A decisão do presidente Lula, que permite a aplicação da Ozonioterapia por profissionais de saúde com nível superior, dividiu opiniões entre especialistas. O procedimento é polêmico. O Conselho Federal de Medicina (CFM) proíbe a prática entre médicos e aAnvisa, agência reguladora de vigilância sanitária, aprovou seu uso apenas para fins estéticos e odontológicos.

“Lula erra ao sancionar uma lei sobre uma prática de saúde que deveria ser discutida no âmbito da ciência, dos conselhos profissionais, da regulamentação das ocupações e até de agências nacionais reguladoras como a Anvisa”, afirma o naturólogo Fernando Hellmann, doutor em Saúde Pública e em Bioética e professor da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina (confira o artigo dele na íntegra abaixo).

Para especialistas em Direito Médico, embora a nova legislação determine que o caráter desta prática seja complementar a outros tratamentos, identificar a pertinência da nova lei diante de um cenário onde não há estudo científico comprovado que ateste a eficácia da terapia pode ser sensível.

“Estamos falando de um tratamento complementar que, de acordo com o posicionamento do CFM, por ser uma prática experimental e sem comprovação, em regra, deve ser utilizado apenas em estudos clínicos, e, ainda, tendo a Anvisa ratificado que as finalidades para as quais os aparelhos de ozonioterapia tem aprovação no Brasil, são para fins odontológicos e estéticos”, explicou Nycolle Soares, sócia e CEO do Lara Martins Advogados, especializada em Direito da Saúde e especialista em Ética e Compliance na Saúde pelo Einstein.

Na mesma linha, a advogada especializada em Direito Médico e sócia do escritório Silva Nunes Advogados, Mérces da Silva Nunes, esclarece que o fato da lei autorizar o uso da ozonioterapia sem especificar que o procedimento foi autorizado pela Anvisa apenas na Odontologia e na estética pode levar ao uso indiscriminado e abusivo do procedimento, além de causar sérios danos para a saúde do usuário. “A lei pode levar ao entendimento equivocado da população de que se trata de um procedimento válido para tratamentos de saúde”, completa.

Segurança e integridade de prática em questão

Existem duas perspectivas quanto à decisão do Governo Federal, conforme as advogadas Nycolle e Mérces. A primeira é relacionada à segurança dos pacientes e a integridade da prática, devendo ser levado em consideração que, de acordo com o artigo 1º, inciso I da Lei 14.648/2023, ozonioterapia poderá ser praticada por profissional de saúde de nível superior inscrito em seu conselho de fiscalização profissional.

“Aí surgem alguns questionamentos: seria prudente sancionar uma lei que permite um tratamento ainda que complementar, com eficácia não comprovada cientificamente? A prática não estaria ferindo a ética médica, que é um dos princípios fundamentais da profissão no sentido de que os profissionais de saúde devem basear suas decisões em informações confiáveis e na melhor evidência disponível? Ou seria um estímulo à pesquisa que, a partir do momento que tem a regulamentação, financiamento e supervisão adequada poderiam ser realizadas com mais celeridade, possibilitando uma compreensão mais completa quanto a benefícios e limitações da ozonioterapia?”, questiona Nycolle Soares.

ParaThayan Fernando Ferreira, especialista em direito de saúde e direito público da Ferreira Cruz Advogados, “é um ganho ver essa prática inclusa e autorizada no Brasil, principalmente através do SUS”. E ressalta: “Se hoje a ozonioterapia é uma prática que faz bem e traz melhoria na qualidade de vida, por que não incluí-la entre práticas autorizadas? É muito importante termos leis que validam o avanço da medicina e os avanços da humanidade”. (confira o artigo dele na íntegra abaixo).

Como o paciente pode procurar o tratamento de forma segura?

Ainda que a relação médico-paciente deva ser pautada na confiança, o que é primordial quando da procura de um tratamento, é necessário identificar que o tratamento com ozonioterapia é um tratamento complementar, ou seja, ele estará vinculado ao tratamento previamente indicado de acordo com a necessidade do paciente.

