É comum acompanhar diariamente nas redes sociais mulheres sendo julgadas pela sua aparência. Seja nos desfiles de Carnaval, seja em reality shows da TV brasileira, elas sofrem julgamentos e são responsabilizadas pelo corpo que têm. Ou porque são “molinhas” e não fazem exercícios suficiente ou porque não “fecham a boca”.
Estes são alguns, mas os argumentos são vários. No caso do lipedema, trata-se do padrão de corpo “cintura fina e pernas grossas” (que atinge cerca de 10 milhões de brasileiras atualmente), como é o caso da modelo e empresária Yasmin Brunet, que foi alvo de críticas pelo seu corpo no Big Brother Brasil.
A pergunta que fica em pleno 2024 é: “até quando as mulheres serão criticadas e julgadas pela sua aparência?”. Um dos pioneiros no tratamento cirúrgico do lipedema no país comenta este tipo de comportamento e o que falta para as mulheres terem mais acolhimento.
O lipedema é uma doença genética, com componente hormonal. É imprescindível parar com o desrespeito ao corpo feminino. Precisa tirar a culpa que colocam nas costas destas mulheres e trazer consciência e acolhimento que elas merecem”, diz Fábio Kamamoto, que dirige o Instituto Lipedema Brasil.
Críticas a mulheres com lipedema vêm desde o século 19
Existiu um caso, em 1815, que aconteceu 125 anos antes da primeira descrição médica de lipedema, em 1940. Trata-se de Sarah Baartman, uma mulher africana que foi aprisionada e exibida em feiras europeias de fenômenos bizarros humanos. Grandes multidões iam a estas feiras apenas para vê-la. Tudo porque ela tinha um quadril largo e uma cintura extremamente fina.
Estas críticas quanto à aparência feminina – como no caso da Sarah Baartman – parecem questões antigas, mas é bem atual. Por exemplo, as pessoas não sabem o que é lipedema e que é uma doença, que precisa de tratamento. E sem saber, as pessoas criticam a aparência de quem tem”, diz o médico.
Segundo ele, o lipedema ainda é uma doença mal diagnosticada, pouco conhecida ainda pela população. E até hoje não está incluído no currículo básico das escolas de medicina. Desde 2020, mesmo antes do nascimento do Instituto Lipedema Brasil, ele iniciou um trabalho de conscientização e ajuda para estas mulheres.
O meu trabalho é falar sobre esta doença que ainda não é conhecida pelas pessoas e tratada pelos médicos como deveria ser. Começamos a falar da doença quando ninguém falava”, diz o médico.
‘Sofri com dores, lutando com algo invisível’, diz ex-BBB
Junho é o Mês Mundial da Conscientização do Lipedema, uma doença crônica progressiva confundida com obesidade, causada pelo acúmulo de gordura doente nos braços, pernas e quadris, que atinge cerca de 10 milhões de mulheres no Brasil.
Recentemente, mulheres famosas como a Yasmin Brunet, Karen Bachini, Amanda Djehdian, entre outras, falaram abertamente sobre seus diagnósticos e como lidam com a doença em suas redes, trazendo luz ao lipedema, que não tem cura, mas tem tratamento.
Hoje, vemos muitas famosas indo para as redes comentar sobre o assunto. Percebo que nosso trabalho está surtindo efeito porque nosso propósito, desde o início, foi conscientizar a população que existe uma doença crônica chamada lipedema e que não tem nada a ver com obesidade ou desleixo”, avalia Fábio Kamamoto.
Este ano, a influenciadora Karen Bachini assume o papel de embaixadora nacional do Mês Mundial de Conscientização do Lipedema 2024 ao lado da empresária e ex-BBB, Amanda Djehdian, que pelo segundo ano consecutivo assume o papel de ajudar a divulgar informações sobre a doença.
Orgulho é a palavra. Saber que por tantos anos sofri com dores, lutando com algo invisível e hoje poder ter meu diagnóstico e lutar pela causa”, comenta Amanda.
Ela ainda deixa uma mensagem para as milhões de mulheres que têm lipedema: “Você é incrível e é capaz. Nesse momento você pode estar lutando com algo que não conhece, mas estamos juntas para poder trazer consciência, tratamentos para todas e esperança, uma vida mais leve e sem dores”.
