Só quem é pai, mãe ou cuidador de uma criança sabe como é difícil lidar com a dificuldades na hora da alimentação. O problema é ainda maior quando o pequeno tem diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Uma pesquisa publicada na Revista da Associação Brasileira de Nutrição (Rasbran) aponta que 53,4% de crianças e adolescentes com  têm seletividade alimentar.

A seletividade alimentar refere-se à tendência de uma pessoa em preferir certos alimentos enquanto evita outros, muitas vezes limitando significativamente a variedade e a quantidade de alimentos consumidos. Essa condição é prevalente em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e pode envolver uma aversão ou repulsa específica a certos alimentos, o que está relacionado com um comportamento alimentar restritivo.

O Abril Azul, mês de conscientização sobre o autismo, traz luz às dificuldades enfrentadas por esse público que são menos evidentes. Um dos tópicos que surgem para pais ou responsáveis de crianças e adolescentes desse grupo é a alimentação, pois pode se tornar um momento de estresse e impaciência.

A seletividade alimentar, que pode ter consequências muito graves para esta população. A deficiência de nutrientes essenciais pode acarretar em problemas como a anemia e fragilidade óssea.  Um artigo recente de revisão publicado no periódico Nutrients mostra uma preocupação principalmente com a deficiência de micronutrientes (vitaminas e minerais que são essenciais para o metabolismo) em crianças com TEA.

Os pesquisadores identificaram 44 casos discutidos em 27 estudos e descobriram que deficiências em vitaminas A, B e D, bem como ferro e cálcio, são as mais comuns. Vitamina E, zinco e iodo (2,4% dos casos) foram responsáveis por relativamente poucas ocorrências, embora frequentemente ocorressem junto com outras deficiências.

Os micronutrientes são essenciais para o desenvolvimento cerebral, função imunológica e crescimento. Assim, deficiências nesses nutrientes podem causar problemas de neurodesenvolvimento, infecções e crescimento atrofiado”, alerta a médica nutróloga Marcella Garcez, professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).

Seletividade alimentar causa sérias deficiências de vitaminas

Pessoas com seletividade alimentar podem evitar não apenas alimentos específicos, mas também categorias inteiras de alimentos que consideram repulsivos. Por exemplo, evitar vegetais verdes, frutos do mar ou alimentos com texturas específicas. “Essa aversão a certos alimentos pode limitar drasticamente a variedade na dieta, levando a uma ingestão nutricional inadequada e falta de nutrientes essenciais”, explica,

Como o TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por desafios sociais e comportamentais, que incluem extrema seletividade alimentar, a preocupação é grande já que a incidência dessa condição aumentou no mundo nos últimos anos. De 2000 a 2020, a prevalência de TEA aumentou de 0,7% para 2,8%, e especialistas em saúde pública notaram a necessidade de avaliações nutricionais aprimoradas para essa população.

Estima-se que cerca de 89% das crianças com TEA têm dietas restritas e frequentemente rejeitam grupos alimentares, especialmente vegetais e frutas, preferindo alimentos processados e ricos em calorias”, comenta a médica.

Em metade dos casos documentados, as crianças tinham um índice de massa corporal (IMC) normal, enquanto a outra metade era obesa ou com sobrepeso. No entanto, nenhum caso de crianças abaixo do peso com TEA foi registrado.

Aproximadamente 70% dos casos apresentaram duas ou mais deficiências concomitantes, frequentemente devido a lacunas alimentares sobrepostas, destacando as interações entre nutrientes. Precisamos lembrar que um alimento não tem só um nutriente, por mais que seja excelente fonte dele. A interação de nutrientes presentes em diversos alimentos é importante para a dieta. Por isso, a variedade dos alimentos é fundamental”, comenta a médica.

Maior deficiência de cálcio e vitamina D

Uma das deficiências múltiplas identificadas no estudo era a de cálcio e vitamina D, que frequentemente ocorriam juntas. “Crianças que exibiam essas deficiências frequentemente evitavam laticínios, uma fonte importante de vitamina D. Como essas deficiências causam distúrbios ósseos, cinco das crianças tinham raquitismo, três tinham osteopenia (baixa densidade óssea) e duas necessitaram de cirurgia ortopédica”, explica a médica.

