Médicos desmentem suposto ‘benefício’ do cigarro eletrônico

28% que trocaram cigarro comum por dispositivo eletrônico tiveram mais dificuldades de abandonar o vício, diz, dizem pneumologistas

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Apesar da queda na população que consome tabaco nas Américas – de 28% para 16,3% entre 2000 e 2020 – , novos produtos como os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), chamados popularmente de vapes, e-cigs, ou cigarros eletrônicos, e informações enganosas da indústria do tabaco, especialmente voltados para os jovens, ameaçam anular essas conquistas. Por isso, a campanha pelo Dia Mundial Sem Tabaco (31 de maio) também tem o objetivo de conscientizar sobre os males do consumo de cigarros eletrônicos.

O diretor-executivo da Fundação do Câncer lembra que a indústria do tabaco lançou o cigarro eletrônico como uma suposta forma de ajudar as pessoas a pararem de fumar, mas são produtos que contêm substâncias altamente danosas para o organismo. Mas, segundo especialistas, esses produtos, que estão em alta no mercado nos últimos anos, têm potencial de desenvolver e induzir a dependência nos usuários ainda maior que o cigarro comum.

Um estudo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) aponta que usuários que fizeram a troca tiveram 28% menos sucesso nas suas tentativas de abandonar o tabagismo.

E, ao contrário do que algumas pessoas imaginam, o uso do cigarro eletrônico é sim prejudicial à saúde.  Maltoni destaca que é cada vez mais frequente na imprensa mundial, casos de explosões e problemas de saúde graves devido ao uso do dispositivo.

“Os cigarros eletrônicos também fazem muito mal para a saúde, assim como os cigarros tradicionais, com alguns agravantes. De maneira geral, eles podem conter mais nicotina que o cigarro convencional. A gente sabe que a nicotina é uma substância que causa o vício. Fora isso, ele contém uma infinidade de substâncias tóxicas e cancerígenas que elevam os riscos para diversas doenças”, o diretor executivo da Fundação do Câncer.

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Cigarro eletrônico NÃO é opção segura para quem quer parar de fumar

Segundo a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), dispositivos eletrônicos podem causar dependência e inflamação nos pulmões

Abandonar o tabagismo é um desafio, e para deixar o vício, fumantes optam por estratégias diversas, entre elas o uso de dispositivos eletrônicos, conhecidos como “vapes” ou “pods”, que foram introduzidos ao mercado como uma estratégia para substituição ao cigarro tradicional.

Segundo o coordenador do Comitê de Tumores Torácicos da SBOC, William Nassib William Junior, no entanto, o uso dos cigarros eletrônicos não é seguro, especialmente para adultos jovens ou mulheres grávidas, uma vez que a presença de nicotina nesses dispositivos pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro em indivíduos com menos de 20 anos de idade.

De acordo com o estudo Risco de iniciação ao tabagismo com o uso de cigarros eletrônicos: revisão sistemática e meta-análise, conduzido pelo INCA (Instituto Nacional de Câncer) e publicado em 2022, o uso de cigarros eletrônicos aumenta mais de três vezes o risco de experimentação do cigarro tradicional.

“Além de não ser um método seguro para quem quer parar de fumar, os cigarros eletrônicos causam dependência, acarretando uma série de outros problemas de saúde”, explica o especialista

Problemas associados ao cigarro eletrônico

De acordo com especialistas do InCor/Universidade de São Paulo (USP), o cigarro eletrônico eleva o risco de câncer, aumenta em 42% a chance de infarto e em 50% o risco de asma e maior possibilidade de pneumonia. E não importa a quantidade ou a frequência do uso.

Gustavo Faibischew Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, e coordenador da comissão de câncer da SBPT, diz que “não há nenhuma quantidade segura para o consumo do tabaco e seus derivados. Mais ainda, é importante lembrar que mesmo consumos pequenos ou infrequentes estão relacionados ao aumento do risco de adoecimento e óbito”, afirma.

“Muito embora ainda não tenhamos dados robustos das complicações do uso dos DEFs no longo prazo, já há evidências de que mesmo exposições agudas e de curta duração podem elevar o risco de problemas cardiovasculares em 60% e de acidentes vasculares cerebrais em 70%. Os cigarros eletrônicos precipitam crises de asma, piora da função pulmonar e facilitam infecções respiratórias“, esclarece.