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Os dois principais tratamentos para o lipedema
As principais características do lipedema, que possui cinco tipos e quatro estágios, são dores frequentes nas regiões das pernas, quadril, braços e antebraços, que ficam mais grossos e desproporcionais em comparação com o restante do corpo.
A mulher pode apresentar hematomas (ficar roxa) por qualquer movimento mais brusco. Isto acontece porque a doença provoca reação inflamatória em células de gordura nestas regiões”, explica o especialista.
Há dois tipos de tratamento para o lipedema:
- o clínico, que engloba uma equipe multidisciplinar (cirurgião vascular, endocrinologista, psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, entre outros) com o objetivo de dar mais qualidade de vida para a paciente; e
- o cirúrgico, que engloba o cirurgião plástico que remove por meio da lipoaspiração as células de gordura doentes. A doença foi incluída no Código Internacional de Doenças (CID 11) no início de 2022.
Dados e curiosidades – A realidade do lipedema no Brasil e no mundo
- O CID do lipedema é o EF 02.2. Incluído na 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11).
- Há um consenso americano que reforça a validade da cirurgia como o único tratamento que remove as células de lipedema;
- Em um estudo feito em 2021 sobre o efeito da cirurgia no lipedema com 148 mulheres operadas foi constatado que:
- 84% relatam melhora na qualidade de vida;
- 86% na redução de dor e,
- 100% na perda de volume.
- Os autores também descobriram que as mulheres tiveram uma redução significativa na necessidade de terapia descongestiva e que a percepção na melhora dos sintomas e qualidade de vida se mantiveram até 12 anos após o tratamento cirúrgico.
- Costuma ser confundida com obesidade em 75% das pacientes ouvidas no estudo;
- 63% das pacientes revelaram histórico familiar da doença, algumas vezes acometendo três gerações: avó, mãe e a paciente, evidenciando a tese de que a doença pode ser genética.
- O lipedema não tem cura.
- Não é uma doença estética e, por isso, demanda tratamentos clínico e cirúrgico;
- O lipedema não mata, mas atrapalha a qualidade de vida da mulher de tal forma, que pode desencadear distúrbios como depressão, obesidade, bulimia, perda de mobilidade e redução de autoestima.
- Não há tratamento gratuito para a doença no SUS ou pelos convênios médicos no Brasil.
Agenda Positiva
Ações gratuitas para conscientização sobre o lipedema
A ONG Movimento Lipedema – formada pela associação de mulheres portadoras da doença e médicos especialistas – realiza a segunda edição da campanha Conheça Lipedema para divulgar ações gratuitas que acontecerão durante toda a segunda quinzena do mês de junho, além de informação para todas as mulheres que têm a doença ou querem entender melhor a doença.
Para isso, preparou ações gratuitas no Rio de Janeiro e em mais oito cidades brasileiras (Belém, Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília, Recife, Maceió, Salvador e São Paulo) e uma cidade norte-americana, Lowel (Massachusetts), simultaneamente, no dia 16 de junho.
No Rio, a caminhada acontece no Parque Quinta da Boa Vista, em frente ao Museu Nacional, das 9h às 11h. A participação é gratuita e aberta para toda a família. Em São Paulo, acontece no Parque do Ibirapuera. A programação termina com um evento especial no Parque Villa Lobos, em São Paulo, no dia 29.
Uma equipe composta por fisioterapeutas, enfermeiras, nutricionistas e profissionais de educação física voluntários estará disponível para os visitantes que quiserem orientações sobre a doença, diagnóstico e tratamento. A participação é gratuita e aberta para toda a família.
No ano passado, tivemos um quórum incrível, esperamos que este ano seja tão esclarecedor e importante para todas as mulheres que têm lipedema e para aquelas que têm muitas dúvidas e não sabem onde procurar ajuda!”, comenta a presidente da ONG Movimento Lipedema, Gabriela Luciana Pereira.
Evento no Chile – Atividades para conscientização do lipedema acontecerão em junho também na cidade de Santiago, no Chile. A conferência educativa Yo visibilizo el lipedema, organizada pelo Instituto Lipedema Chile, será no dia 15, e deve reunir mais de 120 mulheres.
O lipedema ainda é uma doença pouco diagnosticada e com desconhecimento até mesmo no setor médico do nosso país. Queremos dar visibilidade e aproximar aquelas mulheres que se sentem identificadas”, comenta a cinesiologista e diretora do Instituto Lipedema Chile, Jubiza Pusic.
Com informações do Instituto Lipedema Brasil