A espera por um transplante é uma luta diária que impõe desafios físicos e psicológicos. Jucimara dos Santos, moradora de Cerro Azul, no Paraná, conhece bem essa realidade. Diagnosticada com rins policísticos apenas três meses após seu casamento, ela perdeu ambos os órgãos entre 2020 e 2021. Hoje, aos 25 anos, enfrenta a exaustiva rotina da hemodiálise.
Por não ter os rins, Jucimara relata que, além dos cuidados físicos, precisa controlar rigorosamente a ingestão de certos alimentos, como os ricos em potássio, e a quantidade de líquidos, já que, sem os órgãos, não há produção de urina. Tudo o que ela consome, seja comida ou bebida, é filtrado pela máquina de hemodiálise, responsável por limpar o sangue.
Minha rotina é do hospital para casa e vice-versa. Às vezes, saio fraca da máquina, mas com o tempo a gente se acostuma”, comenta.
Ela realiza exames mensais para monitorar a saúde e ajustar o tratamento conforme necessário, além de ter se adaptado à realidade enfrentada. “Às vezes, tenho anemia, até pelo procedimento de hemodiálise toda semana. Uma alternativa para matar a sede, no lugar da água, é chupar uma pedra de gelo”, relata.
Apesar dos desafios, Jucimara tenta manter o otimismo. Nos últimos cinco anos de hemodiálise, grande parte no Hospital Angelina Caron (PR), ela já foi chamada três vezes para o transplante, mas ainda não encontrou um doador compatível. “Já me senti mal e desanimada, mas preciso continuar”, afirma.
Além da hemodiálise, a jovem enfrentou outras complicações de saúde devido à falta dos rins, como anemia, que ocorre devido à deficiência renal e ao procedimento de hemodiálise. No entanto, ela ressalta que o apoio da família é fundamental para seguir em frente.
Minha família é grande, tenho nove irmãos e todos me apoiam. Meu marido viaja comigo para o hospital e nunca me desamparou. Quando penso em desistir, lembro que tenho uma máquina que me dá a oportunidade de continuar”.
A história de Jucimara é apenas uma das muitas que fazem parte da segunda edição da campanha Transforme-se, na qual transplantados compartilham suas experiências em vídeos documentais, trazendo depoimentos tanto de quem ainda aguarda quanto de quem já recebeu o transplante. A iniciativa tem como objetivo desmistificar a doação de órgãos e mostrar que, por meio dela, a esperança de uma nova vida pode renascer.
Muitas pessoas precisam de doação, não só eu. Doar é dar uma nova chance para quem está na fila”, ressalta Jucimara.
O projeto apresenta uma série de vídeos, nos quais os transplantados relataram suas trajetórias e o processo de receber um novo órgão, além de postagens e publicações voltadas para a conscientização. Para acessar a campanha e conhecer histórias de superação, clique aqui.
Doe órgãos e salve vidas
Neste 27 de setembro, celebra-se o Dia Nacional do Doador de Órgãos, uma data dedicada a conscientizar a sociedade sobre a importância da doação e a incentivar que famílias e amigos discutam o tema. Apesar de ocupar a segunda posição mundial em número de transplantes, o Brasil tem mais de 44 mil pessoas aguardando por um procedimento, de acordo com o Ministério da Saúde.
O órgão mais demandado é o rim, com mais de 41 mil pessoas na fila. Em seguida, estão o fígado, o coração, o pâncreas e os pulmões. Além desse número, cerca de 30 mil pessoas também aguardam por uma córnea.
A doação de órgãos no Brasil é ainda muito heterogênea, reflexo da falta de campanhas permanentes em muitos estados. O mito de que o doador ainda está vivo também persiste, mas a doação só ocorre após a morte cerebral comprovada”, afirma João Eduardo Leal Nicoluzzi, cirurgião geral e de transplante do Hospital Angelina Caron,
Registro em cartório sobre intenção de doar facilita
Além disso, o médico ressalta a importância de as pessoas buscarem esclarecimentos nas centrais de transplante, que são estruturas públicas acessíveis para responder a dúvidas. Segundo Nicoluzzi, o registro em cartório é uma prática louvável e que garante maior clareza quanto ao desejo de ser doador, facilitando o processo de autorização familiar, essencial no Brasil.
Desde o início deste ano, qualquer pessoa pode realizar uma Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) nos mais de 8 mil cartórios do país. O documento é eletrônico e deve ser preenchido a fim de demonstrar o interesse em ser doador, podendo escolher quais órgãos quer doar. O documento pode ser preenchido no site https://www.aedo.org.br/ ou por meio do aplicativo e-notariado, disponível para download em lojas de aplicativos.
Todas as pessoas podem ser consideradas doadoras em potencial, independentemente da idade ou histórico médico. O que determinará a possibilidade de transplante e quais os órgãos e tecidos poderão ser doados é uma avaliação do corpo feita por meio de exames clínicos, de imagem e laboratoriais no momento da morte.
Como se tornar um doador de órgãos?
A doação de órgãos é um ato de amor e esperança para quem recebe. Dentre os órgãos que podem ser doados estão o coração, rim, pâncreas, fígado, pulmões e tecidos (córnea, pele, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem, medula óssea e sangue de cordão umbilical). Alguns deles podem ser doados ainda em vida, como: um dos rins, metade do pulmão, parte do fígado e a medula. Os outros, apenas com a morte encefálica, que geralmente é resultado de traumatismo craniano ou AVC (derrame cerebral).
Para ser um “doador vivo”, é importante a pessoa apresentar boas condições de saúde, passar por avaliações médicas e exames de compatibilidade, ser capaz juridicamente e concordar com a doação. Legalmente, pais, irmãos, filhos, avós, tios e primos podem ser doadores. No caso de doação para uma pessoa que não seja parente, é preciso obter autorização judicial.
Já para doação de medula óssea, basta procurar o Hemocentro mais próximo, realizar um cadastro no Redome e coletar uma amostra de sangue (10 mL) para exame de tipagem HLA. Quando surgir um receptor compatível, o doador será convidado a realizar a doação, que acontecerá em centro cirúrgico. Há algumas regras para ser doador de medula: ter entre 18 a 35 anos, não ter doenças transmissíveis e estar em bom estado de saúde.
Não podem ser doadores de órgãos somente pessoas com diagnóstico de tumores malignos, doenças infecciosas graves agudas ou doenças infectocontagiosas – destacando-se o HIV, as hepatites B e C e a doença de Chagas. Também não podem ser doadores os diagnosticados com insuficiência de múltiplos órgãos, situação que acomete coração, pulmões, fígado, rins, impossibilitando a doação desses órgãos.