O ex-presidente Jair Bolsonaro, de 70 anos, recebeu alta médica na manhã deste domingo (4), após 20 dias internado para uma cirurgia de emergência que durou 12 horas para remover aderências no intestino e reconstituir a parede abdominal.Ele deixou o Star DF – um dos hospitais particulares mais caros de Brasília – caminhando, após três semanas provocando muita polêmica no leito de terapia intensiva em que teve que ficar após o procedimento cirúrgico.

O líder da extrema direita acusado de chefiar os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 tinha voltado a se alimentar por via oral na última terça-feira (29), depois de passar 15 dias com alimentação parenteral (por meio de uma sonda no nariz). Na quarta-feira (30), deixou a UTI, após 18 dias sob cuidados intensivos. No sábado (3), o boletim médico relatava a melhora no quadro de saúde, com boa evolução de dieta pastosa, e a possibilidade de que ele tivesse alta “nos próximos dias”.

O hospital ainda não publicou boletim médico sobre a alta, mas imagens do ex-presidente deixando a unidade circulam nas redes sociais na manhã deste domingo (4). Acompanhado da mulher Michelle e de assessores, Bolsonaro cumprimentou um grupo de apoiadores e deixou o hospital de carro. Um pouco antes da alta, o ex-presidente usou as redes sociais para agradecer à equipe médica, liderada por Cláudio Birolini, diretor de Cirurgia-Geral do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Cuidados para evitar infecções e novas obstruções intestinais

Mas quais cuidados são necessários tomar após uma cirurgia complexa como a de Bolsonaro?

De acordo com Lucas Nacif, cirurgião gastrointestinal e membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD), o pós-operatório de uma desobstrução intestinal crônica, como vinha sofrendo Bolsonaro, envolve uma série de cuidados que vão desde o controle rigoroso de infecções até o monitoramento de possíveis aderências e novas obstruções.

Pacientes que já passaram por várias cirurgias abdominais, como é o caso do ex-presidente,  tendem a ter uma recuperação mais lenta e delicada. O tecido interno pode apresentar muitas aderências e alterações anatômicas, o que exige ainda mais cautela no pós-operatório”, explica.

No caso de Bolsonaro, a facada de 2018 desencadeou uma série de complicações que exigiram diversas intervenções ao longo dos anos. “Esse tipo de histórico cria um cenário mais complexo, em que cada nova cirurgia aumenta os desafios da próxima, tanto no procedimento quanto na recuperação”, completa o especialista.

Movimentação precoce é um dos principais cuidados

Imagens do ex-presidente se movimentando nos corredores de um hospital durante a internação pós cirurgia chamaram atenção nos principais noticiários. A movimentação precoce após cirurgias, aliada à reintrodução gradual da alimentação e o acompanhamento multidisciplinar, são fundamentais para evitar complicações como trombose, falhas na cicatrização ou retorno do quadro obstrutivo, como ressalta Lucas Bacif.

E não é apenas no caso de cirurgias da parede abdominal. O professor de cirurgia geral do Centro Universitário São Camilo, Pedro Leme, explica que a movimentação  precoce é um dos cuidados mais importantes para evitar complicações como flebite e trombose venosa profunda (TVP). Por isso, pacientes acamados devem ser orientados a movimentar-se regularmente ou receber fisioterapia preventiva, medidas importantes na recuperação.

Durante o período pós-operatório, o paciente tende a ficar imobilizado, o que reduz a circulação sanguínea e aumenta o risco de formação de coágulos nas veias, principalmente nas pernas. Esses coágulos podem causar inflamação (flebite) ou, em casos mais graves, se desprender e levar a uma embolia pulmonar, situação potencialmente fatal.

Segundo ele, a movimentação ativa, como caminhar com auxílio ou realizar exercícios de flexão dos pés, estimula o retorno venoso e previne a estase sanguínea, que é quando o sangue para de circular normalmente e fica estagnado dentro de veias, artérias ou do coração. Além disso, a contração muscular ajuda a bombear o sangue de volta ao coração, reduzindo o risco de trombose. Mesmo em repouso, técnicas como elevação das pernas e uso de meias de compressão são aliadas essenciais.

A combinação de hidratação adequada, medicação anticoagulante (quando prescrita) e exercícios de fisioterapia formam a base da prevenção. Ignorar esses cuidados pode levar a complicações sérias, prolongando a recuperação e colocando a vida em risco”, afirmou. Ele complementa que a movimentação pós-cirúrgica não é apenas recomendada – é fundamental para a recuperação segura e eficaz.

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Meias de compressão: quando são mais indicadas?

