O Brasil vive um alerta epidemiológico silencioso: os casos de sífilis têm aumentado de forma consistente nos últimos 10 anos, mesmo com campanhas de prevenção e oferta gratuita de testes e tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Uma das infecções sexualmente transmissíveis (IST) mais comuns no mundo, a sífilis pode ser congênita, transmitida da gestante infectada para o feto durante a gestação ou parto, ou adquirida — quando há o contágio direto com a bactéria Treponema pallidum.
Dados do Boletim Epidemiológico de Sífilis 2025 do Ministério da Saúde, divulgado às vésperas do Dia Nacional de Combate à Sífilis e Sífilis Congênita, lembrado no terceiro sábado de outubro (este ano, cai no dia 18) – apontam uma redução dos casos de sífilis no país – nos últimos três anos, o Brasil registrou 2.093 casos a menos da doença.
Infectologista aponta falhas nas estratégias para conter a doença
Para a médica infectologista Michelle Zicker, do São Cristóvão Saúde, o grande número de casos evidencia falhas persistentes nas estratégias de contenção da doença. Ela explica que o avanço da infecção está relacionado a uma série de fatores.
A falta de conscientização sobre a sífilis, o uso inconsistente de preservativos, principalmente entre os jovens, e o estigma ainda presente em torno das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) dificultam o diagnóstico precoce e o tratamento adequado”, aponta.
Apesar da oferta de testes rápidos nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), o Brasil ainda enfrenta barreiras no diagnóstico e tratamento. A falta de informação e de acesso adequado aos serviços de saúde impacta principalmente gestantes.
Ainda há falhas no acompanhamento pré-natal, na identificação precoce da doença nas gestantes e, principalmente, na adesão ao tratamento por parte das mulheres e de seus parceiros”, afirma a infectologista.
Pediatra alerta para consequências da sífilis congênita
Ausência de diagnostico e de tratamento podem causar sequelas graves para a saúde do bebê
A Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) promove a campanha “Outubro Verde – Mês do Combate à Sífilis Congênita” para enfatizar a urgência do diagnóstico e tratamento precoce da sífilis em gestantes. A doença, transmitida da mãe para o bebê, representa um sério desafio para a saúde pública e a pediatria. O médico pediatra Antonio Turner, diretor técnico da rede de clínicas Total Kids, no Rio de Janeiro, destaca a gravidade da situação:
O agravamento do número de casos da sífilis congênita, uma doença que pode ser prevenida e que tem tratamento, é profundamente preocupante porque a falta de diagnóstico e tratamento adequado durante a gestação pode resultar em consequências trágicas, como aborto, parto prematuro, baixo peso ao nascer, assim como sequelas irreversíveis na criança, incluindo anemia, icterícia, lesões ósseas e de pele, ou até mesmo o óbito, seja intraútero ou após o nascimento. Na fase tardia, a criança pode enfrentar distúrbios auditivos, alterações oftalmológicas e dificuldades de desenvolvimento e aprendizado”, alerta o especialista.
A sífilis congênita é causada pela bactéria Treponema pallidum e sua transmissão é evitada com a testagem e o tratamento eficaz da gestante durante o pré-natal. Antonio Carlos Turner reforça a necessidade da gestante fazer o pré-natal, principal ferramenta de combate à doença.
Nosso foco é alertar a população e os profissionais de saúde sobre a importância vital do acompanhamento pré-natal completo e da testagem para sífilis. Intervir o mais cedo possível não apenas trata a mãe, mas, crucialmente, impede que a infecção chegue ao feto, evitando assim complicações graves e garantindo um futuro mais saudável para o bebê. O prognóstico está diretamente ligado à rapidez com que o tratamento é instituído,” conclui.
Oferta do exame pelo SUS aumentou em 40%
Ministério da Saúde lança campanha de enfrentamento à sífilis no Outubro Verde
Para ampliar o diagnóstico da sífilis, o Ministério da Saúde informou ter expandido o acesso ao teste rápido combo HIV/sífilis, que identifica simultaneamente as duas infecções. Em 2025, a oferta do exame aumentou em mais de 40%, totalizando 6,5 milhões de unidades, com investimento de R$ 9,2 milhões.
O exame é simples, rápido e gratuito, e permite o início imediato do tratamento — essencial para interromper a transmissão, inclusive durante a gestação”, destacou a pasta em nota.
O Ministério da Saúde lançou nesta quinta-feira a (16) a Campanha Nacional de Enfrentamento à Sífilis. Com o tema Sífilis tem cura – Faça o teste, trate-se e previna-se, a mobilização reforça a importância da prevenção, da testagem, do diagnóstico e do tratamento contra a doença, disponíveis via Sistema Único de Saúde (SUS).
