A criação de uma nova cesta básica nacional, que privilegia alimentos in natura ou minimamente processados, está sendo apontada por especialistas como fundamental para incentivar uma alimentação mais saudável na população brasileira. A longo prazo, pode também representar a redução de muitos casos de doenças preveníveis a partir da simples mudança no estilo de vida. 

Além do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos alimentos ultraprocessados, a cesta básica passará a contar com dez novos grupos de alimentos: feijões; cereais; raízes e tubérculos; legumes e verduras; frutas; castanhas e nozes; carnes e ovos; leites e queijos; açúcares, sal, óleos e gorduras; e café, chá e especiarias.

De acordo com a Marcella Garcez, médica nutróloga e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), as vantagens dessa nova composição incluem melhorias na saúde e bem-estar, além de uma possível redução na incidência de doenças relacionadas à má alimentação e ao consumo dos alimentos ultraprocessados, particularmente as doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes, hipertensão arterial e síndrome metabólica.

Alimentos ultraprocessados são formulações industriais fabricadas a partir de substâncias extraídas ou derivadas de outros alimentos (sal, açúcar, óleos, proteínas e gorduras) e sintetizadas em laboratório (corantes, aromatizantes, conservantes e aditivos). No geral, são alimentos com sabor mais agradável e um grande prazo de validade, mas pobres nutricionalmente e ricos em calorias, gorduras e aditivos químicos. Por isso, favorecem a ocorrência de deficiências nutricionais, doenças do coração, diabetes, colesterol e obesidade”, explica a médica.

Mais oferta e menos custos dos alimentos

Para Alexandre Augusto Gaino, professor de Economia da ESPM, na prática, a nova cesta básica servirá para guiar e orientar o governo na formulação de políticas públicas relacionadas à produção, ao abastecimento e ao consumo de alimentos.

“A partir de agora fica mais fácil para o Estado adquirir os alimentos para os hospitais, a merenda escolar e outras repartições públicas. Terá uma ferramenta importante com ampliação do poder de compra. Além disso, vai estimular o crescimento da produção agrícola e, por consequência, aumentar a oferta desses alimentos à população, com possibilidades de custos menores”.

O especialista ressalta que, além incentivar a população ao consumo de produtos de melhor qualidade nutricional, a ação irá possibilitar políticas tributárias, com subsídios e redução de tributos para os produtos constantes na cesta.

“Uma família de baixa renda, que ganha um salário-mínimo, poderá ter acesso a essa nova cesta básica, pois o aumento da escala produtiva e a ampliação de oferta ajudarão no barateamento desses alimentos”, conclui Gaino.

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Antiga cesta básica beneficiava ultraprocessados com benefícios fiscais

Em abril de 2023, uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a ACT Promoção da Saúde evidenciou que a cesta básica beneficiava os ultraprocessados por meio de benefícios fiscais. A partir disso, as entidades levaram o tema para o ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), que levou o assunto a debate no Congresso Nacional.

Idec e ACT reforçaram a necessidade de incluir a cesta básica na discussão sobre o preço dos alimentos, e alinhar a definição dos itens da cesta às orientações do Guia Alimentar para a População Brasileira, que recomenda evitar o consumo de produtos alimentícios ultraprocessados.

Como resultado dessa articulação, o texto da Reforma Tributária passou a incluir a criação de uma cesta básica nacional que referencia a cultura e a tradição alimentar brasileira, de modo a ampliar o acesso da população à alimentação adequada e saudável.

Neste cenário, o Idec e a ACT, como sociedade civil, além de pesquisadores e representantes dos ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e da Fazenda e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), participaram de um grupo de trabalho, coordenado pelo MDS que tinha o objetivo de avançar em propostas para composição de uma cesta básica saudável.

Sistema alimentar mais saudável e sustentável

Paula Johns, da ACT Promoção da Saúde, instituição que participou do grupo de trabalho que deu origem ao projeto da nova cesta, avaliou que esta é “uma grande conquista da sociedade brasileira e um passo importante rumo a um sistema alimentar mais saudável e sustentável”.

“Os ultraprocessados estão associados a doenças e mortes, e era um enorme contrassenso que o Estado brasileiro desse incentivos fiscais a eles, favorecendo seu consumo e o consequente adoecimento da população. Lutamos pelo enfrentamento da fome, mas com comida de verdade, e o novo contribui na correção dessa distorção”, afirma.

“Conseguimos fortalecer políticas públicas que garantem o direito humano à alimentação adequada, a partir do incentivo aos alimentos saudáveis e representativos da nossa sociobiodiversidade”, esclarece Ana Maria Maya, especialista do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, que também participou da elaboração da nova cesta básica.

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Alimentos in natura e educação alimentar

Para a médica nutróloga Marcella Garcez, apesar das vantagens da nova cesta básica, que vai oferecer uma variedade mais equilibrada de alimentos nutritivos, assim atendendo melhor às necessidades nutricionais da população, podem haver desafios relacionados a sua implementação e viabilização.

Segundo ela, a inclusão de uma maior quantidade de alimentos in natura, mesmo priorizando alimentos regionais, precisa levar em consideração questões relacionadas ao custo, à logística, ao desperdício e à segurança alimentar.

Uma das questões está relacionada à maior oferta de alimentos frescos in natura, que são aqueles obtidos de plantas ou animais que chegam ao consumidor sem terem passado por nenhum tipo de processamento.

“Por esse motivo, são muito mais suscetíveis à degradação e à contaminação, podendo aumentar o desperdício e a prevalência de intoxicações alimentares”, alerta a especialista.

Ele chama atenção para a oferta à população em vulnerabilidade alimentar de produtos perecíveis, que dependem de armazenamento apropriado e técnicas de preparo específicas. Por isso, aponta a necessidade de políticas públicas focadas na educação alimentar para superar esses obstáculos.

“A intenção parece boa. E é importante começar por algum ponto para conscientizar a população de todos os estratos da sociedade sobre a importância dos bons hábitos alimentares”, avalia a Dra. Marcella Garcez.

Com Assessorias

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