Pessoas intersexo têm características sexuais congênitas, não se enquadrando nas normas médicas e sociais para corpos femininos ou masculinos, e que criam riscos ou experiências de estigma, discriminação, ódio e danos. Essa é a definição da Intersex Human Rights, organização independente de apoio para pessoas com variações ou traços intersexuais.
Antigamente conhecido como hermafrodita (termo hoje em desuso por ser pejorativo), o intersexo é uma condição biológica que afeta entre 0,5 e 1,7% da população mundial, caracterizando-se por uma inconformidade entre o sexo cromossômico (XX ou XY) e o sexo fenotípico (vagina e pênis). Ou seja, a pessoa pode nascer XY e ter o órgão sexual feminino.
No Brasil, não há levantamentos sobre pessoas intersexo. Ainda assim, dados do DataSUS, do Ministério da Saúde destacam que 104.557 nascidos vivos foram registrados com o “sexo ignorado” entre 2014 e 2021 – 1,6% do total de bebês registrados no período.
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A interxexualidade ganhou maior repercussão recente devido a dois fatos. O primeiro a abordagem do tema na novela Renascer (TV Globo), com o bebê de Teca sendo intersexo, e o segundo o caso da lutadora argelina Imane Khelif nas Olimpíadas de Paris que sofreu preconceito em suas lutas por ser intersexo e carregar cromossomo XY.
O caso da lutadora nas Olimpíadas mostra como nossa sociedade ainda desconhece o intersexo. Dependendo da condição que essa lutadora tenha ela pode ter testosterona circulante, no entanto, não ter receptores para esse hormônio e, assim, não ser ‘beneficiada’”, explica o presidente da SBU, Luiz Otávio Torres.
Historicamente, a intersexulidade foi vista como uma condição a ser “corrigida”, o que levou a intervenções cirúrgicas e hormonais invasivas e sem consentimento, inclusive em bebês e crianças.
Nos últimos anos, a conscientização sobre os direitos humanos das pessoas intersexo avançou, assim como o reconhecimento das violações que enfrentam. Ainda assim, poucos países oferecem acesso integral à saúde e direito à cidadania como outras parcelas da sociedade.
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Redesignação sexual ou cirurgia genital afirmativa de gênero
No Brasil, a cirurgia de redesignação sexual, ou cirurgia genital afirmativa de gênero, já é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O procedimento pode ser hormonal e/ou cirúrgico para adequar os órgãos genitais do sexo biológico do indivíduo ao gênero pelo qual o paciente se identifica.
Segundo Ubirajara Barroso Jr., cirurgião responsável pela primeira cirurgia de redesignação sexual da Bahia pelo SUS. quem mais procura pela cirurgia são as mulheres trans. “Cerca de 70% das mulheres trans querem e 35% dos homens trans optam por fazer os procedimentos”, aponta o médico especialista em reconstrução genital”.
Após a avaliação do paciente, verifica-se qual tipo de técnica poderá ser empregada. “Entre elas, temos a mobilização total dos corpos cavernosos (TCM), desenvolvida pela nossa equipe, que permite a construção de um falo um pouco maior que as técnicas convencionais”, afirma Dr. Barroso.
A identidade sexual, ou de gênero, é um aspecto importante e inerente do ser humano, e que diz respeito não somente à sua integração social, mas à forma como a própria pessoa se sente e se vê, interferindo nos seus relacionamentos e na sua autoestima”, reforça a diretora de Comunicação da SBU, Karin Jaeger Anzolch.
Para a especialista, a condição pode causar grande sofrimento ao indivíduo se algo nesse contexto não se adequa interna ou externamente, como por exemplo nas pessoas que nascem com uma genitália ambígua (órgãos genitais de aspecto indefinido para sexo masculino ou feminino) ou pessoas trans, que não se sentem pertencentes ao sexo atribuído no nascimento.
Nesse cenário, também se encontra o papel do urologista e da própria SBU, não só de acolher, mas de tratar aspectos inerentes a essas condições. A entidade tem difundido cada vez mais em seus congressos treinamentos cirúrgicos para pessoas trans e intersexo e educação continuada online com estudos de caso para seus associados.
É urgente que nosso país esteja preparado e possa atender com qualidade e acolhimento as pessoas intersexo e trans. E é nossa missão enquanto sociedade de especialidade promover e participar ativamente dessas ações que promovem o conhecimento e a inclusão social”, afirma o presidente da SBU, Luiz Otávio Torres.
Cirurgias de conformidade e redesignação sexual chegam à Região Norte
A comunidade trans e intersexo tem conseguido sensibilizar cada vez mais os órgãos públicos, tanto que o Ministério da Saúde e o Hospital Universitário Getúlio Vargas, com o apoio da Sociedade Brasileira de Urologia, promoveram um grande evento de cirurgias de modificações corporais com o intuito de treinar cirurgiões locais e ter um polo de tratamento para essas questões na Amazônia.