A campanha tem como público principal jovens de 15 a 30 anos, gestantes e seus parceiros sexuais. A proposta, segundo a pasta, é utilizar linguagem leve e acessível para incentivar o autocuidado e a prevenção em meio ao Outubro Verde, mês dedicado à mobilização nacional contra a sífilis.
A programação, ao longo de todo o mês, inclui webinários abertos ao público às quartas-feiras, a partir das 10h30, abordando temas como diagnóstico, manejo clínico, prevenção e vigilância. Todas as transmissões ficarão disponíveis para acesso posterior, caso não possam ser acompanhadas em tempo real.
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Traiçoeiros e subestimados, sintomas se confundem com os de outras doenças
A sífilis é causada pela bactéria Treponema pallidum e pode ser confundida com outras infecções. A doença possui quatro estágios que facilitam a identificação. A primária – também chamada de cancro duro – é caracterizada pelo aparecimento de uma úlcera no local, mas de forma indolor, que desaparece espontaneamente, levando muitos pacientes a acreditarem que estão curados.
A secundária acontece semanas após ao contágio e a pessoa infectada pode apresentar sintomas como manchas pelo corpo, febre. dor de cabeça e mal estar. Já na fase latente, a bactéria está no corpo e pode ser detectada por meio de exames, mas a pessoa não apresenta sintomas.
Na fase terciária, a infecção pode permanecer assintomática por longo período e vir a se desenvolver anos depois e causar complicações graves no cérebro, coração e nos ossos, causando graves danos neurológicos e cardiovasculares.
É possível estar infectado por sífilis e não saber. A doença pode passar anos no organismo sem se manifestar de forma evidente, o que reforça a importância dos testes regulares e da prevenção”, alerta a a médica infectologista Michelle Zicker.
Uso regular da camisinha masculina ou feminina é essencial
A especialista reforça que a camisinha ainda é a principal ferramenta de prevenção. “O uso regular da camisinha masculina ou feminina é essencial. Além disso, é necessário ampliar as campanhas de educação sexual, facilitar o acesso à testagem rápida e garantir o tratamento das parcerias para evitar reinfecções”, orienta.
A especialista destaca ainda que a eliminação da sífilis congênita — considerada uma meta prioritária pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) — depende de uma abordagem mais eficiente e integrada. “Não basta ofertar o exame, é preciso garantir que ele seja feito, interpretado e que o tratamento e acompanhamento sejam seguidos corretamente até o fim”.
Enquanto isso, os números seguem crescendo. Em tempos em que outras emergências de saúde pública ganham destaque, a sífilis continua a se espalhar de forma silenciosa, cobrando um preço alto pela negligência coletiva.
Diagnóstico precoce evita complicações
Apesar de tratável com medicamentos, quando não descoberta precocemente e tratada, a sífiliz pode evoluir para casos mais graves, além de gerar novas contaminações. A principal forma de contágio é por meio de relações sexuais, mas também é possível pela exposição de cortes na pele à bactéria, pelo contato com agulhas e sangue contaminado, durante a amamentação e pela transmissão vertical, que acontece durante a gravidez ou o parto.
Já a prevenção pode ser feita de várias maneiras, principalmente com a utilização de preservativo, mas também evitar o contato com fluídos corporais e a realização de exames regulares. É indicado que os exames sejam feitos regularmente por pessoas com vida sexual ativa, mesmo que não haja sintomas. Gestantes durante o pré-natal também devem realizar durante o primeiro e o terceiro trimestre.
Em casos positivos, o tratamento é feito por meio de antibióticos administrados via oral ou intravenosa, dependendo da gravidade e do estágio da infecção. Entre os mais comuns, estão a penicilina benzatina, penicilina cristalina ou ceftriaxona. que os exames sejam feitos regularmente por pessoas com vida sexual ativa, mesmo que não haja sintomas. Gestantes durante o pré-natal também devem realizar durante o primeiro e o terceiro trimestre.
A identificação e o diagnóstico da infecção ocorrem por meio de exames, entre eles o teste treponêmico (FTA-ABS), o não-treponêmico (VDRL ou RPR) e o teste rápido. O VDRL é o único teste de floculação que pode ser utilizado para a pesquisa de anticorpos no líquor, uma amostra fundamental para a identificação da sífilis congênita ou da neurossífilis – uma complicação que acontece quando a doença afeta o sistema nervoso. Neste caso, o resultado positivo pode significar que a pessoa já entrou em contato com a infecção.
Com Agência Brasil e Assessorias