Além de todas essas complicações, os vapes ainda podem provocar a EVALI (sigla em inglês para lesão pulmonar aguda associadas aos vapes), uma complicação pulmonar bastante grave caracterizada por extensa inflamação nos pulmões, que pode levar à insuficiência respiratória e à morte.

Jovens, as novas vítimas do tabagismo

Atualmente, estima-se que cerca de 34% dos adolescentes nos EUA e Canadá já experimentaram ao menos uma vez o uso de DEFs, percentual que pode chegar perto de 45% na Europa. No Brasil, apesar da proibição, a prevalência pontual da experimentação de dispositivos eletrônicos para fumar foi estimada neste ano em 13%, mas está crescendo, conforme a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).

“Hoje, de acordo com o Ministério da Saúde, quase 20% dos jovens brasileiros usam cigarro eletrônico. É preciso rigor contra a explosão do vape entre os adolescentes, ampliando a fiscalização e combatendo o comércio ilegal destes dispositivos, que são facilmente encontrados na internet e em outros pontos de venda”, ressalta Maltoni.

Ainda segundo a OMS, houve um crescimento nos últimos anos do uso de cigarro eletrônico, narguilé e derivados, onde 70% dos usuários são jovens de 15 a 24 anos. A variedade de aromas oferecidos pelos cigarros eletrônicos é um chamariz para atrair a juventude, alerta a OMS. E um dos agravantes é que na adolescência o sistema nervoso está em desenvolvimento.

“Infelizmente, na prática vemos muitos jovens utilizando esses vapes, por isso temos que unir esforços para discutir abertamente sobre tabagismo e conscientizá-los de que apesar da vasta gama de essências aromatizadas, esses cigarros eletrônicos contêm altas doses de nicotina, que é viciante, além de substâncias potencialmente carcinogênicas”, afirma Bruna Zaidan, diretora de Comunicação da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP). 

O crescente consumo de tabaco por jovens tem despertado a importância de se fazer campanhas de conscientização e prevenção de doenças como o câncer de pulmão. Mas não é apenas essa doença que pode ser causada pelo fumo.

“O cigarro comum, assim como os eletrônicos (dispositivo eletrônico para fumar – DEF, conhecidos também como vapes), narguilés, charutos e cachimbos contêm substâncias que estão ligadas diretamente a diversos tipos de câncer. Também estão associados ao surgimento ou agravamento de doenças respiratórias, como o enfisema e a bronquite crônica, e de doenças cardiovasculares, como o infarto do miocárdio”, diz ela.

 

Relação entre cigarro eletrônico e câncer

Dr. William William Junior explica que a quantidade de substâncias tóxicas no cigarro eletrônico é menor do que no cigarro tradicional. No entanto, o efeito desses componentes a longo prazo não é conhecido.

“Como o cigarro eletrônico pode ser socialmente mais aceito, não se sabe se a frequência maior de uso do cigarro eletrônico pode acabar sendo danosa a longo prazo também. A curto prazo, além dos efeitos deletérios da nicotina, o cigarro eletrônico pode provocar inflamações severas nos pulmões”, destaca.

“Embora a quantidade dessas substâncias seja aparentemente menor em comparação com os cigarros tradicionais, isso não significa que os cigarros eletrônicos sejam seguros”, acrescenta. Entre os principais problemas de saúde associados ao uso desses dispositivos estão a inflamação nos pulmões, o atraso no desenvolvimento cerebral (devido à presença de nicotina) e a dependência química causada pela nicotina

“Ainda não foi estabelecida uma relação direta entre o uso de cigarros eletrônicos por jovens e o desenvolvimento de câncer. Entretanto, é importante destacar que diversas substâncias presentes nos cigarros eletrônicos são conhecidas por serem cancerígenas”, comenta o coordenador do Comitê de Tumores Torácicos da SBOC..

O oncologista clínico recomenda que aqueles que desejam parar de fumar busquem orientação médica. “Atualmente, existem diversas opções, tanto não medicamentosas quanto medicamentosas, que podem ser muito úteis no auxílio para abandonar o hábito. Ter apoio profissional pode significar aumentar as chances de sucesso nesse processo”.