“É de responsabilidade do médico que prescrever, informar os pacientes sobre os riscos, benefícios, alternativas e possíveis resultados do tratamento proposto, ainda que não haja estudos científicos reconhecidos acerca do tema”, destacou Nycolle.

O que é preciso se atentar quanto ao tratamento?

Para a advogada, “é imprescindível ter ciência de que, tanto para este tratamento quanto para qualquer outro tratamento, seja ele complementar ou não, que o paciente e/ou seus familiares têm o direito de obter informações completas e transparentes, incluindo evidências científicas, estudos clínicos e resultados anteriores relacionados a condução do tratamento proposto”.

“Uma vez que não exista, a decisão quanto a se submeter a indicação médica, deve ser pautada em esclarecimentos específicos por parte do médico, quanto a todas as limitações e possíveis resultados que podem ou não ocorrer”, conclui a CEO do Lara Martins Advogados.

Palavra de Especialista

CONTRA

Lei da Ozonioterapia: faltam evidências e sobram atropelos

Por Fernando Hellmann*

A lei Nº 14.648/2023 que autoriza a ozonioterapia no território nacional, sancionada nesta semana pelo presidente Lula, é um engodo. Ora, a ozonioterapia nunca foi proibida em território nacional – e, inclusive, já era incentivada desde 2018, quando o então ministro da Saúde Ricardo Barros assinou uma portaria incluindo essa prática no rol das práticas integrativas e complementares do Sistema Único de Saúde (SUS).

Lula erra ao sancionar uma lei sobre uma prática de saúde que deveria ser discutida no âmbito da ciência, dos conselhos profissionais, da regulamentação das ocupações e até de agências nacionais reguladoras como a Anvisa. A lei é produto do lobby político de associações de ozonioterapia, notadamente a Sociedade Brasileira de Ozônio Medicinal, as quais já haviam feito o mesmo trabalho para que a ozonioterapia fosse incluída na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).

Assim como a PNPIC, a lei sancionada não é clara quanto à regulação de quem poderia aplicar a ozonioterapia de modo seguro e eficaz, já que não informa quais técnicas e protocolos são permitidos de serem feitos no âmbito do SUS ou fora dele. Embora a ozonioterapia seja bem-vinda na PNPIC, já que existem indícios de eficácia clínica de seu uso externo na cicatrização de feridas, é um fato que, como qualquer prática, a ozonioterapia não é isenta de riscos e carece de evidências científicas para várias de suas técnicas e vias de administração. Por exemplo, é muito diferente a aplicação tópica de ozônio, como em banhos de água ozonizada, do que sua aplicação por injeção – seja subcutânea, endovenosa ou intra-articular.

O Mapa de Evidência da Efetividade Clínica da Ozonioterapia Médica, publicado em 2019 pela BIREME/OPAS/OMS, aponta para a falta de estudos em várias técnicas com intervenções por injeção. Além disso, o guia não explicita os estudos incluídos e sua qualidade. Outro problema é que não foi declarado o possível conflito de interesse na confecção do referido mapa, já que este foi realizado, sobretudo, por pessoas ligadas à SOBOM (a mesma que fez lobby pela lei) e à World Federation of Ozone Therapy, o que o torna um mapa frágil.

Na prática, a lei dá uma estrutura legal para a aplicação da ozonioterapia limitada a algumas classes de profissionais da saúde de nível superior, as quais deverão regular as técnicas que poderão ser utilizadas. Vale ressaltar que essa lei não garante que essa prática seja executada de forma segura, eficaz e padronizada.

Os conselhos federais de Odontologia (CFO), de Farmácia (CFF), Fisioterapia (COFFITO) e Enfermagem (COFEN) aproveitaram a inclusão da ozonioterapia na PNPIC para regulamentar a atribuição desses profissionais na prática da ozonioterapia. Contudo, em geral, as regulamentações ainda apresentam falhas no que se refere a basear as técnicas em evidências científicas. Já o Conselho Federal de Medicina (CFM), embora pudesse autorizar o seu uso tópico, segue uma posição sensata, permitindo que seus profissionais apliquem a ozonioterapia em caráter de pesquisa.