Vinte e três pessoas intersexo e trans tiveram suas vidas transformadas em Manaus. Uma equipe de oito cirurgiões urológicos, selecionados pela SBU, realizou cirurgias de conformidade e redesignação sexual em pacientes que aguardavam há muito tempo por esta oportunidade no SUS. Entre os casos operados estão três indígenas intersexo. Eles passaram por procedimentos para adequação do órgão genital ao sexo biológico.
As demandas cirúrgicas específicas dessa população, também denominadas de cirurgias do processo transexualizador, não são realizadas ainda na região norte do país, sendo fundamental a capacitação e familiarização das equipes locais nas técnicas preconizadas e já amparadas na tabela do SUS.
A ação faz parte da I Jornada Multiprofissional de Cirurgias de Modificações Corporais em Pessoas Trans e Intersexo, organizada pelo Ministério da Saúde e pelo Hospital Universitário Getúlio Vargas, vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebseh) e à Universidade Federal do Amazonas (HUGV-Ufam).
Esta Jornada é um marco para a população intersexo e trans. Vamos dar assistência a um grupo que sofre preconceito e tem dificuldade em ser aceito no mercado de trabalho e até mesmo em seus grupos sociais”, explica o urologista Ubirajara Barroso, chefe do Departamento de Cirurgia Afirmativa de Gênero da SBU e referência em cirurgias de redesignação sexual e intersexo.
Oportunidade para capacitar profissionais de saúde
A jornada tem também como objetivo capacitar cirurgiões para o atendimento das populações trans e intersexo. A expectativa é capacitar cerca de 150 profissionais de saúde (médicos, psicólogos, enfermeiros, profissionais, do Direito, do Serviço Social e fisioterapeutas). O objetivo é ensinar novos profissionais a avaliar, a saber como abordar esses pacientes e a realizar cirurgias reparadoras ou transexualizadoras.
Durante os quatro dias de evento, foram realizadas palestras e minicursos que visam ampliar o conhecimento e a visibilidade sobre transexualidade e intersexualidade no âmbito do atendimento do serviço público de saúde, além das cirurgias. Durante o evento, médicos coletaram informações da população indígena intersexo para publicação de um estudo científico pioneiro.
O HUGV tem projeto de habilitação das cirurgias para dar seguimento à demanda cirúrgica crescente no estado, tornando-se o primeiro hospital da Amazônia Ocidental a realizar cirurgias do processo transexualizador.
Dia da Visibilidade Intersexo destaca lutas e direitos no Brasil
Com o objetivo de dar visibilidade e contar a história de pessoas intersexo no Brasil, o Museu da Diversidade Sexual, primeiro museu da América Latina dedicado à memória e aos estudos da diversidade sexual e de gênero, tem como parte da exposição “Pajubá: a hora e a vez do close”, a obra “Emília é Homem”. Também está disponível na mesma exposição o livro e cartaz da peça “O Patinho Torto”, que dramatiza essa história.
‘Emília é Homem’ se caracteriza em uma matéria de jornal que conta a história de uma pessoa intersexo, em Minas Gerais, que em seu nascimento foi designada como mulher, mesmo com condições genéticas dúbias. Entretanto, ao longo dos anos, Emília passou a desenvolver traços ditos masculinos, e a se identificar como um homem, passando a se chamar David.
A preservação e exposição de obras e documentos históricos sobre pessoas intersexo é essencial para garantir visibilidade, educação e conscientização sobre o tema, além de resguardar a história”, destaca Amara Moira, coordenadora de Educação, Exposições e Programação Cultural do Museu da Diversidade Sexual.
Para a profissional, a documentação histórica garante que a existência e as experiências dessas pessoas sejam reconhecidas e validadas, o que contribui para uma representação inclusiva.
Para garantir essa visibilidade, em 2021, a designer Valentino Vecchietti, redesenhou a bandeira LGBTQIA+ com a figura do orgulho intersexo. É possível notar a figura composta por um fundo amarelo e círculo roxo no centro, que segundo sua criadora Morgan Carpenter, da Intersex Human Rights Australia, reflete as construções tradicionais de identidades binárias (masculino e feminino).
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Para Amara Moira, a mudança na bandeira é um reflexo do avanço e inclusão de diversos grupos dentro da comunidade. “Ao atualizar e incluir novas cores e símbolos na bandeira, conseguimos representar a ampla gama de identidades que existem, reafirmando o compromisso com a inclusão e respeito por todas as identidades dentro da comunidade LGBTQIA+”, finaliza.
O Museu da Diversidade Sexual de São Paulo, é uma instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, destinada à memória, arte, cultura, acolhimento, valorização da vida, agenciamento e desenvolvimento de pesquisas envolvendo a comunidade LGBTQIA+.
Com Assessorias