Entre a suspeita do diagnóstico e o início do tratamento, os pacientes com glaucoma percorrem uma jornada marcada pela ansiedade, medo, falta de informação sobre seus direitos e longas filas de espera por atendimento dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), como alerta o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).

Apesar de a rede pública garantir acesso gratuito a consultas, exames, medicamentos e cirurgias, como a porta de entrada aos cuidados ainda é estreita, o tempo de resposta às demandas não é curto por conta do alto volume de pedidos e há muita desinformação, um volume grande de doentes ficam pelo caminho.

Uma grande questão no gargalo e na demora para acesso a um oftalmologista é o fato de estes especialistas estarem inseridos na atenção especializada. Quando o paciente é encaminhado pela atenção primária há aumento na jornada sem o tratamento necessário.

Para especialistas do CBO e da Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG), mesmo com a criação pelo Ministério da Saúde, em 2008, da Política Nacional de Atenção em Oftalmologia, em 2008, uma parcela significativa da população desconhece que tem direito a uma série de cuidados, sem qualquer custo, para diagnosticar e tratar o glaucoma e outras doenças que afetam a visão. Segundo eles, esse é um problema grave, que deve ser combatido com campanhas de esclarecimento.

Tratamento varia de estado para estado

A Política definida pelo Governo estabelece, por exemplo, que todo brasileiro tem direito ao tratamento clínico com medicamentos e tratamento cirúrgico. Porém, como esclarece o oftalmologista Roberto Murad Vessani, membro da Comissão Científica da SBG, muitos brasileiros ainda não sabem como solicitar esse tipo de atendimento pelo SUS.

Segundo ele, outro complicador é que a forma de acesso a esses tratamentos pode variar de estado para estado, o que exige que o paciente se desdobre para ter detalhes. Ele precisa saber quais os estabelecimentos de saúde habilitados para o acompanhamento de glaucoma existem na região onde mora e a forma de obter de graça os medicamentos prescritos pelo médico e até de solicitar uma intervenção cirúrgica.

Entre os serviços e produtos oferecidos pelo SUS estão: colírios antiglaucomatosos de diversas classes terapêuticas e procedimentos a laser e cirurgias incisionais, com ou sem implantes.

Recentemente, foi incorporado ao SUS o exame de tomografia de coerência óptica, que é um método computadorizado sofisticado para avaliar o nervo óptico para complementação da investigação e segmento dos pacientes suspeitos de glaucoma

Centro Carioca do Olho zera fila para glaucoma no Rio

Na cidade do Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informa que zerou a fila para consultas e procedimentos relacionados ao glaucoma –  doença causada pela elevação da pressão intraocular que provoca lesões no nervo óptico e pode levar à cegueira.

A marca foi impulsionada pela inauguração do Centro Carioca do Olho (CCO), em fevereiro deste ano. Em apenas quatro meses, a demanda de mais de 3.600 usuários foi atendida e, hoje, quem precisa de atendimento para glaucoma tem sua consulta agendada com celeridade.

Além do CCO, a ampliação do número de unidades conveniadas é uma frente que a atual gestão vem trabalhando desde quando assumiu a SMS. Um exemplo disso é que o tempo médio de espera para uma consulta de glaucoma, em janeiro de 2021, era de dois anos e quatro meses, enquanto hoje não há demora para o agendamento.

O diretor do CCO, Rodrigo Pegado, aproveita o Dia Nacional de Combate ao Glaucoma, celebrado nesta sexta-feira (26 de maio), para destacar a importância de o usuário ser encaminhado para o serviço especializado de oftalmologia o mais breve possível em caso de suspeita da glaucoma.

“Quanto antes for feito o diagnóstico do glaucoma, maiores as chances de controlarmos a evolução da doença e preservarmos a visão do paciente. Por isso toda a agilidade no processo entre o momento da suspeita da doença até o paciente chegar no consultório do especialista é tão decisiva. O CCO, um hospital do olho de ponta, com certeza tem grande influência nesse resultado para o município do Rio. Os cariocas ganharam um polo de referência para garantir sua saúde oftalmológica”, diz Pegado.

