Terceiro tumor maligno mais incidente entre as mulheres, o câncer de colo de útero mata, em média, 7 mil brasileiras por ano. A boa notícia é que, quando descoberto logo no início, as chances de cura são altas. Mas qual mulher nunca se sentiu  um pouco constrangida no consultório do/a ginecologista na hora de realizar a coleta de material para o exame preventivo, tão necessário para a prevenção desse tipo de câncer?

Atualmente, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, mais de 6% das mulheres de 25 a 64 anos nunca fizeram o preventivo. Constrangimento e medo de dor são algumas das principais causas para essa baixa procura. Então, o que fazer para derrubar esse tabu, incentivar as mulheres a fazerem o preventivo e assim reduzir o número de casos da doença no Brasil? Pois este problema pode estar com os dias contados.

Como estratégia para aumentar a prevenção do câncer de colo do útero, o Ministério da Saúde analisa a oferta, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) da autocoleta vaginal – ou seja, a própria mulher pode fazer a coleta em casa do material, levando até 5 dias depois para análise em um laboratório.

Cerca de mil mulheres em cinco cidades brasileiras, cada um uma região do país, estão participando de um projeto piloto do Ministério da Saúde, em parceria com cinco universidades públicas, que usa a autocoleta para diagnosticar o HPV.  Para isso, vai avaliar a aceitação do auto-teste, que já existe no mercado, mas muita gente desconhece.

Mulheres que não fazem o preventivo há pelo menos 4 anos

A pesquisa é feita por amostragem. Se a autocoleta for bem aceita, ela poderá ser oferecida pelo sistema público de saúde. Os agentes comunitários estão em busca de mulheres que não estão em dia com o exame para rastrear o câncer de colo de útero.

Em Maringá (PR), são 320 mulheres com idade entre 25 e 64 anos. Todas, pacientes que não fizeram o exame preventivo há pelo menos 4 anos. Elas são divididas em dois grupos. Para um grupo vai ser oferecido o Papanicolau. Para o outro grupo, a autocoleta.

O motivo deste foco é que existem várias barreiras que impedem a adesão ao papanicolau, seja porque a mulher não sente necessidade, não tem sintomas, por falta de comunicação ou recomendação médica, ou mesmo por questões morais, por ela se sentir constrangida ou não ter autorização do marido.

“Pode ser feito o auto teste ali na hora, no momento. A mulher pode fazer no momento e já devolver para a agente comunitária de saúde. Ela pode fazer depois, 15 dias depois a agente comunitária de saúde vai retornar na casa dessa mulher pra pegar o exame”, disse Clovis Mello, secretário de Saúde de Maringá, nesta sexta-feira (12), ao ‘Jornal Nacional’.

‘Autocoleta não tem barreira religiosa nem precisa ficar na fila’

A autocoleta quebra esses obstáculos porque pode ser feita pela própria mulher em sua casa, de maneira parecida com os autoexames de Covid-19 que são vendidos em farmácias. É utilizado um teste molecular, que detecta o DNA do vírus e tem mais eficácia que o papanicolau, que analisa as células coletadas.

“A autocoleta não tem barreira religiosa, não precisa ficar horas na fila da unidade de saúde. É uma estratégia focada na mulher”, explica a farmacêutica-bioquímica Márcia Consolaro, professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que coordena o projeto.

Para chegar até essas pacientes, os pesquisadores fizeram treinamentos com agentes comunitárias de três unidades de saúde de Maringá, para elas entenderem o que era o câncer de colo uterino e como seria feita a abordagem às mulheres que nunca fizeram ou estavam há quatro anos ou mais sem fazer o papanicolau. As agentes, por sua vez, faziam uma busca ativa das pacientes, indo até suas casas para conversar e oferecer o exame.

A ideia do estudo era avaliar se a autocoleta era viável, ou seja, se as mulheres iriam aderir à iniciativa. Para isso, cada unidade de saúde que participou do projeto teve uma abordagem. Na UBS Quebec, era feito o agendamento do papanicolau, na UBS Alvorada a autocoleta e na UBS Pinheiros as mulheres poderiam escolher qual teste preferiam fazer.

Na pesquisa inicial, realizada em 2023 em Maringá, foram selecionadas 483 mulheres com idade entre 25 e 64 anos, conforme prevê as diretrizes do Ministério da Saúde para rastreio do câncer de colo de útero.

“As agentes iam até as casas e já ofereciam os testes. Já na primeira visita, 100% das 161 mulheres do grupo de autocoleta aceitaram e fizeram o teste em casa, enquanto pouco mais de 80% do grupo do papanicolau aceitaram fazer o exame. No grupo de livre escolha, 99% preferiram a autocoleta”, conta Márcia.

‘Não queremos substituir o papanicolau no Brasil’

Com o resultado da primeira pesquisa, o projeto multicêntrico foi implementado em duas unidades de saúde por cidade, com a oferta da autocoleta e do papanicolau, sem a opção de livre escolha. A ideia é avaliar se nas outras regiões a aceitabilidade das mulheres pela autocoleta também será alta.

