interior do sertão da Bahia. Cursou três vezes o último ano do ensino fundamental porque acordava às 3 horas da manhã para trabalhar numa feira livre. Não conseguia acompanhar as aulas. Ao Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), Gustavo contou como foi esta transformação.
Até 19 anos eu não estudava. Eu ia pra escola, mas não tinha visão do estudo. Saí de casa aos 15 anos e fui trabalhar em açougue, sempre trabalhei em feira pública. É uma vida muito diferente da vida do Gustavo hoje”, conta.
Há 20 anos ele notou que as pessoas “estudadas”, como se diz no sertão baiano, tinham uma vida bacana. “Pensei: eles têm uma vida que eu quero ter”, relata. Pediu ajuda aos pais, pegou o suado dinheiro guardado e foi cursar o último ano do ensino médio numa escola particular. “Eu tinha 21 anos e o resto da turma tinha 16”, diz.
A transformação pela educação
O esforço valeu a pena: Gustavo saiu do povoado de Creguenhem, em Tucanos, para estudar Ciências Biológicas na Universidade do Estado da Bahia.
Aquela foi a oportunidade da minha vida. Comecei a me envolver com a ciência e a educação transformou tudo. Saúde pública, iniciação científica, fiz mestrado na federal, PHD na USP, fui pra Oxford para fazer um pós doutorado acabei fazendo três! Acho que a educação me transformou totalmente”.
O pesquisador trabalhou com saúde pública em comunidades quilombolas e com catadores de lixo. “Quando a gente se abre para viver o outro a gente aprende muito sobre nós mesmos. É espetacular. Esta é a verdadeira evolução humana como ser social, capaz de colaborar com o próximo, de preservar a vida do outro, pelas bibliotecas humanas. Apesar desta tragédia toda, esta pandemia está nos fazendo repensar estas relações”, avalia.
Com informações da ONU Brasil e Instagram