Centro Carioca do Olho

O Centro Carioca do Olho integra o Super Centro Carioca de Saúde, localizado em Benfica, que recebe pacientes das 237 clínicas da família e centros municipais de saúde de toda a cidade, encaminhados exclusivamente pelo SISREG, de forma integrada, eficiente e sem burocracia, com data e hora marcadas.

O CCO conta com equipamentos de grande precisão e tem capacidade para realizar consultas, exames, tratamentos ou cirurgias, como catarata, córnea, estrabismo, glaucoma, retina, oftalmopediatria.

Outro serviço disponível na unidade e fundamental para a população é a Ótica SUS, que faz a dispensação de óculos de grau para os pacientes. São 50 modelos de armação disponíveis e capacidade para fornecer 24 mil óculos por ano.

O CCO está ainda se habilitando e preparando a operacionalização para que, ao longo de 2023, possa começar a realizar transplantes de córneas.

Redução de custos para o SUS

O presidente do CBO, Cristiano Caixeta Umbelino, explica que o tratamento dos pacientes com glaucoma pelo SUS deve observar critérios estabelecidos pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para essa doença ocular, que é definido pelo Ministério da Saúde com a ajuda da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).

De acordo com Caixeta Umbelino, o CBO e a SBG têm trabalhado, juntos, pela modificação e a incorporação de procedimentos e exames no rol de serviços e produtos oferecidos pelo SUS. Também tem pleiteado junto ao Ministério da Saúde o aperfeiçoamento do PCDT para o glaucoma.

Ao longo dos anos, as duas entidades têm produzido e submetido à Conitec diversos relatórios que propõem mudanças no tratamento, baseados nas evidências científicas mais atuais.

“Esses documentos indicam que os ajustes pretendidos trazem vantagens para o paciente e economia de custos para o governo. A implementação de mudanças gera um grande benefício para a população: o acesso tratamentos mais moderno, seguros e eficazes”, disse o presidente do CBO.

Aderência ao tratamento é outro desafio

No entanto, as dificuldades para o tratamento do glaucoma não residem nas limitações das políticas públicas e nos problemas de gestão. Além dos problemas estruturais da rede pública, o paciente com glaucoma se depara com outro desafio: ter aderência a uma rotina que implica em consultas regulares e o uso recorrente de medicamentos.

“Muitos desses pacientes têm certas limitações, sejam físicas ou financeiras, para se locomover até os locais de referência para esse tipo de atendimento. Há os que dependem de acompanhantes”, ressaltou Murad Vessani.

De acordo com ele, essa a atenção à rotina de cuidados tem justificativa. “A cada avaliação feita pelo médico, o tratamento pode ou não ser reajustado, a depender dos achados dos exames. Por isso, é importante que o paciente siga as orientações médicas de forma adequada e obedeça aos prazos de retorno para que seu tratamento tenha maior chance de eficiência”, ressaltou, ao explicar que o glaucoma é uma doença ocular crônica que não tem cura, mas tem tratamento.

Após o diagnóstico de glaucoma, para que o tratamento seja adequado, é preciso que médico e paciente organizem uma estratégia de monitoramento do quadro clínico, com a realização de consultas e exames periódicos, com intervalos de tempo definidos em função da gravidade da doença e sua estabilidade, entre outros fatores.

Tratamento muda de acordo com gravidade

Diante de sinais e sintomas de problemas oculares, todo paciente passa por um exame oftalmológico completo, que inclui, entre outras avaliações, a medida da visão, o exame na lâmpada de fenda – aparelho no qual o oftalmologista observa detalhes microscópicos do olho -, a medida da pressão intraocular e o exame de fundo de olho.