“Conseguimos excelentes resultados com o primeiro projeto, com as mulheres aceitando muito bem a autocoleta. É isso que queremos replicar nessa experiência nacional”, destaca Vania Sela da Silva, professora de Citologia Clínica da UEM e co-coordenadora do projeto.

Os mesmos critérios anteriores de faixa etária, busca ativa de pacientes e treinamento das agentes comunitárias de saúde são utilizados na pesquisa nacional. A expectativa é que em outras regiões do Brasil eles se confirmem e que a aceitabilidade e a eficácia da autocoleta sejam grandes.

“Não vamos apenas detectar a presença do vírus, mas avaliar qual seria o melhor modelo para atender as mulheres HPV positivo, fazer estudos de custo-efetividade de cada exame. Será um estudo bastante completo”, salienta Márcia.

Segundo ela, a proposta do Ministério da Saúde é replicar o modelo em todo o País a partir do resultado desse estudo. “Não queremos substituir o papanicolau no Brasil. A nossa proposta é atingir aquelas mulheres que o sistema identifica como as que não aderem ao preventivo, para quem a autocoleta seria importante”, explica.

Segundo Márcia, os exames preventivos podem detectar os estágios pré-cancerosos, pois a doença pode levar até 15 anos para se manifestar após a infecção com HPV. “É por isso que se faz a prevenção, não é para detectar o câncer já instalado, mas esses estágios iniciais, que se tratados curam 100% a mulher. Ele é um câncer prevenível”, afirma Márcia.

“Um terço das mulheres que são diagnosticadas acabam morrendo, porque há um problema de saúde pública para chegar até elas. É isso que queremos reverter”.

Confira a entrevista de Márcia 

Papanicolau x autocoleta vaginal: como funciona o exame?

No Papanicolau,  um profissional de saúde colhe amostras do tecido do útero e deve ser feito preferencialmente a cada ano depois do começo da vida sexual. A autocoleta, indicada para mulheres e homens transgêneros, é menos invasiva e fornece resultado tão preciso quanto o realizado presencialmente no consultório médico.

De acordo com a ginecologista Neila Speck, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é uma solução inovadora para detecção de HPV (Papilomavírus Humano), um dos principais fatores de risco para câncer do colo uterino, e ajuda a facilitar o dignóstico de infecção por HPV.

Um dos aspectos positivos desta tecnologia é que ajuda a ampliar o acesso à saúde, principalmente em regiões remotas ou com acesso limitado aos cuidados de saúde. O dispositivo torna a autocoleta mais prática e privativa, já que pode ser feita em casa e independe de profissionais para realizá-la. Depois a amostra é enviada para uma rede de laboratórios credenciados para ser processada.

“A coleta é prática e feita em poucos minutos, pela própria pessoa, que coleta a sua amostra vaginal. A tecnologia foi criada como uma alternativa aos testes clínicos tradicionais e torna o exame preventivo mais acessível, mais conveniente e igualmente seguro ao método realizado em clínicas e laboratórios”, afirma.

O sistema une praticidade à privacidade, permitindo que os próprios pacientes façam a coleta do material vaginal. Inicialmente, o exame será realizado no hospital, com orientações da equipe médica e, em seguida, a amostra será encaminhada para análise, que leva cerca de 5 dias.

Presidente da Comissão Nacional Especializada no Trato Genital Inferior da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), esclarece que o objetivo final é ampliar o rastreio do HPV, mas a autocoleta vaginal não substitui as consultas rotineiras ao ginecologista.

“Atualmente, a prevenção ao câncer do colo do útero é impactada por diversos fatores, como dificuldades de rotina no dia a dia das mulheres e de homens transgêneros, acesso ao serviço de saúde, dificuldades de locomoção ou desconforto de pacientes. Essa inovação vem contribuir para mudar esse cenário”, afirma.

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Após a autocoleta, PCR em tempo real

A BD disponibiliza ao mercado duas opções de dispositivos de autocoleta que podem ser realizadas em consultórios, no trabalho, em casa ou no local de preferência do paciente. Trata-se dos primeiros dispositivos deste tipo para a detecção do HPV aprovados por entidades nacionais e internacionais.

O Sírio-Libanês, em São Paulo, é o primeiro hospital do país a realizar os exames diagnósticos do HPV pelo sistema de autocoleta vaginal comercializado pela BD. Após coletado pelas próprias mulheres e por homens transgêneros, o material depois será processado pelo laboratório do hospital, pela técnica conhecida como PCR em tempo real. Esse novo método de coleta contribui para ampliar o diagnóstico do câncer do colo do útero no país.