O uso de meias de compressão no período pós-cirúrgico é medida essencial para prevenir complicações tromboembólicas, como a trombose venosa profunda (TVP) e a embolia pulmonar. Essas meias atuam por meio de pressão graduada, sendo mais apertadas nos pés e tornozelos, diminuindo gradualmente em direção às coxas. Esse mecanismo promove o retorno venoso, ajudando o sangue a circular de volta ao coração e reduzindo o risco de estase sanguínea (acúmulo de sangue nas veias).

•     Cirurgias prolongadas (especialmente acima de 1 hora);

•    Pacientes com fatores de risco para trombose (obesidade, idade avançada, histórico prévio de TVP, varizes, câncer ou uso de hormônios);

•  Procedimentos que exigem repouso prolongado (como cirurgias ortopédicas ou abdominais complexas).

 

Principais benefícios das meias de compressão no pós-operatório

1.      Prevenção de Trombose Venosa Profunda (TVP):  A imobilização prolongada após cirurgias reduz a circulação sanguínea, favorecendo a formação de coágulos nas veias das pernas. As meias de compressão melhoram o fluxo venoso, diminuindo esse risco.

2.      Redução de edemas (inchaço): Cirurgias, especialmente as abdominais e ortopédicas, podem causar retenção de líquidos e inchaço nas pernas. A compressão ajuda a drenar o excesso de fluidos, mantendo a integridade vascular.

3.      Melhora da oxigenação tecidual: Ao facilitar a circulação, as meias evitam que o sangue fique parado, garantindo que os tecidos recebam oxigênio e nutrientes adequados para melhor cicatrização.

4.      Complemento a outras medidas preventivas: Associadas à movimentação precoce, hidratação e, quando necessário, anticoagulantes, as meias de compressão potencializam a proteção contra eventos tromboembólicos.

Cuidados no uso

•        Devem ser colocadas antes da cirurgia (se possível) e mantidas no pós-operatório, conforme orientação médica;

•        O tamanho deve ser adequado ao paciente para não causar compressão excessiva ou ser ineficaz;

•        Pacientes com insuficiência arterial periférica ou neuropatias devem ter avaliação individualizada.

Quase 350 mil brasileiros passaram pela mesma cirurgia de Bolsonaro em 2024 no SUS

Gustavo Soares, presidente da SBH, durante cirurgia (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

As hérnias da parede abdominal são comuns na população e chegam a afetar entre 20% e 25% dos adultos, o que representa, em média, 28 milhões de brasileiros. Existem diferentes tipos de hérnias abdominais, entre elas a incisional, que atinge o local da cicatriz de uma cirurgia anterior – como foi o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro -; a inguinal (na virilha), umbilical e a epigástrica (acontece um pouco acima do umbigo).

Dados do DataSUS levantados pela Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal (SBH) apontam que foram realizadas 349.968 cirurgias de hérnia da parede abdominal, em 2024, através do Sistema Único de Saúde (SUS). Do total, 38.665 (11%) foram de urgência e 311.300 cirurgias eletivas. Em dois anos, o total de cirurgias realizadas pelo SUS de forma minimamente invasiva (com pequenas incisões e recuperação mais rápida para o paciente foi de 4.358, ou 0,62% do total.

Segundo o presidente da SBH, Gustavo Soares, a reconstrução da parede abdominal é um procedimento complexo que tem, entre suas causas, múltiplas incisões em cirurgias anteriores e hérnias abdominais. Esta foi a sexta cirurgia pela qual o ex-presidente passou desde 2018, quando foi vítima de uma facada durante a campanha eleitoral.

Todas as cirurgias foram realizadas por causa de sequelas do ferimento. Em 2019 e 2023 Bolsonaro já realizou dois procedimentos para tratamento das hérnias, possivelmente provocadas pela facada que sofreu durante a campanha presidencial, em setembro de 2018.

Ele provavelmente teve uma recidiva da hérnia e uma sequela que chamamos de aderências intra abdominais, que é o tecido de cicatrização. O quadro de oclusão de intestino apresentado pode ser causado tanto pela hérnia que voltou, quanto devido às aderências que estão dentro do abdômen. Muitas vezes é impossível determinar de onde vem a obstrução”, explicou.

A parede abdominal do ex-presidente Jair Bolsonaro estava bastante danificada e precisou ser reconstruída durante cirurgia a que ele foi submetido, no dia 13 de abril. A informação, presente no boletim médico, foi confirmada pelo cirurgião responsável pelo tratamento, Claudio Birolini. “Era um abdome hostil, com múltiplas cirurgias prévias e aderências que causaram um quadro de obstrução intestinal e uma parede abdominal bastante danificada em função da facada”, afirmou o profissional, em entrevista coletiva.

Cirurgia aberta ou minimamente invasiva?

Para a resolução adequada do caso e recuperação do paciente, segundo Gustavo Soares, é essencial realizar o tratamento das duas possíveis causas. “Na cirurgia trata-se tanto as aderências quanto a hérnia, com a reconstrução da parede abdominal. Isso porque, caso façamos o tratamento apenas de uma das causas, existe o risco de que o problema intestinal se repita”.

