Ao contrário da apresentadora Ana Hickmann, que não hesitou em procurar uma delegacia para denunciar o marido, Alexandre Correa, mais de 60% das brasileiras que sofreram violência doméstica e familiar não fizeram queixa formal às autoridades policiais, apesar de o número de casos e denúncias estar crescendo nos últimos anos no país. Esta realidade é revelada no Mapa Nacional da Violência de Gênero, lançado nesta quarta-feira (22), no Senado Federal, em Brasília.
Além da disparidade entre os registros policiais e o tamanho do fenômeno no Brasil, o Mapa apresenta o Índice de Subnotificação Desconhecida, situação em que a mulher não nomeia a violência doméstica e familiar como tal, mas, quando apresentada a exemplos, admite já ter passado por violências.
Segundo os dados, três em cada dez mulheres brasileiras que não admitiram espontaneamente terem passado por algum tipo de violência, quando questionadas sobre situações específicas, admitem terem vivido situações de violência nos últimos 12 meses – o que sugere que os números de violência são maiores.
O lançamento do estudo que aponta e detalha o alto índice de subnotificação policial de casos no Brasil faz parte da programação do Congresso Nacional para marcar sua adesão à campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Pesquisa nacional revela múltiplas violências contra mulheres LGBTQIA +
Disponibilizada no Mapa Nacional da Violência de Gênero, a 10ª edição da Pesquisa Nacional da Violência Contra a Mulher traz o maior levantamento do país sobre o tema. A edição da série história este ano contou com um aumento de cerca de 3 mil para mais de 21 mil mulheres entrevistadas. A pesquisa é realizada pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV), também do Senado Federal, com apoio do Instituto Avon e da organização de jornalismo de dados Gênero e Número.
- O levantamento aponta que 27% das mulheres que declaram ter sofrido violência solicitaram Medida Protetiva de Urgência e, entre elas, 48% afirmam que em algum momento houve descumprimento por parte do agressor. Quando perguntadas sobre o que fizeram em relação à última agressão, 60% das vítimas buscaram a ajuda da família, 45% procuraram a igreja e 42% acessaram os amigos. Apenas 31% denunciaram em delegacias comuns e 22% foram às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
“O Mapa é um legado de Estado, pois garante a transparência de dados públicos atualizados e sem risco de saírem do ar. Este acesso é fundamental para proteger as mulheres e ajudar a mudar a estrutura sexista da nossa sociedade. O Mapa traz ainda informações fundamentais sobre mulheres LGBTQIA +, que igualmente são vítimas de múltiplas violências“, afirma Maria Martha Bruno, diretora da Gênero e Número e uma das coordenadoras do Mapa.
- A plataforma, que reúne os principais dados nacionais públicos e indicadores de violência contra as mulheres, será apresentada durante uma audiência pública para discutir os impactos da violência doméstica e familiar no Poder Judiciário. O debate será na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, às 16h, no plenário 14.
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Um marco desde o lançamento da Lei Maria da Penha
Os dados do levantamento embasam índices de subnotificação que foram criados especialmente para o Mapa. Realizada a cada dois anos desde 2005, a pesquisa foi criada para servir de subsídio para a elaboração da Lei Maria da Penha. A pesquisa, série histórica mais longa sobre o tema no Brasil, foi criada em 2005 para embasar com dados oficiais a criação da Lei Maria da Penha.
A diretora executiva do Instituto Avon, Daniela Grelin, acredita que o lançamento do Mapa será um marco histórico no o enfrentamento da violência contra a mulher, em cumprimento ao artigo 8º da Lei Maria da Penha que prevê a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas.
“Por isso, o lançamento desta plataforma interativa é tão importante para pautarmos políticas públicas e ações focadas no enfrentamento das violências contra mulheres e meninas. A plataforma só foi possível graças a uma colaboração intensa e profícua entre o setor público (Senado) e organizações privadas como o Instituto Avon e a Gênero e Número”, afirma.