“Além disso, é feita ainda a documentação fotográfica do olho por meio da retinografia. Assim, é possível uma avaliação mais cuidadosa dos detalhes do nervo óptico à procura de sinais de glaucoma”, afirma.

Com essas informações, o médico poderá não só fazer o diagnóstico e caracterizar o tipo de glaucoma, mas também fazer o seu estadiamento, ou seja, definir se o glaucoma está nas fases inicial, moderada ou avançada. Isso ajuda na estratégia de tratamento do paciente.

“Por exemplo, um paciente com glaucoma inicial vai ter uma abordagem diferente e, provavelmente mais suave, do que um com glaucoma avançado, que pode precisar de cirurgia”, explica o oftalmologista.

A importância da PIO – pressão intraocular

Wilma Lelis Barboza, 1ª secretária do CBO, explica que a doença deve ser diagnosticada precocemente, uma vez que quanto antes os cuidados forem introduzidos, maiores as chances de mantê-la sob controle.

“A pressão intraocular elevada machuca o nervo óptico progressivamente, não sendo possível recuperar as partes lesadas. Assim, o glaucoma não tratado corretamente pode levar à perda permanente da visão. Por isso, é recomendado que os pacientes façam visitas regulares aos oftalmologistas. Ao realizarem exames preventivos, os pacientes ajudam a prevenir doenças assintomáticas como é o caso do glaucoma”, destaca.

Dentro dos esforços em torno da conscientização sobre o glaucoma, a Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG) lançou este ano uma iniciativa para alertar médicos e a população em geral sobre a importância de se saber a pressão intraocular (PIO) para diagnosticar a doença.

A campanha “PIO” ocorre em três frentes. Para os oftalmologistas, o objetivo é fortalecer a ideia de que eles precisam informar aos pacientes os valores da PIO, que pode ser medida por meio de procedimento simples e indolor realizado por qualquer oftalmologista em torno de dois minutos.

Em relação aos médicos de outras especialidades, a SBG quer conscientizar sobre a importância de orientar os pacientes a, quando consultar o oftalmologista, perguntarem os valores de sua PIO. Para a população em geral, a campanha traz um alerta: o glaucoma é um mal silencioso, que não tem cura, mas pode ser prevenido e tratado, com colírios e laser.

“Dispomos dos melhores diagnósticos e tratamentos do mundo no Brasil. A dificuldade é o paciente chegar até nós. glaucoma não dói e, na maioria das vezes, não provoca sintoma algum. O defeito que a doença causa começa na periferia visual para depois ir para o centro, então, o paciente não percebe que está perdendo a visão. Quando ele percebe que tem alguma coisa errada, até 60% do nervo óptico já foi destruído”, observa o presidente da SBG.

Atendimento começa no ‘teste do olhinho’

O Ministério da Saúde informa que  o SUS oferece 19 procedimentos para acompanhamento, avaliação e tratamento do glaucoma. Para serem encaminhados aos Serviços de Atenção Especializada, os pacientes devem, primeiro, procurar uma das 41,7 mil Unidades de Saúde da Família espalhadas por todo o país. As pessoas com diagnóstico confirmado devem ser acompanhados por um médico oftalmologista.

Esse acompanhamento começa cedo: todas as crianças, quando nascem, também realizam nas maternidades públicas o Teste do Olhinho. É um exame simples, rápido e indolor, capaz de detectar alterações no eixo visual. O teste avalia o reflexo da luz que entra no olho do bebê. Se for identificada alguma alteração, o recém-nascido é encaminhado para um especialista. A identificação precoce aumenta a chance de desenvolvimento normal da visão ao longo da vida.

Para os casos mais graves, em que há indicação, também é possível fazer transplante de córnea pelo SUS. Em 2020, foram realizados 7.334 procedimentos deste tipo no país. Em 2021, entre janeiro e maio, 436 transplantes foram realizados em todo o Brasil. Os pacientes podem ter acesso aos medicamentos necessários para o tratamento do glaucoma por meio do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF).

Com CBO, SMS e MS

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