Imagine sentir choques elétricos equivalentes ao triplo da carga de uma rede de 220 volts, atravessando seu rosto constantemente, ao simples ato de falar, mastigar ou escovar os dentes? Pois esta é a sensação vivida há mais de 11 anos pela veterinária Carolina Arruda Leite, 28, que enfrenta uma batalha contra a neuralgia do trigêmeo bilateral, considerada “a pior dor do mundo”, cuja data é lembrada mundialmente neste dia 7 de outubro.
Após passar por 27 neurologistas e diversos tratamentos, incluindo medicamentos e cirurgias, a dor ainda persistia e a impedia de realizar tarefas simples, afetando seu bem-estar emocional. Foi aí que ela tomou a difícil decisão de procurar a eutanásia como última alternativa para interromper seu sofrimento constante. Proibida no Brasil e considerada como ‘suicídio assistido’, a eutanásia da veterinária mineira teria de ser realizada fora do país, em locais que são permitidos este tipo de procedimento.
A situação viralizou no Brasil em julho deste ano quando ela resolveu publicar uma vaquinha para arrecadar fundos para se transferir para a Suíça. país em que a eutanásia é permitida, porque já não suportava mais viver com as dores constantes. O caso trouxe ao conhecimento da população brasileira mais conhecimentos sobre a síndrome, também conhecida como ‘a doença do suicídio’.
A neuralgia do trigêmeo trouxe uma dor tão avassaladora que me levou a considerar a eutanásia. Não porque eu queria morrer, mas porque desejava escapar de um sofrimento que parecia interminável”, relata Carolina, em seu instagram, onde compartilha diariamente a sua rotina.
Veterinária chegou a arrecadar R$ 150 mil para tentar eutanásia na Suiça
Natural de Bambuí (SP) e mãe da Isabela, de 10 anos, a jovem veterinária chegou a arrecadar mais de R$ 150 mil em poucos dias da campanha na internet. Segundo ela, a filha, Isabela, de 11 anos; o marido Pedro Leite, que acompanha todo o seu tratamento, além da avó e da mãe, não aceitavam a decisão dela de por fim à vida, mas respeitavam.
Ao longo da campanha, ela acabou recebendo milhares de dicas e orientações para novos tratamentos, até que recebeu a oferta de um tratamento considerado inovador para a sua doença na Clínica da Dor da Santa Casa de Alfenas, no Sul de Minas Gerais, e decidiu voltar atrás na decisão da eutanásia.
Carolina ficou internada cerca de dois meses no hospital, onde passou por uma cirurgia que implanta um eletrodo inibidor da dor e depois, por outra para inserir uma bomba de morfina, de forma a superar melhor as crises de dor. Ela é assistida pelo médico Carlos Marcelo de Barros, presidente da Sociedade Brasileira para Estudos da Dor (Sbed).
Saiba mais a história de Carolina no Instagram
Técnica inovadora promete aliviar a dor
O tratamento cirúrgico que promete devolver qualidade de vida a Carolina é fruto do estudo do médico André Mansano, especialista no tratamento de dores crônicas e pós-doutor pela Faculdade de Medicina da USP.A técnica foi publicada na revista científica da Academia Americana de Dor Orofacial e apresentada no congresso mundial de agosto de 2022, em Budapeste, na Hungria.
O procedimento consiste na colocação de um eletrodo no nervo trigêmeo. Ele é, então, conectado a um gerador semelhante a um marca-passo, que emite impulsos elétricos específicos para inibir a dor do paciente”, resume o especialista.
O Dr. André realizou a técnica de estimulação do nervo trigêmeo em uma paciente grave, que havia sido submetida, sem sucesso, a inúmeros tratamentos, entre cirurgias, radiofrequências e compressões por balão.
Assim como Carolina Arruda, a paciente em questão também manifestava desejo iminente de retirar a própria vida. “A paciente está, até o presente momento, há 2 anos e 4 meses sem dor”, celebra o médico.
Carolina investiga suspeita de doença autoimune
Além da bomba de morfina, Carolina faz tratamento com canabidiol, mas as medidas não aliviam totalmente as dores. Carolina conta que as duas cirurgias feitas nos últimos dois meses diminuíram em 25% as dores constantes. No entanto, ela mantém a esperança de que o tratamento possa reduzir a sua dor em 50%. Outras duas etapas ainda podem ser tentadas no tratamento, com mais duas cirurgias.
Enquanto segue as recomendações do tratamento para a neuralgia do trigêmeo com o especialista em dor, Carolina investiga com uma reumatologista uma doença autoimune ainda não identificada. Entre as suspeitas, estão espondilite anquilosante, artrite reumatoide, fibromialgia e lúpus – doençasa reumáticas que também causam muita dor.
Desde criança Carolina sofre com sintomas reumatológicos, que foram se agravando, principalmente inchaço nas mãos e pés e dor nas articulações do corpo, o que a obriga a usar bengala para manter o equilíbrio no dia a dia. Ela ainda foi diagnosticada com a sindrome de Raynaud, que deixa os dedos das mãos roxos.