Câncer por cigarro eletrônico vem antes do que em fumantes ‘tradicionais’

O uso de cigarros eletrônicos aumenta as chances de câncer e, além disso, o diagnóstico da doença ocorre quase 20 anos antes do que nos fumantes convencionais. Isso é o que sugere um estudo retrospectivo conduzido por universidades americanas a partir de informações de 154.856 pacientes coletadas entre 2015 e 2018.

A pesquisa inédita, publicada no periódico “World Journal of Oncology”, cruzou dados sobre o histórico de câncer e de consumo do vape (nome em inglês utilizado para o dispositivo). Com o cigarro eletrônico, o diagnóstico de câncer aconteceu em média aos 45 anos, contra 63 nos fumantes tradicionais.

Os adeptos do novo modelo também apresentaram tumores diferentes dos que costumam ser associados ao tabaco: os mais comuns foram câncer cervical, leucemia, câncer de pele e de tiroide.  Leia mais aqui.

 

Produto proibido no Brasil desde 2009

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) revelou que embora oito países da região tenham proibido a comercialização de cigarros eletrônicos e quatro de produtos de tabaco aquecido, 14 países ainda não tomaram nenhuma medida regulatória a esse respeito.

No Brasil, o produto é proibido desde 2009 pela Resolução n°46  (RDC 46/2009), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que proibiu a proibiu a comercialização e importação de qualquer dispositivo eletrônico para fumar, contendo ou não nicotina e tabaco, o que torna o produto ilegal no país. Sem a regulamentação, não há fiscalização sobre a composição, procedência ou até mesmo a segurança para o uso de cigarros eletrônicos.

Apesar da sua produção, distribuição, venda e propaganda terem sido banidas em todo o país, a pesquisa Inquérito Telefônico de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas em tempos de pandemia (Covitel) apontou que 7,3% dos brasileiros experimentaram esses Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) em 2022.

De acordo com pesquisa recente apresentada pelo IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), mais de 2 milhões de brasileiros (1,4%) afirmaram ter usado o dispositivo com o objetivo de deixar o cigarro tradicional. Em comparação com 2018, primeiro ano em que o levantamento foi feito, o número era de 0,3% na população adulta, com menos de 500 mil consumidores.

A pesquisa aponta também que cerca de 6 milhões de adultos fumantes afirmam que já experimentaram cigarro eletrônico, o que representa 25% do total de fumantes de cigarros industrializados, um acréscimo de 9 pontos percentuais em relação a 2019.

A cada ano que passa, apesar da proibição, o produto fica mais conhecido da população. Ainda de acordo com o Ipec, atualmente quase 90% das pessoas, ou seja, 144 milhões de brasileiros, sabem que o cigarro eletrônico existe. Em 2021, esse número girava em torno de 108 milhões (68%).

1 hora de uso de narguilé equivale a fumar 100 cigarros, alerta SBCO

Apesar dos males já amplamente divulgados, os cigarros eletrônicos e o narguilé, por exemplo, têm se popularizado especialmente entre pessoas de 18 a 24 anos devido ao consumo em momentos de convívio social, pelo compartilhamento com amigos em festas, pela estética das imagens nas redes sociais e, principalmente, pelos atrativos sabores das substâncias inaladas.

Desde 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a utilização de aditivos nesses produtos, mas os produtores das essências de narguilé ignoram a decisão. Pesquisadores estimam que 7,3% da população brasileira consome regularmente ou já teve contato com narguilé – em torno de 9 milhões de pessoas. Entre os jovens de 18 a 24 anos, a proporção salta para 17%.

O médico Erlon de Ávila Carvalho, cirurgião torácico e coordenador da Comissão de Tórax da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), desmente o boato que o narguilé seria menos prejudicial aos pulmões do que os cigarros convencionais.

“Pela presença de essências que mascaram o sabor ruim, algumas pessoas podem ter a falsa impressão que não é tão prejudicial, mas isso é um erro imenso. O narguilé contém quase 5000 substâncias tóxicas e uma alta concentração de nicotina bem maior que de um cigarro normal”, explica.