“O exame de PCR HPV é um exame de rastreio que vem sendo cada vez mais utilizado com a finalidade de prevenir o câncer de colo uterino, portanto, toda mulher pode fazer. Com a autocoleta, trazemos mais facilidade, já que a paciente precisa apenas retirar o kit em nossas unidades e pode escolher realizá-lo no próprio ambiente hospitalar ou em casa, com mais conforto”, afirma Leonardo Testagrossa, chefe do Departamento de Anatomia Patológica e Molecular do Hospital Sírio-Libanês.

Segundo ele, o kit de autocoleta foi desenhado para obter material suficiente para a realização do teste de rastreio. “Nosso processo de validação atesta que, se as instruções forem seguidas, a performance do teste será tão boa quanto a da coleta realizada por um especialista médico ou enfermeiro no chamado ambiente hospitalar”, completa.

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Os riscos do HPV à saúde da mulher

O Papilomavírus Humano (HPV) é um grupo com mais de 200 tipos de vírus, sendo que ao menos 14 são considerados oncogênicos, apresentando maior probabilidade para o desenvolvimento de infecções persistentes, além de estarem associados a lesões precursoras do câncer do colo do útero.

Da família dos Papilomavírus Humano (HPV), cerca de 40 são genitais, mas nem todos causam doenças. São os chamados HPV de alto risco, ou do tipo oncológico, os que merecem atenção e são responsáveis por pelo menos 5% de todos os cânceres mundiais. Os tipos de HPV com potencial para causar a doença são as variantes 16 e 18, que estão presentes em 70% dos diagnósticos da doença.

Praticamente todos os casos de câncer cervical, como também é conhecido o câncer de colo de útero, são causados pelo vírus, assim como 84% dos cânceres de ânus, 70% dos de vagina, 40% dos de vulva e 19% dos de orofaringe (que se desenvolve na parte da garganta que fica logo atrás da boca).

O de colo uterino é o quarto tipo de câncer feminino mais prevalente no mundo, com 604 mil novos casos e 342 mil mortes estimadas em 2020. No Brasil, é o terceiro tumor maligno mais frequente na população feminina, atrás do câncer de mama e do colorretal, e a terceira causa de morte de mulheres por câncer. Segundo dados do Inca, foram 16.590 novos casos em 2020, com 6.627 mortes por causa da doença.

De mulher pra mulher: estudo sobre autocoleta reúne pesquisadoras

O projeto que nasceu em Maringá é realizado por mulheres e para mulheres. Com exceção de um bolsista, toda a equipe da Universidade Estadual de Maringá, assim como a coordenação das demais instituições. Um dos pilares é a formação de agentes comunitárias de saúde, todas mulheres, que farão a busca ativa daquelas que não procuram as unidades de saúde para fazer o preventivo.

“A ideia é ter estratégias que foquem não no exame, mas sim naquela mulher que não adere ao que é oferecido como modalidade nacional. Temos que fazer dessa mulher uma agente da própria saúde, e é isso que a autocoleta oferece. Isso pode gerar benefícios como uma cultura de prevenção em várias outras áreas da saúde”, explica Márcia.

Farmacêutica-bioquímica formada pela UEM e professora da instituição há 27 anos, Márcia leciona atualmente nos cursos de graduação de Farmácia e Biomedicina e no programa de pós-graduação de Biociência e Fisiopatologia.

Uma das bolsistas do projeto é a biomédica Maria Vitória de Souza, que destaca a importância de fazer com que o trabalho de pesquisa universitária chegue a essas mulheres.

“Com ele, conseguimos levar a ciência para além do muro da universidade. Como mulher e pesquisadora, é muito gratificante participar de um projeto que pode fazer com que outras mulheres não cheguem a um estágio avançado de câncer”, afirma.

Pesquisa conta com recursos internacionais

Além de Maringá, na região Sul, a pesquisa é “Autocoleta e teste de HPV em mulheres não rastreadas para o câncer cervical: estudo multicêntrico de viabilidade no Brasil”, envolve pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM), universidades federais de Ouro Preto (UFOP), no Sudeste; do Rio Grande do Norte (UFRN), no Nordeste; de Goiás (UFG), no Centro-Oeste; e a Fundação Centro de Controle de Oncologia do Amazonas (Cecon), no Norte.

A iniciativa é uma expansão de outro projeto comandado por Márcia entre 2014 e 2016 em Maringá, fruto de uma parceria internacional entre a UEM, a Universidade do Alabama em Birminghan e a Faculdade de Medicina Albert Einstein (Albert Einstein College of Medicine), ambos dos Estados Unidos. A pesquisa também contou com a participação do Ministério da Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde de Maringá e da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Além disso, outro estudo do grupo, relacionado a infecções de HPV em mulheres HIV positivo, foi financiado pelo Instituto Nacional de Saúde estadunidense, o National Institutes of Health.

O edital da Universidade do Alabama selecionou 19 projetos na época, sendo que o único voltado ao câncer de colo de útero foi o da universidade paranaense. A estratégia focou em pacientes que não são alcançadas pelas abordagens tradicionais para prevenção do câncer de colo uterino.

Com informações do Jornal Nacional, Agência Paraná de Notícias e assessorias

 

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