Missão de ajudar outras pessoas que também sofrem
Conhecida também como “a doença do suicídio”, a condição que afeta o nervo trigêmeo do rosto é reconhecida por desencadear dores intensas, descritas como choques elétricos ou pontadas agudas ou ainda como uma queimação. A dor é intermitente, ou seja, ela se repete ao longo do dia e dura alguns minutos. Geralmente, afeta um dos lados da face ou ambas – como é o caso de Carolina.
A história da jovem veterinária mostra a importância de buscar diagnóstico e tratamento adequados para a dor crônica. Para ajudar outras pessoas que sofrem com o mesmo problema e a procuram diariamente pelas redes sociais, Carolina decidiu criar a Associação Brasileira da Neuralgia do Trigêmeo (ABNTR), que já tem 100 membros.
Em outubro, Carolina lançou uma campanha de conscientização, marcando o Dia Mundial da Neuralgia do Trigêmeo (7/10). A entidade que ela fundou e preside está mobilizando médicos, psicólogos, prescritores de cannabis medicinal e outros especialistas para apoiar os pacientes. Veja o apelo de Carolina aqui.
‘A doença do suicídio’: conheça os sintomas da ‘a pior dor do mundo’
Classificada como a “pior dor do mundo” por quem já recebeu o diagnóstico da doença crônica, a Neuralgia do Trigêmeo é uma síndrome que causa dores fortes no rosto, em geral, em regiões específicas e em apenas um dos lados. A sensação que as pessoas têm com essa patologia é de pontadas agudas, choques elétricos ou queimação na região dos olhos.
De acordo com Danielle de Lara, neurocirurgiã que atua no Hospital Santa Isabel (Blumenau/SC), após receber o diagnóstico da doença, a pessoa passa a sentir as dores realizando hábitos comuns durante o dia. “Normalmente, a dor é sentida com ações simples, como escovar os dentes, mastigar, falar, beber água ou até mesmo um toque na região”, detalha.
Ela é uma das causas mais comuns de dor facial. É caracterizada por episódios de dor lancinante, ‘em choque’, com início e término abruptos, desencadeada por estímulos inócuos como mastigação ou uma simples escovação de dentes”, explica o médico André Mansano.
Por isso, essa manifestação dolorosa pode ter um impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes, levando a um sofrimento extremo e à busca por soluções eficazes. A dor ocular decorrente da neuralgia do trigêmeo é uma das mais intensas. A neuralgia do trigêmeo causa dores em todas as regiões da face, sendo esse aspecto que contribui para descartar problemas oculares.
Como diagnosticar corretamente a doença
A neurocirurgiã explica que a Neuralgia do Trigêmeo pode surgir de duas formas. “Existem duas possibilidades de ter esta doença crônica. A primeira aparece com a compressão neurovascular a partir de um posicionamento anormal da artéria, que acaba comprimindo o nervo. A segunda possibilidade ocorre com uma predisposição genética”, afirma.
A cirurgiã dentista Raquel Fiterman ressalta a importância de esclarecer as possíveis causas da dor facial intensa: “É crucial considerar o diagnóstico diferencial para garantir que o paciente receba o tratamento adequado. Muitas vezes, dores faciais podem ser confundidas com neuralgia do trigêmeo, exigindo uma abordagem multidisciplinar para proporcionar alívio e qualidade de vida aos pacientes.”
É crucial enfatizar a importância do diagnóstico preciso ao lidar com condições como a neuralgia do trigêmeo, uma vez que doenças como dores miofasciais, neuralgias induzidas por cavitações osteonecroses (NICO) e problemas dentários podem ser confundidos devido a sintomas semelhantes. A abordagem correta e diferenciada é essencial para garantir um tratamento eficaz e alívio para o paciente, conforme destacado pela especialista.
Como tratar a neuralgia do trigêmeo
Diante da complexidade e do impacto devastador da neuralgia do trigêmeo, é fundamental um acompanhamento especializado e atento às necessidades individuais de cada paciente, visando oferecer suporte e soluções eficazes para o manejo dessa condição dolorosa. O tratamento costuma melhorar a dor nos olhos. Portanto, nesses casos não é preciso procurar o oftalmologista.
Para tratar a síndrome, Danielle recomenda o uso de alguns medicamentos de uso diário, por se tratar de uma doença crônica. Anticonvulsivantes são os mais comuns para tratar a neuralgia do trigêmeo, e remédios que reduzem os espasmos musculares e antidepressivos tricíclicos podem ser efetivos.
Ainda de acordo com a especialista, é importante lembrar a não se automedicar. Em caso de sintomas, procure um médico. Ela aponta que a depender do desenvolvimento da doença, um procedimento neurocirúrgico pode ser realizado. “Caso os medicamentos não correspondam e dependendo da gravidade do caso, é necessário uma intervenção cirúrgica”.
Com assessorias