Crianças em 20 casos apresentaram deficiência de vitamina A, um nutriente essencial para a saúde imunológica e a visão. “Fontes comuns, como folhas verdes, ovos, peixe e fígado, estavam ausentes da dieta das crianças nesses casos. Enquanto a maioria se recuperou com a suplementação, duas crianças tiveram cegueira permanente como resultado da deficiência”, explica a Dra. Marcella Garcez.

Em oito casos, foi identificada deficiência de ferro; no entanto, apenas uma criança tinha anemia. As dietas, nesses casos, careciam de alimentos ricos em ferro, apesar do consumo de cereais fortificados. “Os pesquisadores também notaram que 75% dos casos de deficiência de ferro apresentaram deficiências concomitantes de vitamina C, que aumenta a absorção de ferro”, comenta a médica.

A nutróloga enfatiza que os achados reforçam a importância de uma triagem preventiva para identificar carências para intervir com estratégias alimentares e suplementares para corrigir as deficiências. O primeiro passo é a identificação de quais alimentos estão fora da dieta pelo motivo da seletividade. Depois, é necessária uma abordagem gradual e sistematizada, com a introdução gradual de novos alimentos, com exposição repetida.

Uma estratégia é testar receitas, mudando a textura inicial do alimento, que é um elemento muito considerado pelos pacientes com TEA. Por exemplo, existem receitas de sorvete com batata doce, panqueca com espinafre, suco com beterraba ou de farofa de frango cozido triturado. Os alimentos liofilizados (em pó) também podem ser usados como temperos. E, nos casos em que a abordagem não funcionou, será necessária a suplementação individualizada”, finaliza a médica nutróloga.

Médica e mãe atípica recomenda suplementação

A médica pediatra Camila Milagres é mãe atípica e durante toda a vida do seu filho, sofreu com a seletividade alimentar da criança. Ela então começou a estudar sobre suplementação alimentar em crianças com autismo e hoje é uma especialista no assunto, tendo participado das pesquisas para desenvolvimento do primeiro suplemento alimentar 100% voltado para pessoas autistas.

A seletividade alimentar é um problema comum em indivíduos com TEA, caracterizado por uma dieta autorestritiva e relutância em experimentar novos alimentos. Este comportamento pode impactar negativamente a adequação nutricional e as rotinas familiares. Crianças com seletividade alimentar correm maior risco de inadequações nutricionais, como deficiência de vitamina D, fibra, vitamina E e cálcio”, explica a médica.

No mês mundial da conscientização do autismo, o tema da seletividade alimentar em crianças autistas surge como fundamental na rotina das famílias que precisam lidar com essa condição. Segundo Camila, a suplementação alimentar pode ajudar nesse processo. 

Com extenso histórico de pesquisas na área do autismo e suplementação, inclusive ministrando cursos para pais e cuidadores desses pacientes, Camila fala sobre os riscos e benefícios da suplementação alimentar e doenças que podem ser prevenidas a partir da suplementação prescrita de forma correta.

Como a suplementação alimentar ajuda crianças autistas

Referência no tratamento do autismo e consultora da marca Volacanic, empresa colombiana que desenvolve suplementos, Camila destaca que é preciso “prestar atenção aos cuidados essenciais para que essas pessoas tenham benefícios que estejam presentes no seu dia a dia”. Por isso, o uso de complexos polivitamínicos é essencial para o bem-estar e desenvolvimento das crianças com autismo.

Um estudo complementar sobre a suplementação de nutrientes em crianças com TEA, publicado no Brazilian Journal of Health Review, mostra níveis baixos de vitaminas e minerais, no entanto indicam melhora de disfunções secundárias do autismo quando o auxílio suplementar adequado é adotado.

A antocianina, pigmento antioxidante presente na semente da uva, apresentou resultado positivo para o tratamento de disfunções secundárias do autismo. Em testes com animais, houve melhora parcial da interação social e da inflamação da microbiota intestinal, que está diretamente relacionada com o transtorno”, diz  José Roberto Lazzarini, diretor médico e de inovação da Volcanic.

 

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