Com as atuais tecnologias disponíveis na medicina é possível realizar a reconstrução da parede abdominal de formas minimamente invasivas, com a videolaparoscopia e a cirurgia robótica, que permitem uma recuperação e alta hospitalar precoce, além de reduzir o risco de complicações pós-operatórias.

Gustavo Soares esclarece que, apesar de serem muito vantajosas e ter alto índice de indicação, essas tecnologias não podem ser utilizadas em todos os casos. “Algumas vezes a reconstrução só pode ser feita de maneira adequada com uma cirurgia aberta, com grande incisão, o que exige mais tempo de internação hospitalar e de repouso para a adequada recuperação do paciente”.

A sexta cirurgia de Bolsonaro após a ‘facada’ de 2018

Na manhã de 11 de abril, Bolsonaro sentiu fortes dores abdominais em evento no Rio Grande do Norte e foi internado inicialmente em Santa Cruz, no interior do estado; A primeira internação ocorreu no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou a decisão da Primeira Turma que tornou Bolsonaro e mais sete aliados réus por planejarem e tentarem um golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse de Lula. O STF também abriu a ação penal contra o ex-presidente.

Posteriormente, o ex-presidente foi transferido para Natal. No dia seguinte, embarcou numa UTI aérea para Brasília. Na manhã de 13 de abril ele foi submetido à cirurgia que durou mais de 12 horas, passando a ficar então na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Movimentação intensa na UTI durante a internação

O período em que Bolsonaro esteve internado na UTI do Star DF foi marcado por muitas polêmicas. Em 23 de abril, dia seguinte à realização de uma livre do ex-presidente no leito do hospital, ele recebeu a intimação do STF. “A divulgação de live realizada pelo ex-presidente na data de ontem (22/4) demonstrou a possibilidade de ser citado e intimado hoje (23/4)”, afirmou a Corte.

De acordo com a Corte, entre os dias 11 e 15 daquele mês, todos os réus já haviam sido formalmente citados. No caso específico de Jair Bolsonaro, em razão de sua hospitalização, foi decidido que a diligência deveria ocorrer em momento oportuno, quando ele estivesse em condições de receber o oficial de Justiça. A iniciativa provocou reações entre aliados, que consideraram a diligência inoportuna, em razão do estado de saúde do ex-presidente, como publicou o Migalhas.

Horas mais tarde, o ex-presidente publicou nas redes sociais um vídeo do momento em que recebeu a oficial de Justiça. Por 11 minutos, o ex-presidente questiona a servidora sobre a intimação dentro da UTI. Ao ser informado de que a medida foi determinada por Alexandre de Moraes, relator do caso, voltou a reclamar da atuação do ministro do STF nas investigações.

O vídeo levou a publicação de uma nota de repúdio por entidades que representam os oficiais de justiça. Em 25 de abril, o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal anunciou a abertura de investigação para apurar a entrada de pessoas na UTI. A sindicância abrangerá não apenas a visita da oficial da Justiça como a visita de aliados políticos durante a internação em cuidados intensivos.

Acesso a unidade de terapia intensiva é restrito, diz CFM

Em nota, o Conselho Federal de Medicina (CFM) informou que “o acesso a Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) é regulado por normas técnicas e assistenciais estabelecidas na RDC Anvisa nº 07/2010, na Portaria nº 2.862/2023 do Ministério da Saúde e na Resolução CFM nº 2.271/2023, lastreado em critérios técnico-científicos indispensáveis à proteção da vida, à segurança clínica de pacientes gravemente enfermos e à integridade do ambiente terapêutico”.

Dentre os critérios obrigatórios para acesso à UTI e sob a égide das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCH), destacam-se a necessidade de autorização prévia da equipe médica; visita agendada e em horário restrito; limitação estrita do número de pessoas por leito; observância de protocolos de segurança sanitária; e uso adequado de equipamentos de proteção individual (EPIs).

Estas regras garantem a estabilidade clínica e a segurança física e emocional dos pacientes em condição crítica, sem condição de alta, devendo ser seguidas em todos os estabelecimentos de assistência médica do País, aplicadas indistintamente a quaisquer pessoas sob qualquer pretexto, inclusive equipes de jornalismo e agentes públicos em cumprimento de determinação judicial”.

Ainda segundo o CFM, agir em desacordo com tais regras configura violação grave da rotina assistencial e risco elevado para pacientes sob cuidados médicos. O CFM destaca que o desrespeito a protocolos técnico-científicos de acesso à UTI deve ser apurado pelos Conselhos Regionais de Medicina pelo risco que representa à saúde e à vida dos pacientes.

Veja a nota aqui: Link

Com  Agência Brasil e Assessorias

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