Para Maria Teresa Prado, coordenadora do Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal, o Mapa vem para expor o retrato atual da violência contra as mulheres com números oficiais e, de forma inédita, permitir o aprofundamento da avaliação de dados administrativos por meio da pesquisa, com dados que não são coletados por nenhuma outra fonte e que são complementares às demais estatísticas.
“A ‘Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher’ contém dados oficiais que trazem a percepção da violência pela voz das próprias mulheres. Os dados mostram não só números, mas dizem respeito à própria vida e experiência das mulheres reais. Ao longo desses 18 anos, tem sido importante instrumento de avaliação de políticas públicas”, explica”, ressalta.
Projeto atualizará dados nacionais a cada dois meses
Além da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, o Mapa reúne informações de outras quatro bases de dados: Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinesp/MJSP); Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud/CNJ); SIM e Sinan, duas das bases do Sistema Único de Saúde (SUS).
Uma das principais conquistas do Mapa é a transparência, já que o projeto trará a divulgação de dados da segurança pública atualizados a cada dois meses. O acesso aos boletins de ocorrência de todo o Brasil foi possível a partir de um Acordo de Cooperação Técnica entre o Senado Federal e o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
“Os registros oficiais podem apresentar lacunas na captação e na qualidade dos dados; no entanto a pesquisa, aplicada nacionalmente, de forma consistente, utilizando métodos estatísticos rigorosos ao longo de todas estas 10 edições, permite a comparação desses dados com a realidade das mulheres, realidade apresentada na voz delas”, detalha Maria Tereza.
As ações são promovidas pela Secretaria da Mulher e da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados; da Procuradoria Especial da Mulher e da Liderança da Bancada Feminina do Senado Federal e da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher. Mais detalhes desses e outros eventos relativos à campanha pelo fim da violência contra as mulheres podem ser consultados na página da Secretaria da Mulher.
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Entenda por que a campanha é antecipada em 5 dias no Brasil
Em todo o mundo, a campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres” começa em 25 de novembro (Dia Internacional da Não-Violência contra as Mulheres) e vai até 10 de dezembro, data da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, entretanto, a data de início da ação é antecipada para 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. E há fortes motivos para isso.
Meninas e mulheres negras – consideradas aquelas que se declaram pretas ou pardas – são as principais vítimas de violência doméstica e familiar no país, como revela a última pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A iniciativa tem como propósito aumentar o conhecimento sobre os diversos tipos de violência de gênero, além de promover ações concretas para prevenir e eliminar essa violência – o que inclui pressão por políticas públicas, educação, sensibilização, apoio a vítimas e promoção de uma cultura de respeito e igualdade.
Congresso se ilumina de laranja em adesão à campanha internacional
Em todo o país, uma série de atividades está programada para acontecer nestes 21 dias de conscientização. Desde 2013, o Congresso Nacional participa da da campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres”. Para marcar o início, a Câmara dos Deputados recebe iluminação especial em laranja – a cor do movimento que reúne anualmente cerca de 150 países – e promove sessão solene, debates e exposição a partir desta semana.
A iluminação especial segue até 30 de novembro no Congresso, em referência à luta pelo fim da violência de gênero. Às 11h desta terça-feira (21/11), no plenário Ulysses Guimarães, haverá sessão em homenagem à campanha. Ainda nesta terça-feira, às 17h, está marcado o lançamento do vídeo “Um mundo mais justo e igualitário é responsabilidade de todos”, que ficará em cartaz até 3 de dezembro, no Hall da Taquigrafia da Câmara.
Outras importantes datas estão contempladas neste período, entre elas o Dia Internacional dos Defensores dos Direitos da Mulher (29 de novembro) e o Dia dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres – Campanha do Laço Branco, Lei 11.489/07 (6 de dezembro). Também durante o período são celebrados o Dia Mundial de Combate à Aids (1º de dezembro) e o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (3 de dezembro).
Com informações do Congresso Nacional e Instituto Avon