Além disso, os usuários costumam compartilhar o bocal do narguilé com acúmulo de saliva, que pode transmitir certas doenças como herpes, tuberculose, hepatite C e, evidentemente, Covid-19. Diversos pesquisas em várias partes do mundo já atestaram a correlação entre o uso do narguilé e o desenvolvimento de cânceres no pulmão, boca, esôfago e estômago, visto que a fumaça contém substâncias cancerígenas em quantidades gigantescas, como alcatrão, benzopireno e metais pesados.

“Uma exposição de cerca de 60 minutos pode equivaler a fumar 100 cigarros e também como no cigarro o fumante passivo de narguilé também será afetado”, informa Carvalho.

Um relatório publicado pelo Instituto Nacional de Câncer afirma que os usuários de narguilé têm 339% mais risco bruto de mortalidade por câncer de pulmão em relação aos que não utilizam. O documento também mostra uma pesquisa que evidenciou associação positiva entre o uso de narguilé e o surgimento de doenças respiratórias, como bronquite, sibilância – além de doenças metabólicas e cardiovasculares.

Dessa forma, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica alerta para a importância de políticas públicas de acolhimento e orientação às pessoas que desejam cessar a prática; bem como medidas mais restritivas na comercialização de essências para narguilé com sabor.

Outro lado

Indústria do tabaco alega que dispositivos são menos prejudiciais

Às vésperas do Dia Mundial Sem Tabaco, a indústria tabagista vem investindo pesado para tentar garantir seu espaço no potencial mercado consumidor brasileiro de DEFs, preocupada também com o avanço dos produtos contrabandeados. Para pressionar a regulamentação do consumo no Brasil, insiste em defender que os produtos não causam mal à saúde.

Em comunicado à imprensa, a BAT, que se apresenta como “a maior empresa de tabaco do país”, faz questão de reforçar que vaporizadores ou produtos de tabaco aquecido, que são conhecidos popularmente como cigarros eletrônicos, “não são produtos inócuos” ou “isentos de risco”, mas, quando regulamentados, podem ser considerados “alternativas de risco reduzido para adultos fumantes em relação aos cigarros convencionais”.

A empresa diz que “a experiência internacional demonstra que esses dispositivos podem reduzir as consequências associadas ao tabagismo”. E lista supostas experiências positivas de países que liberaram a venda desses produtos.

“Enquanto cerca de 80 países, como Estados Unidos, Canadá, Japão, Nova Zelândia, além de membros do Reino Unido e todos os países da União Europeia, já avançaram na regulamentação, no Brasil, o assunto segue em discussão na Anvisa”.

Ex-diretora da Anvisa fala em ‘evidências científicas’

A empresa chegou a contratar uma ex-diretora da Anvisa para propagar os supostos benefícios do cigarro eletrônico para quem deseja fumar, mas teme os males à saúde. “Em 2009, quando a agência optou pela proibição, foi uma medida cautelosa porque não existiam muitas evidências científicas. Mas, hoje, temos uma infinidade”, diz a farmacêutica Alessandra Bastos, que hoje atua como consultora da BAT Brasil.

Ainda segundo ela, já foi comprovado em vários estudos, que a principal diferença entre o cigarro convencional e o cigarro eletrônico é que no dispositivo eletrônico não há combustão e, consequentemente, não há queima do tabaco.

“Portanto as centenas de substâncias potencialmente tóxicas provenientes da fumaça se transformam em menos de cinco no aerossol do vaporizador. Essa diferença discrepante não pode ser ignorada, principalmente por se tratar de um assunto de saúde pública”, tenta explicar, por meio da assessoria da BAT.

A empresa diz ainda que o cigarro eletrônico é destinado somente a pessoas acima de 18 anos – o que sabemos que na prática não é bem o que acontece já que muitos adolescentes são vistos fazendo uso do produto. E manifesta sua preocupação com a saúde de “mais de 2 milhões de consumidores expostos aos riscos de um produto 100% ilegal, proveniente do contrabando”.

Lauro Anhezini Júnior, chefe de assuntos científicos e regulatórios da BAT Brasil, diz que só com a definição de regras claras para fabricação, importação, consumo e comercialização, empresas regulares do setor podem “oferecer um produto com rigorosos padrões de segurança e qualidade”.

Fonte: Fundação do Câncer, SES-SP e BAT Brasil

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