Uma minúscula virtude da lei é o fato de que “o profissional responsável pela aplicação da ozonioterapia deverá informar ao paciente que o procedimento possui caráter complementar”. Isso, pois muitos profissionais vendem a técnica como panaceia. Porém, dizer que a terapia é complementar não significa dizer que ela é segura e eficaz. Mais do que uma lei sobre a ozonioterapia, o que precisamos é de pesquisas sérias que elucidem a segurança, eficácia e efetividade da ozonioterapia na saúde humana.

A cena dos próximos capítulos está desenhada: é provável que a Associação Médica Brasileira (AMB) ou outra associação semelhante entre com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para que se suspendam os efeitos dessa lei, corrigindo esse atropelo. Processo semelhante ao que fizeram com a lei que autorizava o uso e a distribuição, no Brasil, da fosfoetanolamina, a chamada “pílula do câncer”, de autoria do então deputado Jair Bolsonaro.

  • Fernando Hellmann é naturólogo, doutor em Saúde Pública e em Bioética e professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

A FAVOR

Ozonioterapia agora é assegurada por lei

Thayan Fernando Ferreira*

Nas gavetas da Praça dos Três Poderes desde 2017, a ozonioterapia acabou de ser assegurada como tratamento de caráter complementar. Isso porque o governo federal sancionou a Lei 14.648/23, que autoriza a prescrição deste procedimento em todo território nacional. Nas mãos do executivo, não houve nenhum tipo de veto ao texto original.

Esta lei nasceu através de um projeto do Senado, a PL 9001/17, aprovado, em seguida, por caráter conclusivo pela Câmara dos Deputados. Todavia, a publicação indicada pelo Diário Oficial da União carrega uma série de argumentos que validam a aplicação da terapia

A lei é categórica ao sinalizar que a realização da ozonioterapia só pode ocorrer através de profissional de saúde de nível superior inscrito em seu conselho de fiscalização profissional. Além disso o profissional responsável pela aplicação do procedimento deverá informar ao paciente que o procedimento possui caráter complementar.

Conforme a lei, a ozonioterapia somente poderá ser aplicada por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente regularizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, ou órgão que a substitua.

ozonioterapia é a aplicação de oxigênio e ozônio diretamente na pele ou no sangue do paciente, na tentativa de conter infecções ou aumentar a oxigenação do tecido. Trata-se de um procedimento não invasivo, não farmacológico, com poucas contraindicações e de caráter multidisciplinar. Sua finalidade é complementar as práticas já existentes no sistema de saúde.

Ministério da Saúde incluiu a prática no SUS em 2018

Por falar em sistemas, o Ministério da Saúde já reconhece e oferece essa prática através do SUS. Em 2018, o órgão incluiu a prática entre as possibilidades públicas disponíveis no Brasil, junto a aromaterapia, constelação familiar e hipnoterapia, entre outras. 

Logo em seguida, durante a pandemia de Covid-19, a técnica foi alvo de polêmica porque chegou a ser recomendada sem que tivesse a eficácia comprovada contra a doença. Porém, foi utilizada por praticantes que afirmam um auxílio no combate a dor crônica e aumenta a resposta do sistema imunológico a doenças infecciosas.

Convencional ou não, é um ganho ver essa prática inclusa e autorizada no Brasil, principalmente através do SUS. Eu, enquanto advogado e também cidadão, sempre defendo que o mundo está em constante mudança e a medicina precisa acompanhar estas mudanças.

Se hoje a ozonioterapia é uma prática que faz bem e traz melhoria na qualidade de vida, por que não incluí-la entre práticas autorizadas? É muito importante termos leis que validam o avanço da medicina e os avanços da humanidade.

*Especialista em direito de saúde e direito público da Ferreira Cruz Advogados.

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