Um estudo realizado com estudantes da Universidade de Campinas mostrou que 17,8% dos jovens (1.188), mais mulheres do que homens, já tiveram pelo menos um episódio na vida de automutilação não suicida. A maioria dos entrevistados – 752 (63,7%) – é do sexo feminino, enquanto 430 (36,3%) eram do sexo masculino. A pesquisa faz parte da tese de mestrado  ‘Autolesão não suicida em universitários: um estudo transversal’, de Bárbara Bandeira, de outubro de 2022, que ouviu 6.906 estudantes da Unicamp.

Cerca de 35% revelaram que se automutilaram pela primeira vez entre 14 e 16 anos. Segundo o estudo, entre as justificativas para o engajamento à automutilação estão o esforço para resistir a pensamentos suicidas, o alívio para as emoções negativas e uma forma de desabafar o sentimento de raiva. Além do comportamento autolesivo associado às mulheres, a pesquisa constatou a predominância entre pessoas negras e a atitude relacionada à insatisfação com o curso escolhido, história de bullying e transtorno mental prévio.

O conceito de automutilação não suicida (NSSI) foi incluído recentemente no DSM 5 – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, a quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, escrito pela Associação Americana de Psiquiatria.  A publicação reúne as maiores autoridades em transtornos mentais no mundo e serve de guia para os profissionais.

No Brasil, a automutilação não suicida é considerada um novo fenômeno das adições que alerta os especialistas na área de Psiquiatria no tratamento de transtornos relacionados ao uso de substâncias. Ainda não há dados conclusivos sobre o problema no país, mas o debate vai acontecer no XXVII Congresso da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), de 3 a 6 de setembro, em São Paulo.

Dados do levantamento realizado na Unicamp serão apresentados na palestra “A automutilação e o consumo de substâncias”, que a psiquiatra Renata Soares de Azevedo vai proferir no evento. Coordenadora do programa de prevenção ao uso de risco de substâncias psicoativas (Viva Mais) e do Ambulatório de Substâncias Psicoativas (ASPA) do HC/Unicamp, a especialista explica:

“Levantamos taxas bastantes expressivas de 17,8% dos jovens, mais mulheres do que homens, que relataram pelo menos um episódio na vida de automutilação. Houve um risco dez vezes maior de comportamento suicida entre os automutiladores e esse risco foi ainda maior para NSSI recorrente”.

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No XXVII Congresso da Abead o temaNovos fenômenos das Adições a serem observados, a Automutilação e Consumo de Substância’, vai aprofundar o debate sobre a relação entre os dois comportamentos e os caminhos para o tratamento.

Apesar da falta de dados mais consistentes, as evidências apontam para um quadro preocupante. De acordo com a psiquiatra, existe uma percepção no comportamento de quem se automutila semelhante ao de quem faz uso de substâncias psicoativas (SPA). 

“Artigos recentes apontam uma certa relação com dependência, aspectos como fissuras, de antecipação, de alívio e de prazer e um crescente, às vezes, no processo de automutilação não suicida, riscos da associação de automutilação não suicida e comportamento suicida”, resume Renata.

Segundo ela, há uma série de questionamentos em torno do problema, como a interface com o uso de substâncias. “Há vários estudos apontando essa relação. Mas precisamos entender como isso é abordado do ponto de vista sintomático e de diagnóstico, o quanto que isto é um diagnóstico em si, o quanto que é um transdiagnóstico ou um sintoma que faz parte de outros quadros”, explica, destacando a importância com relação a comorbidades.

Sobre o Congresso da Abead

No XXVII Congresso da Abead serão discutidos este e outros assuntos envolvendo as políticas públicas de atendimento aos Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias e Transtornos Aditivos, também chamados comportamentais. Novos fenômenos de drogas como os vapers (cigarros eletrônicos), as drogas sintéticas denominadas K e Z, cocaína batizada com fentanil e as dependências comportamentais como sexo, jogos, compras, internet e trabalho fazem parte do amplo debate do congresso.

No total, serão realizadas 176 palestras com profissionais especialistas e renomados de várias regiões do Brasil, referências dos setores público e privado, universidades, organizações não governamentais, organizações de assistência social, do direito, da educação e de saúde. Participam também palestrantes de organizações internacionais dos Estados Unidos, Canadá, Portugal, Argentina, México e Chile. Acesse o site aqui e saiba mais.

Criada oficialmente em 1989, com sede em Porto Alegre (RS), a Abead reúne psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, advogados, líderes comunitários, conselheiros, professores, entre outros profissionais, que trabalham com transtornos por uso de substâncias e dependências comportamentais no Brasil e no exterior.

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